A 1 de abril, a Johnnie Walker juntou três mulheres com histórias de vida e percursos diferentes para partilharem suas vidas e falarem das existentes (con)tradições na busca pela liberdade, pela igualdade de género, o empreendedorismo e todas as dicotomias ao género inerentes. Taússy Daniel, Wacy Zacarias e Jeckcy – e acompanhadas, nas misturas musicais, pela DJ Filipa Mondlane – inspiraram mulheres de todas as idades, procurando igualmente descortinar o sentido de “lugar” desta na sociedade versus o de direito, de liberdade, da conquista e da concretização.
No Restaurante Botânica, onde o glamour condizia com a tónica do momento, liberdade e empoderamento feminino, organizado para celebrar o Mês Internacional da Mulher e o Dia da Mulher Moçambicana, a Johnnie Walker quebrou, igualmente, outras (con)tradições: “o Whisky não foi feito só para homens. Já não faz nenhum sentido isso. Hoje em dia, nós decidimos ter outro conceito desta regra. Nós, mulheres, também conseguimos confraternizar com um bom whisky”, defendeu Jeckcy.
A empreendedora, directora criativa e cantora moçambicana, abriu o brunch de networking falando de si e das dificuldades que enfrentou no mercado de trabalho, após a conclusão de licenciatura. “Muitas vezes quando se fala de empreendedorismo, muitos olham para expressão como clichê e não procuram perceber o verdadeiro propósito do empreendedorismo”, explicou Jecky para quem “para tirar toda a revolta, a mágoa que carregava comigo por não ter emprego, fui para o empreendedorismo. É lá [aqui] onde encontrei o meu propósito. Mesmo tendo começado de baixo”.
Aos 30 anos de idade, a empresária emprega actualmente 35 pessoas, das quais 90 por cento são mulheres. E as razões da preferência por outras mulheres são, pelo menos, justas: “quando falo de empreendedorismo feminino, do empoderamento, olho sempre para a minha vida. Depois que me tornei mãe, comecei a perceber muito mais as mulheres. O que consigo viver hoje, a tranquilidade, a paz de espírito e o facto de estar a trabalhar numa coisa que eu gosto, faz com que eu perceba que mais mulheres precisam de ter a mesma paz que eu tenho. Não que os homens não precisem e que sejam menos importantes. Mas, numa sociedade machista como a nossa, levantar outra mulher não tem preço”.
Esta visão, segundo disse, deve fazer parte de todas. Ou seja, em 2023, “quero que mais mulheres não tenham medo. Se 10 mulheres, de um bairro, decidem não terem medo, decidem que devem começar a empreender, com certeza que vão precisar de mais 10 ou 20 para auxiliarem na projecção desse sonho. Temos que começar a pensar em criar oportunidades entre nós mesmas”, afirmou.
Entre desafios, projecções e sucessos, Jeckcy não se esquece da equação do sucesso. Persistência, dedicação, organização, estudo – a cima de qualquer coisa – pesquisa e troca de experiências são, para ela, ferramentas que valem a pena ter na bagagem. Reiterou ainda a necessidade de as mulheres começarem a caminharem longe da vergonha. “Não é vergonhoso ser empreendedor. A gente tem vergonha., a gente não se aceita. A gente quer ser para mostrar. Portanto, não vim aqui para mostrar ser alguma coisa, mas inspirar para que caminhemos juntos”, concluiu.
Más experiências com modistas ditaram a revalidação de um sonho
Do imaginário ao real é como se define a trajectória de Taússy Daniel, estilista moçambicana. É formada em Arquitectura Urbanista, área que lhe transfere o imaginário para a realidade. Desenha desde os 13 anos, retratos, desenhos de casas e vestidos, uma simbiose há muito desconhecida. Tarde, descobriu que era apaixonada pelas duas áreas, arquitectura e moda, facto que a condicionou a ter que fazer uma escolha. Hoje, dedica-se à moda. Mas como, então, a artista materializa as linhas arquitectónicas nas suas peças?
