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segunda-feira, 12 dezembro 2022 09:52

Catidza Maguirimussa

Escrito por

AlexandreChauqueNova

Desembarcamos por volta das 13 na ponte-cais de Inhambane, vindos de Linga-Linga, lugar paradisíaco para onde tenho ido nos últimos anos com alguma regularidade, depois de ter sido convidado pela primeira vez em 2019 por Peter Vurukudzu, um zimbabweano excêntrico capaz de arder à mínima faúlha. Hospedo – sempre que vou – em casa dele, localizada num outeiro, isolada das demais residências que não são tantas. É uma habitação ampla, coberta de colmo maciço com paredes de tijolo e, assim com este material, transmite para o seu interior um ambiente fresco e agradável.

 

É um privilégio estar na casa de Peter Vurukudzu, de onde se pode contemplar eternamente o Índico, é um regalo. Daqui ainda se ouve o esbater das ondas na areia da costa, e à noite, o hulular do mar é um afago para o corpo e a mente e a alma. Tenho saudades de voltar sempre, e Vurukudzu já me disse, venha quando quiseres, a casa é tua.

 

Como estava dizendo, desembarcamos por volta das 13 na ponte-cais de Inhambane, mas quem vinha conversando comigo ao longo da viagem é Catidza Maguirimussa, mulher de palavras austeras, livre de bater na minha mão em cada riso, como se já nos conhecessemos de outros caminhos. Estamos sentados lado a lado, enconstados um ao outro de tal modo que o roçagar das nossas roupas e um pouco dos nossos corpos, perturbavam-me e fiquei com a sensação de que ela também sentia-se mexida.

 

Era eu quem mais falava e Catidza ouvia-me com atenção. Fazia-me perguntas por vezes acentuadas  e eu respondia com hosnestidade, sem o receio de que não conheço esta mulher que se desabrocha para mim sem nenhum complexo de me tocar no corpo e bater a minha mão em cada riso. Preferi acreditar na sua sinceridade, no seu fascínio por mim, um homem que ela nem conhece.

 

Descemos e começou a chover, se calhar para gáudio de Catidza, que abriu o enorme guarda-chuvas cobrindo-nos aos dois, de tal modo que os nossos corpos vão continuar em contacto, num encosto agora mais assustador porque ela abraçou-me, tornando mais flexível a mobilidade, e naquelas condições perdi a capacidade de arvorar qualquer palavra, nem que fosse para dizer idiotices. Foi ela então que se adiantou, dizendo aquilo que tenho dito em muitos momentos: “adoro a chuva”!

 

Estamos quase no fim do tabuleiro da ponte, que na verdade é onde ela começa, as pontes começam de fora para dentro. Era necessário que dissesse alguma coisa, mesmo sabendo que o meu quoficiente de inteligência é sumário, então repeiti o que Catidza tinha dito : “eu também adoro a chuva”!

 

Chove chuva fininha sem molhar, mesmo assim, os nossos corpos que se unem em marcha desinteressada. Senti que já não éramos nós que íamos, éramos levados por força desconhecida. Fomos conduzidos sem resistir ou tentar fazê-lo,  à varanda da loja do Damodar Jethá “Jethá da esquina”, que seria afinal o ponto da nossa bifurcação.

 

- Muito obrigado pela companhia, Catidza, obrigado por me teres protegido da chuva.

 

Ela estendeu-me a mão e disse, leva-o para te lembrares de mim, um dia a gente se encontra por aí.

 

Peguei no guarda-chuva, abraçamo-nos profundamente e depois fiquei ali a assistir - depois de me deixar com o seu cartão de visitas - a mulher que descia como um anjo até perder-se no desvio da antiga Sapataria Bernardo. Chama-se Catidza Maguirimussa.

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