Numa época em que os três (3) principais partidos políticos já se decidiram sobre as escolhas dos seus respectivos cabeças-de-lista para as Eleições Municipais que se avizinham, é oportuna a realização de uma breve análise sobre o perfil do(a)s candidato(a)s, não necessariamente do ponto de vista do percurso que cada um(a), mas relativamente à sua dimensão etária, pois vivemos num País onde a média de idade é colocada no intervalo de 16-17 anos, o que reflecte, em grande medida, sobre a população eleitoral presente e futura.
Contudo, antes de abordar o caso específico de Moçambique, importa destacar que a questão da idade na política sempre foi um tema controverso. Por exemplo, para Percheron (1989)[1], falar de idade, no domínio da Sociologia Eleitoral, é, antes de mais, pensar na oposição entre os eleitores mais jovens e os mais velhos, entre os que entram e os que saem da arena política. Ou seja, significa projectar a demografia eleitoral e avaliar o peso numérico dos fluxos de entrada e saída do eleitorado, visando comparar a composição dos grupos etários mais jovens e mais velhos em termos de características essenciais para uma análise do comportamento eleitoral (sexo, nível de instrução, grupo socioprofissional, local de residência ou, ainda, património).
Aliás, como explica Muxel (2011)[2], não há nada mais natural do que a idade. Ser jovem ou velho, ter uma data de nascimento ou envelhecer com o passar do tempo – tratam-se, pois, de elementos objectivos da condição humana que ninguém contesta.
Uma breve pesquisa relativamente ao significado da palavra idade, consultados diferentes dicionários, sugere tratar-se de duração normal da vida, medida desde o nascimento até à morte. Ou seja, a idade é uma unidade de tempo, a medida da vida humana. Mas é, também, uma fracção dessa duração.
Além disso, a idade abrange não só todo o processo de envelhecimento, mas também os graus específicos de uma escala contabilística de uma duração de existência. Refere-se a uma dupla perspectiva: diacrónica e sincrónica. Podemos ter consciência da nossa idade avançada e, ao mesmo tempo, reconhecermo-nos como crianças ou adultos, jovens ou velhos, ou mesmo entre duas idades. Nisto reside a riqueza e a ambiguidade de um conceito ao qual estão associados muitos pressupostos e ideias preconcebidos.
Ainda para Muxel (2011), se analisarmos os efeitos da idade na política, utilizando diferentes métodos e domínios de observação, a primeira conclusão é óbvia: A idade é claramente uma variável fundamental para a compreensão dos fenómenos políticos. Mais do que isso, através dela se introduz o parâmetro fundamental do tempo e, com este, a duração da vida, bem como porque permite explicar a transformação inevitável de toda a experiência humana. Porém, o seu envolvimento na estruturação e evolução das atitudes e dos comportamentos políticos dificilmente dá origem a regularidades infalíveis ou a lógicas facilmente identificáveis. Por sua vez, os seus efeitos directos, embora presentes, permanecem ténues e relativamente resistentes à análise.
Ademais, os demógrafos estão habituados a considerar a idade como uma variável intermédia, isto é, a que se situa sempre entre duas águas, nem exclusivamente dependente nem exclusivamente independente, que, sobretudo, reforça, fortalece ou atenua os efeitos de outras variáveis consideradas mais decisivas e discriminantes. Todavia, a idade, por si só, não diria nada, mas combinada com outros elementos da situação, desempenharia todo o seu papel.
Alguns autores[3] explicam que a idade é um conceito maleável, pelo que não há um limiar objectivo que separe os jovens dos indivíduos de meia-idade ou idosos. Há, pelo menos, quatro (4) pontos de discórdia que tornam os jovens difíceis de definir. Primeiro, os indivíduos podem ter uma percepção diferente de si próprios com a mesma idade numérica. Por exemplo, alguém com 50 anos pode identificar-se como jovem, de meia-idade ou velho. Segundo, o significado de idade é específico do contexto. Por exemplo, ter 30 anos pode ter uma conotação diferente num contexto urbano de um país com rendimentos elevados em comparação com o contexto rural de um país com rendimentos baixos. No primeiro caso, a esperança média de vida pode muito bem rondar nos 80 anos, ao passo que no segundo pode ser substancialmente inferior.
