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quinta-feira, 02 novembro 2023 07:13

Teodoro Andrade Waty em entrevista ao “Canal de Mocambique”: “Espero que o Conselho Constitucional honre a sua própria jurisprudência”.

Teodoro Andrade Waty, destacado político da Frelimo, que foi Presidente da Assembleia Municipal de Maputo, membro da Comissão Política do Partido e Presidente da Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e de Legalidade na Assembleia da República, sai e defesa da despartiarizaçāo da CNE para devolver integridade aos processos eleitorais em Moçambique.

Em entrevista ao semanário Canal de Moçambique (cujo texto reproduzimos com a devida vênia), Waty diz que esta CNE “está partidarizada até à medula e, por cada vez que, em cada legislatura, se dá uma pincelada, fica pior, aparecendo menos instrumento da paz, reconciliação nacional e de harmonia. A CNE tem um dna de parcialidade”.

 

Para Waty, “o ponto de partida seria tirar o monopólio dos partidos parlamentares para comporem os órgãos eleitorais. Há muitos modelos de administração eleitoral possíveis. As próprias leis não podem mudar em todas as legislaturas, a toque de caixa”.

 

Eis o texto integral:

 

 

Pergunta (P): As eleições autárquicas de 11 de Outubro foram as mais contestadas e com uma crise pós-eleitoral marcada por marchas e por violência. Está convencido que o seu partido ganhou nas 64 autarquias?

 

Resposta (R): Do relatório da CNE, no dia 26 de Outubro, no Centro de Conferências Joaquim Chissano escutei atentamente, ao lado de mandatários homólogos de outros Partidos. Não houve contestações. Que o período pós-eleitoral foi marcado por marchas é verdade. Mas isso é uma manifestação política que é privilegiada por todos os Partidos políticos, antes e durante as campanhas. As marchas convocadas pelos Partidos eram pacíficas. A violência que me reporta é fruto do descontrole de multidões, eventualmente iradas. Isso tudo só forçado e malevolamente pode ser considerado crise. Se estou convencido que o meu partido ganhou nas 64 autarquias? Que pergunta! Quem sou eu para dizer o contrário? A CNE outorgou a vitória à FRELIMO nas 64 autarquias. Não seria simplesmente patético um jogador brigar com o árbitro, no fim do jogo, porque o placard está a favor da sua equipe?

 

Não acha estranho que o partido Frelimo não esteja nas ruas a celebrar tão estrondosa vitória?

 

Pelos vistos, o seu jornal não acompanha as actividades da FRELIMO. A FRELIMO realizou marchas em todo o País e, seguramente, mais fará quando as 64 forem publicamente conclamadas pelo Conselho Constitucional, o órgão excelente para a validação dos resultados.

 

Algumas figuras com algum bom senso na Frelimo vieram a público em meias palavras contestar esses resultados. O que isso significa?

 

Há pessoas que não se contentam com tanto, talvez, estejam habituadas aos 100% que é a nossa grande marca, nos últimos tempos.

 

Não. O Samora Machel Jr e Teodato Hunguana acham que...

 

Se fala desses meus camaradas, sim.  Há outros que, como eles, acham que foram cometidas irregularidades que não são próprias dum partido como a FRELIMO. Têm razão de estarem feridos. Quem não estaria?  É um direito que lhes assiste, como moçambicanos, de exprimirem o seu pensamento.

 

Teodato Hunguana fala de uma crise pós eleitoral referindo que a sua complexidade e os seus perigos não se compadecem com atitudes de surdez e cegueira, obstinação e arrogância. Que atitude institucional devia ser tomada agora, em nome da paz e da verdade?  

 

Não tenho a certeza de que deva haver medidas em nome da paz e da verdade. Entendo que, se de fora se classifica o Partido como de surdos, cegos e arrogantes, deve sarar-se dessas maleitas. Um partido do Povo não pode aceitar ser visto como carregando essas patologias. O partido sabe como e onde fazer introspecção, pelos vistos, urgentemente; temos múltiplos e complexos desafios pela frente.

 

Os partidos políticos submeteram suas reclamações junto aos Tribunais e alguns lugares tiveram provimento e os resultados foram anulados. Sucede que o CC veio anular essas decisões. Qual seria então o papel dos tribunais de primeira instância no contencioso eleitoral?

