Sempre dizia o saudoso mestre Álvaro Belo-Marques, o Bodoni, para a nossa turma de 1988 na Escola de Jornalismo, que “aquilo que você pode escrever, só você e somente você é que pode escrever, não espere que outro alguém o possa fazer por si”. Expando, aqui e agora, este preceito: aquilo que temos que ser nós a dizer, só nós e unicamente nós é que podemos dizer, ninguém mais. Não há que ditar a outrem o que nos vai na alma. Guiemo-nos sempre por esta lição.
Estamos, a nação inteira, nos últimos meses, a digladiarmo-nos impiedosamente à volta das portagens na “circular” de Maputo e recorrendo a todo o tipo de armas, até tribunais. Irmãos completamente desavindos. O argumento central do Governo é que ele não tem dinheiro para fazer a manutenção das estradas do país e onde vê um pé de meia para ir buscar tal fundo é no bolso dos cidadãos utentes das vias, automobilistas ou passageiros. Para muitos cidadãos, esta medida é uma violência extrema à sua já dificílima condição de vida; trata-se de mais um violento assalto ao bolso dos moçambicanos.
Minha leitura é simples. Estamos tão somente num autêntico virar de costas entre cidadāos e o Governo. Num ‘não diálogo’; ninguém está disposto a ouvir ninguém. Os cidadãos já não querem ouvir a razão do Governo e este, também, por seu turno, não se tem comunicado como deve ser, dando clara ideia de que não quer ouvir os cidadãos. Não há nenhum diálogo aqui. Por conseguinte, estamos diante de uma ‘ausência de comunicação’ entre partes da mesma família.
Claramente, o Governo tem-se, amiúde, comunicado muito mal com os cidadãos. Às vezes, nem chega a comunicar-se mesmo. Estando nós nesta guerra de manutenção de estradas, vou-me cingir apenas nesta questão para demonstrar esta asserção que faço.
É sólido que no Orçamento do Estado há, anualmente, uma verba para a manutenção de estradas em todo o país. As então direcções provinciais de obras públicas (como insistentemente estamos a mudar de nomes, não sei como se chamam agora) e as delegações provinciais da Administração Nacional de Estradas (ANE) recebem anualmente uma dotação orçamental para a manutenção de estradas. Isto é bem líquido. Pouco ou insuficiente, sempre tem lá!
Primeira ausência de comunicação por parte do Governo. Nunca foi dito quanto é esse valor. Nunca nos foi dito quanto é que Niassa, Zambézia, Manica, Tete, etc. recebem, ou recebiam para a manutenção das suas estradas. Nunca foi dito quanto é que cada uma das nossas províncias recebe para a manutenção das estradas no seu território de jurisdição. Mas que recebem, recebem!
Segunda ausência de comunicação por parte do Governo. Nunca nos foi dado a saber se o valor que se aloca às províncias para a manutenção das estradas é exíguo, insuficiente ou satisfatório; ou se já deixou de existir. Nem uma única palavra. Podia dizer que tudo foi sempre segredo, mas prefiro dizer “esta informação foi sempre omitida; não disponibilizada ao país”.
Terceira falha de comunicação do Governo. Nunca em um único dia uma direcção provincial qualquer apareceu a dizer ou a queixar-se sobre suficiência ou insuficiência, ou ainda ausência total, de fundos para a manutenção das estradas na sua área de jurisdição. Nada. Never!
Quarta e última falta de comunicação do Governo. Em nenhum ano jamais nos foi dado o balanço de quantos quilômetros e em quais estradas e em que província foi feita manutenção; nunca nos foi dito quanto se alocou às províncias, quanto se fez com o que se alocou, o défice, o que ficou por fazer; nunca nos foi dito que os valores alocados às províncias para a manutenção das estradas são suficientes ou insuficientes; ou existem ou inexistem. Never. Nunca.