Terceiro, a idade é um estado temporário da vida de um indivíduo. Isto contrasta com as características de muitos outros grupos – por exemplo, ter uma linhagem étnica – que raramente muda à medida que as pessoas crescem. E, por último, e de forma relacionada, não está claramente delimitado o limite superior ou inferior do intervalo de idade que define o grupo “juventude’’ ou outros grupos etários como a meia-idade ou os idosos.
Actualmente, tornou-se evidente associar a idade como sinónimo de falta de interesse pela política ou, ainda, ausência de capacidade dos mais jovens em assumir tal poder. Dalton (2017)[4] já havia mostrado que os cientistas políticos tem estado a debater por que razão a geração do milénio (nascida entre 1981/1996) está a desinteressar-se da política nas democracias contemporâneas. Baseando-se no caso dos Estados Unidos da América (EUA), já se demonstrou que se regista, nas gerações mais recentes, um claro declínio da participação eleitoral no período 1967-2014. Em contrapartida, os aumentos da participação ao longo do ciclo de vida são mais comuns nas actividades não eleitorais (manifestações, petições ou boicotes). Ambos factores influenciam a participação, mas de formas contrastantes para diferentes modos de acção colectiva.
Adicionalmente, Stockemer e Sundström (2023)[5] explicam que as pessoas que tomam decisões políticas em todo o mundo tendem a ser muito mais velhas do que o eleitor de idade média, pelo que, os parlamentos e gabinetes não são representativos da população em geral. Este facto tem consequências: arrisca-se a favorecer políticas orientadas para os interesses dos grupos mais velhos, podendo afastar os jovens do voto e levar os partidos a apelar (ainda mais) aos eleitores mais velhos. Relativamente a isso, alguma literatura chama a tendência de afastamento dos jovens como sinónimo de apatia política ou desencantamento partidário[6].
Outros autores[7], por sua vez, argumentam que os jovens não só se abstêm nas eleições, como também optam por não participar em muitas vias tradicionais de aprendizagem e desenvolvimento político, tais como ler jornais ou assistir aos noticiários televisivos.
Uma interpretação comum dos baixos níveis de participação eleitoral entre os jovens eleitores sugere que eles são apáticos e integram uma geração que não se preocupa com as questões políticas – de facto, uma geração egoísta e materialista.[8] Todavia, alguns trabalhos[9] contrastam essa realidade, pois ilustram que os jovens estão dispostos a empenhar-se politicamente, mas estão desmotivados pelo enfoque e pela natureza do discurso e da prática política dominantes, que, na visão de muitos analistas, exclui e ignora os seus interesses e necessidades.
Retomando ao caso específico de Moçambique, destaca-se que, recentemente, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) apresentaram as suas candidaturas para as Eleições Autárquicas de 2023. Metodologicamente, ao invés de analisarmos todos os 65 Municípios onde os três (3) partidos políticos concorrerão, por limitação de dados e complexidade do próprio exercício, quisemos apenas considerar os localizados nas capitais provinciais, e obtivemos os seguintes dados em termos de idade dos cabeças-de-lista, conforme a tabela abaixo[10]:
Partido |
Cabeça-de-lista |
Idade |
Município |
Frelimo |
Rasaque Silvano Manhique |
40 |
Maputo |
Renamo |
Venâncio Mondlane |
49 |
|
MDM |
Augusto Mbazo |
45 |
|
Frelimo |
Júlio José Parruque |
45 |
Matola |
Renamo |
António Muchanga |
57 |
|
MDM |
Augusto dos Santos Pelembe |
45 |
|
Frelimo |
