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quarta-feira, 05 junho 2019 05:53

Credores dizem que decisão do Conselho Constitucional não se aplica à dívida soberana

O representante legal dos credores da dívida soberana de Moçambique defendeu hoje à Lusa que a decisão do Conselho Constitucional (CC) não se aplica à dívida atual, mas sim à emissão obrigacionista feita pela empresa EMATUM.

 

"A decisão incide sobre a garantia do Governo ao financiamento da EMATUM. Essa garantia foi extinta em abril de 2016 e não envolve qualquer parte dos 'eurobond' [títulos de dívida soberana emitidos em moeda estrangeira]", disse Thomas Laryea.

 

O representante legal do grupo de detentores de mais de 60% da dívida de 726,5 milhões de dólares, emitida em 2016, quando o Governo reconverteu as obrigações da Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) em dívida soberana através de uma emissão no mercado internacional, afirmou ainda que esta é uma nova obrigação.

 

"Os 'eurobond' constituem uma obrigação legal nova do Governo moçambicano, que é um devedor diferente da EMATUM, e com credores substancialmente diferentes", vincou.

 

Esta dívida "foi publicamente aprovada pelo parlamento moçambicano, de acordo com a Constituição de Moçambique e dentro dos limites da Lei do Orçamento", acrescentou.

 

Em reação à decisão do Conselho Constitucional de Moçambique, que declarou nulo o empréstimo e as garantias soberanas conferidas pelo Estado à EMATUM, Thomas Laryea argumentou que a dívida soberana "foi emitida nos mercados públicos, sustentada em documentação aprovada legalmente e de acordo com a lei britânica".

 

Por isso, concluiu: "Dado que o tribunal de Moçambique não tem jurisdição sobre os 'eurobond', esperamos que a reestruturação dos 'eurobond' prossiga como acordado".

 

A emissão de dívida soberana de Moçambique, feita em 2016, resulta de um acordo com os credores dos títulos obrigacionistas da EMATUM, no valor inicial de 850 milhões de dólares (755 milhões de euros), que tinham sido lançados em 2013 pela empresa de pesca de atum, com garantias estatais.

 

Em 2016, Moçambique propôs aos credores a troca desses títulos obrigacionistas, cujo devedor era a EMATUM, por uma emissão de dívida soberana no valor de 726,5 milhões de dólares (646 milhões de euros), cujo primeiro pagamento era devido em janeiro de 2017, mas que nunca foi pago, consumando a chamada “crise da dívida oculta”.

 

O Conselho Constitucional de Moçambique declarou nulo o empréstimo e as garantias soberanas conferidas pelo Estado no valor de 726,5 milhões de dólares (646,7 milhões de euros) à empresa estatal EMATUM.

 

Num acórdão hoje divulgado, no seguimento do processo aberto pelo Fórum de Monitoria do Orçamento, plataforma das organizações da sociedade civil com dois mil subscritores, os juízes declaram "a nulidade dos atos inerentes ao empréstimo contraído pela EMATUM e a respetiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as consequências legais".

 

Os requerentes solicitaram em julho de 2017 a declaração de inconstitucionalidade do empréstimo da EMATUM, empresa pública que beneficiou das dívidas ocultas do Estado moçambicano, um dossiê alvo de investigações judiciais nos Estados Unidos da América e Moçambique por corrupção.

 

A decisão surge quatro dias depois de o Governo anunciar uma renegociação para começar a pagar aos credores.

 

A EMATUM contraiu em 2013 um empréstimo de 850 milhões de dólares através da emissão de títulos ('eurobonds') junto do banco Credit Suisse para importação de embarcações, equipamentos de pesca e para proteção costeira, sem que tivesse autorização no Orçamento de Estado (OE).

 

O OE de 2013 é omisso quanto ao assunto, assim como a Conta Geral do Estado (CGE) de 2013, surgindo os avales na CGE de 2014, por isso, alvo da contestação entregue no CC.

 

A própria Assembleia da República, chamada a responder às questões colocadas pelos requerentes, assumiu perante o CC tratar-se de garantias "prestadas de forma ilegítima, cuja consequência é a sua nulidade", desde que declarada pelas entidades competentes, sem especificar, lê-se no acórdão.

 

No entanto, considera também que "o Estado não pode recusar-se ou furtar-se de cumprir obrigações internacionais, sob alegação de o Governo ter violado disposições de direito interno".

 

Por essa razão, a Assembleia da República entendeu melhor "aprovar a CGE que inclui os mapas demonstrativos dos pagamentos feitos pelo Estado relativamente às dívidas da EMATUM, visando facilitar o controlo desta atividade financeira do Estado".

 

Mas os juízes do CC discordam e chegam a citar a própria Assembleia da República ao admitir a "nulidade" dos atos.

 

"Como é evidente, indiscutivelmente, o Governo atuou à margem da Constituição", que reserva ao parlamento a autorização de operações de crédito ou emissão de avales.

 

O CC refere ainda que o executivo atuou com "usurpação do poder" e praticou atos nulos ao ignorar as leis. (Lusa)

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