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quinta-feira, 11 fevereiro 2021 05:37

Carta do Leitor: A solidariedade de António Prista para com os trabalhadores das barracas

Existem em Moçambique milhares de pessoas cuja actividade é a distribuição de produtos de consumo. São simples cidadãos que, como todos os outros, se dedicam à venda de um artigos que a população consome. É assim há milhares de anos e se o é, é porque precisamos. Esses cidadãos fazem um trabalho indispensável como aliás quase todos fazemos, cada um no seu ramo. Os vendedores das “Barracas” estão neste grupo. São, como todos nós, simples cidadãos procurando ganhar o pão que alimenta suas famílias incluindo os donos e empregados. 

 

As pessoas, no seu ímpeto natural e humano de socialização, gostam de sentar e conviver tomando uma cerveja bem gelada ou outra bebida se seu gosto e possibilidade. Que mal há nisso? Nenhum. De uma forma ou outra todo o mundo gosta de sentar à volta de uma mesa com seus amigos e jogar conversa fora, comendo e bebendo. Pobres, ricos, classe média, todos o fazem. Então que mal tem um cidadão que fornece esse serviço? O cidadão não está a roubar nem a violar nenhuma regra social. Está apenas a ganhar a sua vida. 

 

A necessidade de controlar a actual pandemia levou a que as denominadas “barracas” de bebidas alcoólicas fossem encerradas. O motivo, do ponto de vista da prevenção, prende se pelo facto de muitas dessas barracas serem local deaglomeração e, no caso, um local onde, por efeito da bebida,as regras necessárias vão se deixando de cumprir tornando a contaminação mais rápida. Diminuir essa possibilidade tornou se uma necessidade de saúde publica. Certo. Mas daí a tornar as barracas um local satânico vai uma distância sem limite. 

 

Assiste se na imprensa e redes sociais a uma estigmatização das barracas como se tratasse de um local criado para espelhar a desgraça. Assim como na religião se fala do diabo e locais satânicos. E dai até ao desrespeito por esses cidadãos que estão sem o seu ganha-pão foi um pequeno passo. Ao invés de solidariedade por quem está em dificuldade, espalha-se o ódio que em momentos de medo e pânico se dissemina muitofacilmente. 

 

Por estes dias alguém apelidava os vendedores de bebidas de desonestos porque tentaram passar o título de barracas para “Bottle stores”. Eu não sei onde uma loja que vende bebidas deixa de ser “Barraca” para ser “Bottle store”, mas acredito que haja uma definição legal. Porque Bottle stores, mercearias e supermercados vendem bebidas e estão autorizados. O que não podem é vender para consumo no local. E os restaurantes não podem vender para fora. Então porque ao invés de se chamar nomes a quem quer apenas ganhar a sua vida não deixamos que vendam para fora? Me disseram que é porque o povo não sabe beber. Fica difícil entender este conceito de povo.  E se há um motivo legal não é hora de, depois de décadas a deixar que isso acontecesse, se decida evocar a lei. O momento é de grandes dificuldades, exige criatividade para não criar mais problemas ainda. 

 

Julgo que a intenção de se controlar aglomerados é mais que justa e indispensável no contexto actual. Mas não se pode combater uma epidemia exclusivamente com proibições. Há que procurar os antídotos para os efeitos que as regras que se julgam necessárias  criam. Sem pânico e com respeito por todos os cidadãos. Não se pode estigmatizar  uma actividade de forma sectária. Pode até haver desonestos no seio dos proprietários das barracas mas não se pode apelidar essa classe de “trambiqueira”. Afinal há gente desonesta em todas as actividades mas há muitos mais que não o são. Como dizia o Mia Couto por cada Moçambicano que é desonesto há milhares que não o são. 

 

No nosso país, como a maioria dos países “pobres”, a economia informal ocupa um lugar importante na economia local, quer para os que vendem quer para os que compram. São um enorme contingente de pessoas impossibilitadas de participar no sistema formal cujas regras e imposições os impedem de aí poderem entrar. Cabe ao Estado, dada a importância vital desse mercado para a grande maioria da população em estado de pobreza absoluta, desenvolver um esforço de facilitar e enquadrar essas actividades para que se integrem no sector formal para bem dos seus actores e o bem comum em geral. Proibir essas actividades e agir de forma repressiva sobre esses actores só contribui para a sua estigmatização condenando-os a uma marginalização permanente, tornando impossível seu enquadramento. A venda de bebidas pelas barracas em forma de "bottle store" revela a característica inovativa desse sector que deve ser acarinhada e enquadrada na medida do possível.  Em todo o mundo se assiste a medidas inovativas do sector empresarial para resistir à crise: restaurantes que viram "take ways" ou "food delivery",  lojas que se viram a vender em linha, ginásios que passam a dar sessões de treino de forma diferente, consultas médicas “on line” ou condicionados ao tipo de casos e por ai fora. Formas inovativas que minimizam as necessidades da população e ajudam o sector empresarial, tão importante para nossas economias, a sobreviverem nestes tempos tão difíceis e cruéis como esta epidemia.

 

O consumo de bebidas alcoólicas não é por si um problema. O problema, no contexto actual, são as aglomerações e os excessos. Se deixarmos as “Barracas” virarem Bottle storesnão provocamos aglomerações e reduzimos o impacto económico das medidas de contenção da epidemia. Ou então proíbe-se a produção e importação de bebidas, para todos, o que eu considero totalmente desaconselhável. 

 

Em jeito de fecho relembro os resultados das “leis secas” pelo mundo fora. Basta ver qualquer filme sobre a “gansterização”nos tempos do Al Capone .

 

Sejamos solidários com todos nós. Sejamos solidários também com os vendedores das “Barracas”.(Antonio Prista)

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