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quinta-feira, 13 junho 2024 08:19

Destruição da casa Macamo: o que é importante, escreve António Prista

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No dia 25 de Maio, a cidade foi surpreendida pela destruição repentina da Casa Macamo, um edifício ligado à memória de várias  gerações que guardam emoções fortes sobre aquele edifício. O anúncio público por parte do Conselho Municipal de Maputo da interdição da demolição constituiu um alívio para essas almas. Dois dias depois, uma segunda surpresa: os destruidores continuaram a demolição total sem qualquer obediência à instrução das autoridades municipais. A casa foi-se!

 

A meu ver, o assunto tem quatro vertentes, nomeadamente: (1) a da memória e da estética urbana, (2) a da preservação do património, (3) a da legalidade e (4) a da credibilidade das instituições. Duma reflexão preliminar sobre o assunto, emergem-me algumas ideias que aqui se são expostas.

 

Do ponto de vista das memórias, a Casa Macamo, que recebeu essa designação por se situar na rua José Macamo, na zona da Ponta Vermelha, foi construída pela família Pendray, no tempo colonial tendo revertido a favor do Estado na época da independência. A Presidência, nessa altura, usava aquele espaço para receber vários convidados. Depois, a Casa Macamo foi administrada pelo Gabinete da Primeira Dama que, a dada altura,  a entregou a uma instituição de caridade, a Associação dos Amigos da Criança - AAC. Pela beleza da sua localização e do seu jardim, tornou-se um local de muitos eventos. Há assim uma geração de pessoas que ali passaram momentos inesquecíveis como aniversários, casamentos, baptizados ou simples festas de família ou amigos. Portanto, é compreensível a comoção por esta destruição. Contudo, não constitui argumento legal ou arquitectónico para impedir a sua destruição.

 

Do ponto de vista do património histórico, a questão não é linear. A Casa Macamo, à vista de vários entendidos na matéria, não parecia ter características  que lhe pudessem conferir a categoria de Património da Cidade. Mas só não parecia porque, na verdade, a Casa Macamo faz parte dos 222 edifícios inventariados num trabalho conjunto de um grupo da Faculdade de Arquitectura da UEM solicitado pelo Conselho Municipal de Maputo e o Ministério da Cultura, no ano de 2010. A selecção dos edifícios foi realizada com base, e cito, “nas percepções de pessoas singulares e colectivas, instituições e especialistas nas áreas do Património, da Arquitectura, da História e da Antropologia Cultural”. Ora, diz a lei que, uma vez inventariado, o edifício não deve ser destruído até à decisão da sua aceitação ou não como património. Sendo assim, a Casa Macamo não deveria ter sido demolida antes dessa decisão que tarda pois os sucessivos governos nunca se pronunciaram sobre tal estudo.

 

Já no que respeita à legalidade da demolição, não existem quaisquer dúvidas. A demolição de qualquer edifício carece de autorização prévia mediante procedimentos bem estabelecidos. De acordo com as autoridades municipais, não foi emitido qualquer tipo de licença que autorizasse a demolição da CM, e portanto nenhum dos procedimentos obrigatórios por lei foi seguido. Ou seja, a demolição é ilegal e as medidas previstas para a responsabilização pelo crime devem, por força de lei, ser realizadas. Uma delas é a confiscação dos equipamentos usados para o efeito, o que não foi aconteceu  pois quem quer que seja que o esteja a fazer não só ficou com os equipamentos como prosseguiu com a demolição. Assim, a demolição foi feita no completo e redobrado desrespeito pela lei do país. Pior porque, não obstante o aviso, os prevaricadores agravaram os crimes.

 

Fica difícil impor a lei e ordem aos cidadãos quando ela não é aplicada de forma consistente pelas próprias autoridades.  O Conselho Municipal de Maputo veio a público anunciar a interdição e prometer o seu esclarecimento. Espera-se agora que venham a público cumprir o prometido.

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