Adamo Ossumane Adamo |
55 |
Xai-Xai |
Renamo |
Félix Tivane |
36 |
|
MDM |
Manasse Alexandre Mulhovo |
33 |
|
Frelimo |
Benedito Eduardo Guimino |
53 |
Inhambane |
Renamo |
Vitalino Macauze |
39 |
|
MDM |
Constantino Manuel Sevene |
43 |
|
Frelimo |
Stela Pinto Novo Zeca |
46 |
Beira |
Renamo |
Geraldo de Carvalho |
51 |
|
MDM |
Albano Carige |
52 |
|
Frelimo |
João Carlos Gomes Ferreira |
50 |
Chimoio |
Renamo |
Manuel Macocove |
55 |
|
MDM |
Celestino Tapero |
35 |
|
Frelimo |
César de Carvalho |
70 |
Tete |
Renamo |
Ricardo Tomás |
49 |
|
MDM |
Celestino Bento |
59 |
|
Frelimo |
Lourenço Acide Abdul Gani |
44 |
Quelimane |
Renamo |
Manuel de Araújo |
53 |
|
MDM |
Bruno Hubre Dramusse |
47 |
|
Frelimo |
Manuel Rodrigues |
58 |
Nampula |
Renamo |
Paulo Vahanle |
63 |
|
MDM |
Carlos Saíde Chaúre |
52 |
|
Frelimo |
Satar Abdul Gani |
36 |
Pemba |
Renamo |
Amido António |
44 |
|
MDM |
Machude Chale Momade |
41 |
|
Frelimo |
Luís António Saíde Jumo |
43 |
Lichinga |
Renamo |
Orlando Augusto |
57 |
|
MDM |
Pedro Baptista Salimo |
55 |
Ora, não há consenso partilhado relativamente à idade juvenil no País, pelo que tal se coloca entre a faixa etária dos 15/18 até aos 35 anos. Para uma primeira leitura da tabela acima, como hipótese, consideramos ser importante recuperar o discurso segundo o qual “os jovens podem vender o País’’ (General Hama Thai, 2008). Como lógica explicativa, a ideia subjacente girava em torno de uma aparente desconfiança sobre a capacidade dos jovens em operar mudanças de âmbito político. Contudo, tal se deve questionar, sobretudo quando se usa a lógica do “adultismo político’’ como razão da não inclusão dos jovens.[11]
Ainda no que tange à tabela, é evidentemente notório que a média de idades está acima dos 35 anos. Porém, excepção seja feita para o caso do partido MDM, em que Manasse Mulhovo (Xai-Xai) e Celestino Tapero (Chimoio) surgem com 33 e 35 anos, respectivamente. Em relação ao partido Frelimo, a maioria dos candidatos alistados está acima dos 40 anos, exceptuando-se Satar Gani (Quelimane) e Rasaque Manhique (Cidade de Maputo), que têm 36 e 40 anos, respectivamente. No caso do partido Renamo, pelo menos dois dos seus candidatos estão abaixo dos 40 anos. Trata-se, pois, de Félix Tivane (Xai-Xai) e Vitalino Macauze (Inhambane), com 36 e 39 anos, respectivamente.
Além do quesito idade, é igualmente notório o “deserto’’ absoluto de mulheres candidatas em quase todos os partidos políticos, excepto a Frelimo, na Beira. Para nós, a leitura dos dados acima revela um cenário sombrio, no que respeita à representação política vs. idade. Neste contexto, uma breve explicação ajudaria a reflectir melhor sobre a necessidade de se operacionalizar a representação política dos jovens como a percentagem de políticos num determinado escalão etário, ou a necessidade de se comparar a percentagem de jovens adultos numa assembleia com a de jovens adultos na população.
Ora, as análises que apoiam uma maior representação política dos jovens tendem a discutir a representação de grupos sociais. Este argumento se baseia na teoria de uma “política de presença’’[12], segundo a qual grupos sociais específicos têm direito a uma representação descritiva porque têm sido sistematicamente desfavorecidos. Todavia, um contra-argumento indica que não devemos prestar atenção a um grupo com o qual os indivíduos têm apenas uma identificação temporária. Este raciocínio sugere que a exclusão da política que os jovens podem enfrentar durante os primeiros anos de vida pode ser compensada pelas vantagens de que se beneficiarão mais tarde.