Agora, como é que nos vêm agora dizer que não há dinheiro para a manutenção das estradas. Pelo que vemos a olho nu - a não manutenção de estradas - calculamos que não haja dinheiro. Mas o Governo nunca nos apareceu a dizer preto no branco. E nós não podemos, nem devemos, adivinhar. Péssima comunicação. O cidadão não tem que calcular nada. Tem que ser informado.
Como, então, exigir que os moçambicanos compreendam que as ideias do Governo são genuínas, lícitas, dignas de serem ouvidas e consideradas? Se os nossos governantes, em qualquer que seja a área - melhor dizendo, em todas as áreas -, querem cooperação, colaboração, compreensão, apoio e solidariedade dos cidadãos, colaboradores e parceiros, têm que se comunicar como deve ser. A comunicação é uma arma chave para tudo na vida: para o sucesso, para a compreensão, para a solidariedade, para a colaboração e ou cooperação; mas também para o descalabro, insucesso, desgraça, guerras e destruições. Em suma, para a consecução dos objectivos pretendidos. Ou o objectivo pretendido é esta desunião, disputa, conflito… barulho… é isso? É só escolhermos.
Assim como estamos a fazer vai ser difícil criarmos harmonia, solidariedade e a tão almejada unidade entre nós moçambicanos. Lamentável.
Mas o Governo ainda vai a tempo de nos trazer estas informações todas que não nos dá.
ME Mabunda
Em Dezembro passado, Ângela Merkel deixou de ser a Chanceler de uma das maiores economias do mundo e a maior da Europa, a Alemanha, depois de 16 anos de exercício. O anúncio da sua retirada, havia-o feito ela própria quatro, três anos antes; num processo claro, directo, transparente e muito sério. Seguidamente, retirou-se efectivamente da vida política e pública e passou a dedicar-se a “projectos pessoais”. Os seus confrades do partido, em homenagem e reconhecimento à sua imaculada e estrondosa contribuição na liderança do país, ainda lhe propuseram a posição de presidente honorário. Ela negou terminantemente! E foi muito mais longe ainda, declinando também um nobilíssimo convite do secretário-geral das Nações Unidas para presidir a um comité de alto nível sobre bens públicos globais. E ela tem 67 anos, vai fazer 68 este ano! Um grandioso exemplo de dignidade, honestidade, grande atitude ética e demonstração de boa conduta moral.
Olhando para a nossa história, sobretudo na nossa região, ainda encontramos algumas figuras com esta conduta ético-moral, com esta dignidade. Vamos só ver alguns exemplos. Julius Nyerere foi uma dessas poucas pessoas que, retiradas do poder, resguardaram-se nos seus domicílios e passaram a dedicar-se a “projectos pessoais”. Voltou à aldeia natal e retomou o jogo de ntxuva com os seus próximos. Nesta senda, encontramos igualmente Nelson Mandela e Thabo Mbeki… retiraram-se da vida pública e… dedicaram-se a projectos pessoais. Na região, ainda tivemos os tanzanianos Ali Hassan Mwinyi, Benjamim Mkapa, um Sam Nujoma na Namíbia, Nketumile Masire e Festus Mogahe no Botswana…São uns tantos, convenhamos, não são muitos assim.
O grosso que temos é de antigos chefes de estado, antigos ministros e outros dirigentes continuarem a disputar o espaço público, a quererem dar nas vistas e, nalgumas vezes, a pretenderem-se ainda chefes de estado ou dirigentes; a envolverem-se em disputas com os incumbentes do momento. A quererem mostrar que eles ainda são eles! O caso de Kaunda foi o mais paradigmático de todos: depois de permanência quase perpétua no poder, ainda quis voltar e, não o conseguindo, pôs-se em confrontações políticas com o então incumbente Frederick Chiluba. Foi triste, vergonha total no mundo, ver um grande filho de África, que tanto se bateu pelo seu continente, em disputas injustificadas e inglórias para regressar e perpetuar-se no poder!