“É a partir do conceito. Para criar é preciso que se tenha um conceito, tanto na arquitectura, como na moda. É a partir do conceito que tudo surge e se materializa. A arquitectura, por exemplo, é a arte do belo e do útil. Então, uso o mesmo raciocínio nas minhas colecções. Todas as minhas colecções têm uma história. Seja de mulheres, de sofrimento, de lutas, de guerra. Não mudei, continuo a mesma idealista. Agora, em vez de vestir prédios, visto pessoas”, explicou a artista.
Actualmente, Taússy Daniel ocupa algum lugar nas lides da moda moçambicana. Mas, segundo contou, deve-se à sua persistência e trabalho abnegados. Após decidir seguir a carreira como estilista, aos 18 anos, inscreveu-se no Mozambique Fashion Week, onde se destacou pela criatividade e ganhou o prémio de melhor “Young Designer”. “Foi o concretizar de um sonho. Tive que começar a pensar na moda de forma muito séria. Tudo aconteceu porque, por causa de más experiências com modistas – que não faziam exactamente o que eu lhes pedia para as minhas roupas – fiz um curso de corte e costura para coser pessoalmente”.
A ousadia, tida, na altura como rebeldia, fez com que Taússy investisse mais o seu tempo em técnicas de corte e costura, às vezes escondida do seu pai. No mesmo ano do prémio, isto em 2009, teve que conciliar o trabalho com os estudos, tendo várias vezes dormido muito tarde e alimentando-se mal. Em 2011, dois anos após a primeira experiência, voltou a concorrer e a ganhar o melhor do “Young Designer” Mozambique Fashion Week.
Aos 32 anos, hoje Taússy colecciona histórias e desafios da vida; viagens e prémios, dentro e fora de Moçambique. Participou de apresentações na Itália, África do Sul, EUA, Angola entre outros. Recentemente, esteve New York Fashion Week, a maior plataforma de moda do Mundo, em representação de Moçambique e da África. Para as mulheres, Taússy inspira a sonhar e a quebrar a “síndrome da pequenez” que se carateriza em muitas em fases de experimentação profissional.
A moda africana não é só a capulana
Quando se fala da moda africana e/ou moçambicana, não raras vezes, associámo-la à capulana. É o que muitos pensam, embora seja de todo desagrado para Wacy Zacarias. É designer de Moda Sustentável de formação e actualmente opera no ramo de acessórios. A sua história não difere da de Taússy: afirmou-se como estilista no Mozambique Fashion Week, primeiro em 2009 e, depois, em 2010, ano em que ganhou o prémio de melhor “Young Designer”.
Falar de Wacy é ter em mente um currículo de uma mulher cujas dificuldades o catapultam para o sucesso. É poliglota, formada, antes, em Psicologia e Desenvolvimento Humano e tem uma forma diferente de ver o mundo e avaliar as oportunidades para as mulheres. Muitos chamariam de contradições, mas ela insiste em chamar de liberdade criativa. E problematiza: “há uma tendência de se estampar a capulana à moda africana ou moçambicana. Isso me irrita profundamente, porque mostramos que não somos nada além da capulana e limita a nossa criatividade”.
Outro problema que inquieta a estilista tem de ver com a dominação da indústria (sobretudo feminina) por homens. Para ela, mesmo que admita os desafios que se colocam para as mulheres no mercado, não faz sentido que uma capulana (para mulheres) seja desenhada por homens. “O que entendem os homens sobre saltos, sobre os pensos higiénicos? Talvez seja por isso que são tão desconfortáveis”, terminou em risos Wacy para quem “o desafio para as mulheres devia ser esse: olhar para os produtos, a nível macro e estarmos dentro das indústrias nesse sentido. Eu fiquei muito zangado quando descobri que a maioria dos pensos são feitos por homens”.
Autor: Reinaldo Luís / Jornalista e Editor de Cultura