 

Vamos dissecar a pergunta.  Sim. Muitos partidos políticos, incluindo a FRELIMO, submeteram recursos nos Tribunais. A bem da verdade, também submeteram recursos aos órgãos da administração eleitoral.  Não conheço todos os lugares em que essas lides foram impetradas. Dos poucos que conheço de uma leitura fortuita em alguns grupos de whatsapp, há decisões que dão provimento à causa de pedir e noutros não. A minha amostragem é diminuta, mas deu para notar que o Conselho Constitucional não foi no sentido de ignorar os factos julgados pelo Juiz a quo, o Tribunal distrital, de primeira instância. Não se assaca das decisões do Conselho Constitucional uma anulação das decisões de primeira instância; sendo verdade, isso sim, que nega provimento a uma série de recursos. Espero que o Conselho Constitucional honre a sua própria jurisprudência e siga a lógica dos Acórdãos dos últimos dias. Quando me pergunta qual é o papel dos tribunais de primeira instância no contencioso eleitoral a resposta mais clara é: Exactamente o que está na lei. o Tribunal conheceu e julgou as irregularidades no decurso da votação e no apuramento parcial, distrital ou de cidade, em recurso contencioso. Os mesmos Tribunais Distritais, das poucas sentenças a que tive acesso, julgaram e decidiram sobre vários ilícitos eleitorais, alguns de natureza criminal.  Do meu modesto entendimento, estas decisões, bem, não foram anuladas.

 

Quem lê os acórdãos do CC percebe um excesso de legalismo que parece propositado para não discutir a questão de fundo que é fraude eleitoral comprovada. Como vê esses acórdãos em que nenhum deles fez justiça atacando e censurando a fraude?

 

Como disse, não estou em condições de me pronunciar senão em relação a uns poucos que li, mas não os estudei com profundidade.  Dos que li, não vi legalismos excessivos. Valha-me, Deus, se até o Conselho Constitucional se guiasse por outras bússolas, senão os da lei! Por mim, gostaria de me ter lambuzado com os Acórdãos com boa gordura de lei. Eles não foram ali colocados para produzir Acórdãos sem relativa vetustez.

 

Tem esperança de que o CC venha a assumir as suas responsabilidades de salvar o País e as instituições da actual tragédia latente?

 

Claramente. E veja que não é porque a esperança é a última que morre...

 

Os Juízes Conselheiros do Conselho Constitucional, a Presidente inclusa,  não são  responsabilizados pelas suas decisões, nos termos da lei Orgânica.  Qual seria o interesse de não julgar bem, em consciência própria e conforme a Constituição e as leis? Mesmo que essa sua percepção de ser preciso salvar o País ou as instituições da actual tragédia latente fosse generalizada, a responsabilidade de resolver esse problema não cabe ao Conselho Constitucional.  Aos Juizes Conselheiros do Conselho Constitucional cabe usar boas lupas, compreender os factos e, usando o bom Direito, única matéria prima que lhes é autorizada, decidir, e decidir conforme as leis.

 

O Canal de Moçambique teve acesso a uma acta do julgamento realizado pelo tribunal de Distrito municipal KaMubukawana. Na acta ficou provada fraude cometida pela FRELIMO. Como membro da Frelimo como se sente ao ler numa sentença judicial que o seu partido falsificou editais?

 

Pela sua natureza, a FRELIMO, por si, não pode cometer fraudes. Alguém para a prejudicar ou favorecer pode ter cometido fraudes. As autoridades são obrigadas a descobrir, com urgência, quem para ser submetido ao peso da lei. Se for um membro da FRELIMO, deve sofrer as sanções compatíveis ao grave dano causado, ao Partido, à democracia e à sociedade. Como membro tenho o direito de clamar pela responsabilização dos prevaricadores, sejam eles quem forem, incluindo os autores morais.

 

O que o partido Frelimo devia fazer perante tão grotescas contestações, em que se pretende normalizar um comportamento criminoso?

