Num cenário de protestos, a reacção das autoridades políticas, os seus determinantes e efeitos na actividade dos manifestantes a curto, médio ou longo prazo, estão no centro das preocupações no sub-campo da Sociologia das Mobilizações. Por exemplo, nos anos 70, Ted Gurr tinha chamado à atenção para a importância da variável repressão e a dificuldade de se pensar sobre ela em termos de análise política. Por sua vez, Charles Tilly, em From Mobilization to Revolution, salientou, também, que a repressão ou tolerância a que o grupo mobilizado está sujeito e as oportunidades ou ameaças a que está condicionado, actuam sobre a ‘estrutura dos custos e benefícios da mobilização’.
Desse ponto de vista, Tilly sublinha que, às vezes, a repressão, além de instigar a mobilização, pode impossibilitar a acção; porém, em qualquer caso, esta desempenha um papel determinante na estruturação dinâmica e relacional dos repertórios da acção colectiva. No caso de Moçambique, por exemplo, ainda se está por estudar, diante dos recentes actos, que efeitos sucederão: mobilização ou falta dela?
Aqui e agora, podemos avançar uma hipótese: não se está ainda em face de um verdadeiro movimento social clássico, cuja carteira de reivindicação é clara ou os efeitos de sua capacidade de colher adesão é, igualmente, expressa. Contudo, a construção de um repertório de acção colectiva não segue, necessariamente, os ditames do que se pode encontrar na vasta literatura relativa a este assunto.
A introdução acima surge em decorrência de, no passado dia 18 de Março [2023], termos estado no aglomerado que rodeava a Estátua Eduardo Mondlane, para participar na marcha alusiva à celebração da vida e dos ideais de Edson da Luz, Azagaia. Em poucos instantes, sem a nossa antecipada intenção para nos desviar daquele acto infortúnio, o gás lacrimogéneo havia tomado conta do local, não apenas daquele perímetro, mas de todos os cantos, inclusive por onde qualquer transeunte, manifestante ou não, ousasse percorrer.
Ora, a frase que dá título ao nosso comentário foi proferida por um agente de ordem pública, que vestia a sua farda da Polícia da República de Moçambique (PRM). Ele disse que ‘estava connosco’ – o povo –, mas, ao mesmo tempo, pediu que um dos manifestantes ao meu lado tirasse a camisete que ostentava a imagem e os dizeres sobre Azagaia. Irónico ou não, não temos dúvidas que isto pode revelar o nível de gravidade e sentido de repúdio que se vive na sociedade, não importando, necessariamente, a qualidade laboral ou social dos seus sujeitos.
Aliás, engane-se quem pense que os actos de barbaridade da acção das autoridades de defesa e segurança seja um mero acaso; é, pois, parte do ‘silêncio barulhento’ que, de uns anos à esta parte, tem assolado o quotidiano dos moçambicanos. Para nós, há, na fala daquele membro da PRM, um significado que deve preocupar quem governa o país, sobretudo porque quem reprime é parte da mesma sociedade que se encontra sob o jugo de um colectivo de políticos censurados pela sociedade.
Na verdade, não são apenas as palavras do membro da PRM que nos interessam, mas, sim, a voz não levantada de milhares de moçambicanos que sentem o mesmo que aquele agente da Lei e Ordem, mesmo diante do estado de repreensão em que vivemos. É extremamente perigoso, quando o medo se torna silêncio e as vozes ecoam em pequenos grupos. Para uma governação acertada, o benéfico é que se conheçam as possíveis razões da insatisfação, do que a produção do medo que se pode tornar pólvora contra quem teima em bloquear a acção popular não violenta.