Cá entre nós, a coisa não está tão bonita não! Não, não! Nós, uma das economias menos desenvolvidas do mundo, até temos dois presidentes honorários! Coisa ridícula! Que procuram comportar-se como se ainda fossem chefes de Estado. É, entre nós, um acto de coragem, de muita ousadia chamar de ex-presidente, ou antigo presidente aos nossos antigos Presidentes da República. Você é mal visto. É tido como alguém desrespeitoso. Não aceitam o que é a realidade, que já não são presidentes; mas são, sim, ex-presidentes, antigos presidentes, ou antigos chefes de Estado!
Aqui entre nós, vemos e ouvimos constantemente, quase numa base mensal, senão bi-mensal, entrevistas e entrevistas dos nossos antigos dirigentes. Vemo-los ocupadíssimos em quererem mostrar que eles ainda são eles. Vezes sem conta, vemo-los em pronunciamentos públicos sobre tudo, incluindo sobre matérias em que eles próprios não fizeram o suficiente ou eficazmente. Falam sobre tudo. Continuam zelosamente na política, na vida pública e a fazerem concorrência ao actual presidente! E todos à volta dos 80 anos de idade… É penoso e embaraçoso vê-los à espera de lhes ser dada palavra ou ser-lhes retirada por alguém a quem já deram ou tiravam palavra durante muito tempo…
Os nossos antigos presidentes recusam-se a ir descansar, não querem, apesar das idades que ostentam, 82 e 79... Ninguém nega, nem questiona o papel que desempenharam na história do nosso país, o respeito que lhes é devido; aliás, têm páginas de ouro, indeléveis, inapagáveis na história do nosso Moçambique! Mas, já deviam ir descansar. Soaria muito bem ouvir que o ex-presidente Chissano está a jogar muravarava em Malehice; ou que Armando Guebuza está algures na Catembe a desfrutar das ofertas da natureza, das lindíssimas paisagens naturais de Matutuine! Seria bonito. E quando precisássemos deles, como sempre precisaremos, íamos lá beber da sua sabedoria!
Mas não são só os antigos presidentes que não têm mãos a medir! Foi penoso ver o nosso querido Marcelino dos Santos em eventos públicos, mesmo demasiado debilitado, de cadeira de rodas. Não faltava a nenhuma reunião do partido, mesmo com a sua avançada idade e o seu precário estado de saúde! Hoje por hoje, temos figuras como Chipande, Matsinhe, Pachinuapa, Panguene, Ntumuque, e muitas outras mais à volta de 80 anos, todas elas que deram colossais e incomensuráveis contribuições na construção do nosso país, mas que… se recusam a ir descansar. Negam. Não querem. Continuam na vida política, na vida pública. Desdobram-se em disputas de cargos e posições!… estão a desfrutar dos seus direitos constitucionais, sim, mas eixiii…!
Estão e assumem-se contrários aos preceitos da física. Que um ser natural nasce, cresce, envelhece e transforma-se. Não aceitam que já estejam crescidos e a envelhecer e que precisam de descansar, correr menos, ou não correr mais mesmo.
Sigam o exemplo da ex-chanceler alemã, de Nyerere, Mandela, Obama, Mbeki…! Idem descansar, um repouso mais do que merecido. A história sempre vos respeitará. Vezes sem conta, somos surpreendidos com fotografias de Obama ou a beber uns copos de cerveja em locais públicos, ou com a esposa em lugares dos mais inimagináveis, mercados, lojas, matinês, caminhadas, etc. Why not you?
ME Mabunda
Para quem não acredita no provérbio segundo o qual a vida dá tantas voltas, eis aqui mais um exemplo, de tantos inacabáveis, das muitas voltas que, de facto, a vida dá. O que é de uma forma hoje, amanhã é outra totalmente diferente, senão, por ventura, o contrário. Verdade de hoje, não verdade ou mentira amanhã!
Vamos então. Em 1987, pelas mãos do então director administrativo da Escola de Jornalismo, o poeta Fernando Couto (pai de Mia Couto), e de Leite de Vasconcelos e Orlanda Mendes, na altura director-geral e directora de Informação da Rádio Moçambique, respectivamente, fui parar ao Sector dos Noticiários da nossa estação emissora mãe. A redacção central da Rádio Moçambique - o então coração de informação da estação emissora… hoje, já está desconcentrado, a partir de qualquer província, qualquer programa informativo é produzido e difundido. Na altura, tudo tinha que ir ao crivo da direcção central!