 

Não percebi quando fala de se pretender normalizar um comportamento criminoso. Já disse que a FRELIMO não pactua com esses comportamentos e nós, como membros não podemos conviver com concidadãos dessa índole, pois, para além de não serem éticos, são criminosos.   

 

Perante essas evidências todas de fraude, em sentenças judiciais, a CNE veio declarar a seguir que todos os resultados fraudulentos são válidos. O que isso significa?

 

Não sei. O que pode significar? Tão somente que o que uns, como o senhor, identificam como evidências de fraude, os ilustres da Comissários da CNE assim não terão visto. Aliás, da Acta de Centralização ficou-se com três alas: uns que sustentavam que não houve fraudes que comprometessem as eleições; outra, a daqueles que as houve às catadupas; e uma terceira ala, a daqueles não sabem posicionar.  

 

Este processo eleitoral é um teste ao DDR que logo pela primeira vez demonstrou-se que não estamos preparados para uma convivência com base nas Leis e na democracia. Como fica o processo de reconciliação?

 

A reconciliação deve ser um trabalho quotidiano. Ao aprovar uma lei eleitoral como esta já foi um teste à reconciliação. Depois das primeiras Eleições Gerais multipartidárias, em minha opinião dever-se-ia ter inventado inteligência e serenidade suficientes para produzir uma lei eleitoral apartidária. Esta está partidarizada até à medula e, por cada vez que, em cada legislatura, se dá uma pincelada, fica pior, aparecendo menos instrumento da paz, reconciliação nacional e de harmonia. A CNE tem um dna de parcialidade.

 

Tem fé que o Conselho Constitucional assuma as suas responsabilidades para a pacificação do País?

 

Claro que não posso ter fé, por acreditar que não cabe ao Conselho Constitucional assumir a pacificação do País. Já disse, e se quiser repito: Os moçambicanos ficarão orgulhosos dos seus compatriotas Juízes Conselheiros se julgarem conforme a lei e pela sua consciência que nunca será antipatriota. Não ponhamos nos ombros deles pesos a que não foram treinados.  

 

O Chefe de Estado é a luz da constituição o garante do funcionamento correcto das instituições. O seu silêncio perante o caos propositado em que o País está mergulhado não lhe preocupa?

 

Não posso imaginar que o Chefe do Estado não esteja o observar o que acontece e não esteja informado. O silêncio é de ouro, quando a palavra é de prata.

 

Pela primeira vez na história da nossa democracia os partidos políticos estavam organizados de maneira que conseguiram submeter os processos tempestivamente e os ganharam em primeira instância. Mas depois são anulados a favorecido o prevaricador. O que resta para quem ainda acreditava na força das leis e da democracia?

 

Meu caro, não desespere! Imaginemos que a Nação venha a entender que o Conselho Constitucional não julgou conforme a lei (único aspecto objectivo), como se está numa democracia, provarás, sem temores que decidiram mal. Democracia implica conviver com o diverso, incluindo decisões que não agradam, mas necessárias para o reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual para a promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz, os objectivos fundamentais da República de Moçambique.

 

Os resultados falsificados pelo STAE foram a votação na CNE e o partido beneficiado pela falsificação votou com maioria por esses resultados, sendo que o próprio presidente da CNE absteve-se de votar. Não acha que o nosso sistema eleitoral está montado para facilitar a fraude?

 

Estar-se-ia a admitir algum sadismo do legislador se o sistema tivesse sido montado pensando na facilitação da fraude. Não acredito. O que posso dizer é que se o sistema eleitoral pode ser viciado por actos de pessoas pouco inteligentes, já devia ter sido revisto, para a tranquilidade colectiva. Sempre defendi que a CNE deve ser um órgão do Estado independente e imparcial. Como pode ser imparcial sendo constituído por cidadãos que representam apenas alguns partidos?  

 

Que sinal quis transmitir o Presidente da CNE ao abster-se de votar?

 

Ele votou, abstendo-se. Quanto ao sinal? Simples: não estava confortável em acompanhar nenhum dos lados.

 

Como é que ficamos se até o próprio Presidente da CNE não está confortável com os resultados? Isso em si não indica que alguma coisa não está bem?