Outrossim, ao nível dos partidos, três (3) factores parecem ser moderadamente importantes para os jovens[13]: (1) a idade do partido, (2) a idade do líder do partido e (3) a ideologia do partido. Relativamente aos dois primeiros, alguns indícios sugerem que os partidos mais jovens tendem a nomear representantes mais jovens, e o mesmo se aplica aos líderes partidários mais jovens. Relativamente à ideologia partidária, parece haver uma correlação moderada entre uma ideologia de esquerda e uma maior representação dos jovens, com a ressalva de que esta associação pode não se aplicar aos partidos comunistas. Individualmente, os jovens candidatos que já acumularam experiência política tendem a ser mais bem-sucedidos nas eleições, em média, quando comparados aos jovens sem essa experiência. No caso de Moçambique, tal fica por confirmar ou desmentir perante o actual cenário político em debate.
Por fim, a teoria segundo a qual os mais jovens são incapazes perante a política, não passa de uma retórica dos actores que querem para si mesmos o domínio totalitário sem partilha. A hipótese que explica a nossa colocação prende-se com o facto de que quanto mais nova for uma geração, ela tende a ter uma melhor educação – maior nível de formação e compreensão dos fenómenos[14], razão pela qual, outorgá-la de incapaz ou apática sobre questões políticas é um argumento meramente redutor e falacioso.
Em nota conclusiva, podemos apoiar a nossa análise nos argumentos já avançados pela literatura[15] em torno da representação política dos jovens na era contemporânea, através dos quais se pode sublinhar três (3) componentes: (1) os jovens têm interesses específicos, que não são representados no domínio político actual; (2) há um preconceito dos idosos em relação aos jovens na arena política; e (3) os baixos níveis de representação política dos jovens alimentam um círculo de alienação da(s) juventude(s).
[1] Percheron, A. (1989). Chapitre 9. Age, cycle de vie, génération, période et comportement électoral. In Daniel Gaxie (Ed.), Explication du vote: Un bilan des études électorales en France (pp. 228-262). Paris: Presses de Sciences Po.
[2] Muxel, A. (2011). Introduction / Qu'est-ce que l'âge en politique ? In Anne Muxel (Ed.), La politique au fil de l’âge (pp. 15-30). Paris: Presses de Sciences Po.
[3] Harris A., Wyn J. & Younes S. (2010). Beyond apathetic or activist youth: “Ordinary” young people and contemporary forms of participation. Young, 18, 9-32.
[4] Dalton, R. (2017). Age, Generations, and Participation – The Participation Gap: Social Status and Political Inequality. Oxford Academic.
[5] Stockemer, D. & Sundström, A. (2023), Age Inequalities in Political Representation: A Review Article, Government and Opposition, 1–18
[6] Lardeux, L. & Tiberj, V. (2021). Générations désenchantées? Jeunes et démocratie. Paris. Institut national de la jeunesse et de l’éducation populaire. Documentation Française.
[7] Cammaerts, B., et al. (2016). Participation of Youth in Elections: Beyond Youth Apathy. In: Youth Participation in Democratic Life. Palgrave Macmillan, London.
[8] Op cit. Cammaerts, B. et al. (2016).
[9] Juris, J. S. & Pleyers, G. H. (2009). Alter-activism: emerging cultures of participation among young global justice activists. Journal of Youth Studies. 12, 57–75.
[10] Idade actual ou anos a completar até ao dia 31 de Dezembro de 2023.
[11] Tsandzana, D. (2022). The political participation of youth in Mozambique’s 2019 general elections. Journal of African Elections, 21(1), 95-119.
[12] Stockemer, D. & Sundström, A. (2023). Age Inequalities in Political Representation: A Review Article. Government and Opposition, 1-18.
[13] Stockemer, D. & Sundström, A. (2022) Youth without Representation: The Absence of Young Adults in Parliaments, Cabinets, and Candidacies. Ann Arbor: University of Michigan Press.
[14] Ver Vincent Tiberj/The Conversation, Les jeunes et le politique: au-delà du vote, des formes d’engagement multiples, March 2022.
[15] Op cit. Stockemer, D. & Sundström, A. (2023).