Entre as figuras de proa de informação da Rádio Moçambique que encontro na Secção dos Noticiários, dirigida por Tiago Viegas, estão noticiaristas colossos como Armindo Chunguane, Antonio Bernardo Cuna (ABC), Narciso Zandamela, Ramos Miguel, o Dava, a Amélia Muchanga, o Moisés Aide (já falecido, Deus o tenha) e… o Severino Sumbe! O Sumbe era o esteio do noticiário internacional da Rádio, era redactor e editor ao mesmo tempo daquele material informativo.
Nessas alturas, ao contrário de como é hoje em dia, as fontes das notícias internacionais eram… complicadas. Recebiam-se telexes a partir de certas agências noticiosas, Lusa, Reuter, Novost e Angop… e outras poucas mais que não me vêm à memória. Depois, havia uma secçãozinha de escutas de certas emissoras mundiais. Aqueles materiais todos, um grande maço de telexes e umas cassetes áudio iam parar às mãos e ouvidos do Severino Sumbe e ele procedia à selecção das notícias que achasse apropriadas e oportunas, depois editava e submetia ao chefe Tiago Viegas para ver e só depois disso é que iam para o ar.
Eu, jovem foca, recebia trabalho de todos ali na secção. Mas também do Tiago Viegas, Marcelino Alves e até da própria directora Orlanda Mendes; recebida directamente trabalho e nem tinha como reclamar; mas como um principiante reclamar? Havia ali turnos: o primeiro, das 6 horas até às 13; o segundo, das 13 às 19; e o último, das 19 horas até meia noite. Fazia-se escala rotativa, assim como dos respectivos chefes!
Depois de três meses, fui posto também já a fazer turnos. E um dos chefes de turno era Severino Sumbe!... para além do seu trabalho sobre o noticiário internacional, ela coordenava aquele turno em que estivesse, corrigia e editava os textos do turno. E assim tive no Sumbe meu chefe de turno com todas as prerrogativas.
Trabalhamos sem stress durante aqueles seis meses! Sumbe era um grande redactor! Homem muito disciplinado, muito rigoroso em tudo, mas não arrogante, nem ditador. Zeloso na pontuação, na linha, no parágrafo, no ponto. Texto conciso, curto, directo, exigências próprias do jornalismo radiofónico. Ele próprio, como pessoa, era uma pessoa rigorosa consigo próprio. Sempre a tempo e horas, aprumado e homem de poucas falas e quase não ria. Muito dedicado ao trabalho.
Por razões pessoais, não fiz carreira na Rádio Moçambique. Após fazer o curso médio de jornalismo, em 1988, não voltei à RM, rumei para a Sociedade Notícias, SARL. Entrei pelo jornal Notícias, mas logo fui chegar ao semanário Domingo, onde estive até Fevereiro de 2001.
E eis que o Severino Sumbe, passado algum tempo após o meu estabelecimento, se muda da Rádio Moçambique para o semanário Domingo! Pouco depois de ele chegar, há alterações e eu… fico subchefe da Redacção! Chefe de Severino Sumbe, portanto!... o mesmo que tinha sido meu chefe na RM!
Confesso que o Sumbe não se importou nada com isso. Trabalhou normalmente, com a sua seriedade, disciplina, rigor e entrega total. Era o primeiro a chegar à Redacção e muitas vezes a entregar o seu texto. E depois, quando passo a chefe de redacção, ele fica adjunto! Nunca em nenhum momento tive problemas com o Chefe Sumbe, como passámos a chamá-lo na saudosa Redacção do jornal Domingo! O rigor e disciplina dele facilitaram bastante o nosso trabalho. Muito colaborativo, nunca deixou nada, mas absolutamente nada por fazer. Muitas vezes até deixava o que estava a fazer para fazer o mais urgente, ou fazia as duas coisas! Mas sempre disponível.