 

Não entendi a ratio, nem o efeito do sentido de voto. De todo o modo sinalizou para um desconforto, se compreensível para qualquer pessoa, mais para um prelado.

 

O que pensa da composição da CNE?

 

Como já me manifestei publicamente, posso reafirmar: 31 anos depois, este sistema não funciona. Na Assembleia correu, em algum momento, um Código do Processo Eleitoral que despartidarizava todo o processo, incluindo os órgãos da administração eleitoral.  

 

Que soluções propõe a par da despartidarização dos órgãos eleitorais? Como que critérios seriam indicados os gestores eleitorais?

 

Seria veleidade da minha parte apresentar uma proposta definitiva, pois precisa de um amplo consenso, fora dos corredores do Parlamento. Não tenho legitimidade. O ponto de partida seria tirar o monopólio dos partidos parlamentares para comporem os órgãos eleitorais. Há muitos modelos de administração eleitoral possíveis. As próprias leis não podem mudar em todas as legislaturas, a toque de caixa. Este assunto deve ser não em dia, nem em meses.

 

Que tipo de democracia e estado de direito se pensa em construir com esses actos todos que testemunhamos nestas eleições?

 

Não é necessário pensar noutro Estado de Direito, conquanto não se perverta, de nenhum modo, o que está desenhado na Constituição.   

 

O Dr. Teodato escreveu na semana passada um longo texto no qual levanta uma questão que tem que ver com uma abordagem que as instituições ligadas ao processo (CNE, STAE e CC) não estão a ter no ajuizamento dos diferendos. A moralidade e ética nesse processo. Acha que a moralidade foi colocada de lado?

 

Não é uma questão de moralidade. Acha que seria moral, alguém indicado por um partido para defendê-lo furtar-se a esse dever? Como dizia, as leis dos órgãos da administração eleitoral devem ser profundamente revistas, à luz da nova realidade do País.

 

No mesmo texto e a propósito, o Dr. Teodato Hunguana refere que é necessário garantir que prevaleça a vontade do povo expressa nas urnas e não qualquer outra coisa fruto de manipulação ou de decisões tomadas por quem se refugie nos becos e impasses legalistas criados para impedir ou dificultar o caminho da verdade. O que acha dessa colocação do Dr. Teodato?

 

Concordo com ele. Pena é que se o sistema eleitoral continuar o mesmo, pouco será feito para resolver a preocupação do Dr. Teodato que, afinal, é do País. Vale a pena reter os seus questionamentos pois esteve nas negociações do Acordo de Roma, foi Deputado e Juiz Conselheiro do Conselho Constitucional; ele sabe do que está a falar.

 

Acha que o partido Frelimo foi assaltado por gente que quer o poder a todo o custo, nem que isso implique o caos?

 

Nos órgãos a que pertenço, nunca se falou de assaltantes. Passarei a estar atento. Ainda não há caos.  Mesmo que se descubra que há assaltantes, há capacidade de nos livrar-nos deles. Na semana passada em texto de opinião, neste jornal, passei uma frase do presidente Samora que deve ecoar nos nosso ouvidos e prática:   “O Povo tem a tarefa de participação nesta purificação; o Povo, mais uma vez, será o filtrador (...); o  povo deve denunciar os infiltrados, apontar os indisciplinados, desmarcar os incompetentes, atacar os arrogantes, desalojar aqueles malfeitores (...) a acção do inimigo, [o] inimigo infiltrado no Aparelho do Estado, nos pontos estratégicos,  nos  centros nevrálgicos é uma acção com objectivos precisos: pretende  levar o povo ao descontentamento generalizado contra os seu próprio poder (...) Vamos  varrer a nossa casa, vamos passar a vassoura por todos os cantos da casa (...)”.

 

Que transição houve entre a Frelimo que perdeu as eleições em vários municípios e aceitou as escolhas do povo e o actual Frelimo que não tolera as escolhas do povo?

 

Que transição da FRELIMO para a FRELIMO, nenhuma. A FRELIMO foi às eleições. A CNE disse que as escolhas do Povo lhe dão vantagem. Se outras escolhas do Povo diferentes forem declaradas, a FRELIMO, partido do Povo, cumprirá o que, em nome da Lei, deve fazer legalmente.

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