O Fórum de Monitoria e Orçamento (FMO), uma congregação de dezenas de organizações da sociedade civil, defendeu esta quarta-feira (15) que o Plano Económico e Social (PES), bem como o Orçamento de Estado (OE), ambos para 2020 e em debate na Assembleia da República (AR), não devem ser aprovados pelos deputados antes de serem revistos pelo Governo.
Falando em conferência de imprensa, o Director do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, que preside o FMO, explicou que a reprovação dos dois instrumentos se deve ao facto de não reconhecerem a gravidade dos efeitos da crise provocada pela Covid-19 para o futuro dos moçambicanos. Acrescentou que foram elaborados sem a devida consulta à sociedade civil.
“Este Orçamento dá ideia de que, em Moçambique, não há Covid-19. Na generalidade, é igual aos orçamentos dos anos anteriores. Não é um Orçamento que reflecte o actual momento de incerteza da nossa população sobre o que vai ser no futuro. Dá ideia de que Moçambique está à parte daquilo que se passa no mundo inteiro”, afirmou Nuvunga.
De um modo geral, o presidente do FMO anotou que o OE que o Governo propôs é despesista, alegadamente porque grande parte da fatia destina-se ao financiamento dos órgãos de soberania, com destaque para a AR.
“O orçamento do parlamento é avultadíssimo, num contexto em que, globalmente, os parlamentos estão a reduzir as suas actividades, encontrando formas de trabalho online. Pior, no nosso caso, os parlamentares querem aprovar dispositivos que beneficiam a eles mesmos”, criticou a fonte.
Durante a conferência de imprensa, a Directora Executiva do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), Paula Monjane, também defendeu a reprovação e revisão do OE e do PES. Em representação do CESC, que integra o FMO, Monjane reafirmou que os documentos não mostram como o Executivo pretende mitigar os efeitos provocados pela Covid-19.
“Esperávamos que o OE e PES deste ano trouxessem, por um lado, uma perspectiva de contenção da despesa e, por outro, um maior investimento naquelas áreas que vão fazer face à Covid-19. Por exemplo, as despesas de funcionamento continuam altas. Ou seja, subiram em 3.1% se comparadas a 2019”, apontou a fonte.
Num outro desenvolvimento, a Directora Executiva do CESC apontou a questão do crescente montante da dívida por pagar a cada ano. Conforme explicou, a Proposta da Lei do OE de 2020 demonstra uma subida dos encargos da dívida em 3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
“Outro aspecto que constatamos está no contínuo crescimento de áreas não cruciais em detrimento de áreas sociais. Estamos a falar da Presidência da República, Ministério da Defesa. Embora percebamos que estamos no contexto de guerra, seria importante ver como essas áreas estão balanceadas a um contexto em que os sectores sociais precisam de um reforço muito maior”, acrescentou a Directora do CESC.
Em representação do Fundo de Desenvolvimento Comunitário (FDC), que também integra o FMO, Oliveira Muscar reprovou os documentos, principalmente o OE, por orientar grande parte do valor para o financiamento das actividades do Governo a nível central e não distrital num ano em que o Estado pretende alargar a descentralização.
“Para além da Covid-19, há a questão da descentralização em curso e prestes a ser materializada. Era suposto que grande parte dos recursos fosse para os níveis mais operativos e mais próximos dos cidadãos, em províncias e distritos. Todavia, se olharmos para o OE de 2020, notaremos que cerca de 57% vai para o nível central e os restantes 43% reservam-se aos governos provinciais. A questão que se coloca é se estamos a ser sérios em relação àquilo que estamos a apregoar que é a decentralização de recursos, de forma que possam estar mais próximos do cidadão?”, interrogou Muscar.
Outrossim, o representante do FDC criticou a falta de acções no PES focadas ao desenvolvimento do capital humano, particularmente relacionadas com a segurança alimentar, um dos problemas que afecta grandemente o país e que, entretanto, está reflectido no Plano Quinquenal do Governo (PQG), recentemente aprovado.
Muscar criticou ainda o PES e o OE por não mostrarem acções que possam ajudar as pessoas que, devido aos efeitos da Covid-19, irão perder os seus empregos, facto que piora a visão pouco realista do governo de criação de 3 milhões de empregos até 2024.
Por seu turno, o Director do Observatório Cidadão para Saúde, Jorge Matine, critica no OE a diminuição do investimento real ao sector da saúde em quase 11% e na protecção social em 14% em relação a 2019. “E o facto de o sector da saúde perder em termos reais 11%, em comparação ao ano anterior, é uma chamada de atenção bastante forte sobre o compromisso do Governo em relação a esse sector. Isto acontece num ano em que experiências de outros países demonstram que, sem um investimento sério no sector da saúde, é muito difícil ter uma resposta real, em relação à Covid-19”, afirmou.
Para cúmulo, destacou Matine, a redução de fundos ao sector da saúde não é justificada no OE. Além disso, o activista observou também não haver explicações da queda dos 14% na área de protecção social. “Enquanto isto, as despesas de funcionamento subiram em 14% que não estão bem justificados”, criticou Matine.
Perante essas constatações, o Presidente do FMO, Adriano Nuvunga, concluiu afirmando: “este OE e PES não reflectem as actuais necessidades da população moçambicana. Portanto, esses documentos devem ser devolvidos e corrigidos pelo Governo”.
Refira-se que, de acordo com a Proposta da Lei Orçamental de 2020, a despesa pública é avaliada em 345.3 mil milhões de Meticais, dos quais 228.3 mil milhões de Meticais destinam-se às despesas de funcionamento, 70.9 mil milhões de Meticais às despesas de investimento e 46 mil milhões de Meticais às operações financeiras. O OE deste ano conta com um défice em 109.7 mil milhões de Meticais, valor que equivale quase 11% do PIB. (Evaristo Chilingue)