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terça-feira, 17 maio 2022 10:15

A última crónica

Escrito por

AlexandreChauqueNova

 

Esta pode ser das últimas crónicas que vou escrever, embora as próximas atapas que me esperam, possam ser - por antevisão - de grande sofrimento, uma vez que é o acto da escrita que dá sentido à minha existência. Não será uma opção voluntária, mas uma necessidade, até porque pode ser que eu esteja a extrair lama do meu poço já sem água. Então, não posso continuar a servir  lodo àqueles que me seguem, pois, para além de ser injusto e indigno, essa mesma lama depois volta contra mim, com o efeito de boomerang e despedaça-me a alma.

 

Tenho a sensação de que estou a escrever as mesmas coisas, como os grandes músicos que, depois de atingirem o cume, olham à volta e percebem que não há outra montanha para subir. Sendo assim, a única saída que encontram nesse beco, é voltarem ao sopé e cantar de novo os temas conhecidos e celebrados pelas multidões, talvez com outra roupagem, mas no fundo é uma repetição, e eu estou cansado de repetir-me.

 

Seja como for, ainda vou escrever algumas coisas antes de fechar,  que não terão  – obviamente – a mesma dose de sal das épocas em que o meu barco tinha sempre a vela enfunada, esse tempo não volta mais. Vou fazer isso antes de chegar ao limite de um carreiro incosequente, cheio de músicas e palavras desordenadas. Mas nessa via, com todas as incongruências, sentia-me feliz, como se a  tocha estivesse nas minhas mãos, espalhando lume no chão, lembrando Muhamad Aly nos jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996.

 

Sinto medo - na verdade – desse dia em que largarei os archotes, pois caminharei no escuro, sem a ovação que tenho recebido depois de cada texto escrito e burilado nas noites e madrugadas de insónias. Mas já não sou mais aplaudido, e isso significa que a água que vos tenho servido últimamente, é insipida, misturada com lama. Já não sou o cavalo que galopava por de cima dos obstáculos, o meu feno acabou. Nem força para o trote, tenho, nem para o passo. Por isso todas as minhas palavras sossobram em cada sílaba.

 

Mesmo assim, este ainda não é o meu fim, tenho vários obstáculos por saltar, como Edwin Moses – o maior atleta mundial dos 400 metros barreiras. Depois disso, pode ser que eu volte com outra água, límpida. Contudo, se não voltar, quero agradecer-vos a todos, pelos aplausos que tornaram a minha vida uma grande celebração.

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