Homem de poucas falas, como se disse, nunca se metia em fofocas. Pouco falava nem sobre a sua vida, nem sobre a vida de outros.
Foi um grande prazer trabalhar com o Severino Sumbe, aliás, com o Chefe Sumbe! Até sempre, mais velho.
Nascemos e crescemos - eu e meu irmão mais velho, entretanto, infelizmente já não entre nós - num ambiente relativamente privilegiado, comparativamente, diferente do de uma criança normal na nossa zona, a Circunscrição de Mutxuquete. Se estou correcto (não sou familiar à terminologia colonial), a Circunscrição de Mutxuquete partia de Mutxuquete, berma direita da estrada Chongoene Xai-Xai- Chibuto, paragem a seguir a Jantigwe (Jantigue, na grafia portuguesa), até quase a Aldeia das Laranjeiras, já em Manjacaze. Éramos os filhos do professor Eugénio. Olhados e tratados com muita consideração e respeito. Só perdemos esses mimos todos quando saímos de casa do papá para continuar estudos noutras escolas; aí sim, é onde soubemos o que era a dura infância de uma criança nas zonas rurais.
Esse tratamento privilegiado decorria do estatuto do professor, no caso, o professor Eugénio. O professor, em geral, tinha um papel e estatuto sociais de muito prestígio e consideração. Estou a falar do período anterior à proclamação da independência nacional. O professor disputava de alguma forma autoridade com o régulo; ele era, naquela zona, uma espécie de representante do Padre/Missão, neste caso, da Missão de Malehice. Celebrava missas nos domingos em que o Padre não se fazia à escola, casamentos religiosos na zona, era convidado de honra em eventos, festas e outras cerimônias, incluindo nas de recepção dos madjonidjonis (aqueles nossos irmãos que trabalham nas minas sul-africanas)! Aliás, estes sempre traziam qualquer coisa para o senhor professor: cobertor, sobretudo/casacão, calçado, toalha, sabonetes… sempre tinham qualquer coisa para presentear ao professor, até aparelho de rádio. O professor tinha tratamento privilegiado nas cantinas, podia fazer vales, aliás, os cantineiros quase sempre obrigavam meu pai a fazer vales.
Como se tratou de um período de transição, do período antes para o período pós-independência, neste último, o professor foi perdendo o seu estatuto e papel social até onde estamos hoje. Respeito e consideração social foram-se esfumando sorrateiramente. Hoje, o professor é aquele que conhecemos… com uma imagem bastante degradada, fragilizada e menosprezada. É, hoje, na nossa sociedade, um zé qualquer! Tristemente.
Depois da proclamação da nossa independência, houve também valorização de outras classes. Houve degradação social de certas profissões, sim, como a de professor; mas houve outras que ficaram célebres! Ser ‘dirigente político', por exemplo, era algo diametralmente diferente do que é ser dirigente hoje. Um dirigente tinha muito prestígio, muita consideração… aquela mesmo de um professor no período anterior à independência; a sociedade respeitava-o. De um dirigente político tinha-se uma imagem e consideração bastante grande. Sempre apetecia ver um dirigente, seja administrador, director provincial, governador, director nacional, ministro, etc.
Talvez mais por causa da idade menor ou a diminuta formação e maturidade na altura, víamos no dirigente sempre e sempre uma pessoa especial, com qualidades fora do comum. Não era qualquer um que ascendia à posição de dirigente. Foi o momento em que a moral e ética pública eram valores supremos para se ser dirigente. Não bastava a militância, tinha que ter conduta exemplar. Dirigentes houve que foram descartados por aquilo que se chamava corrupção sexual, ou material, ou ainda por alcoolismo. Os valores morais desempenhavam um papel importante para a nomeação de alguém. Muito por causa disto, ser dirigente era algo apetecível, o dirigente granjeava respeito, consideração e prestígio. Ser dirigente animava…
Mas depois, a coisa deu tanta volta. Hoje… já não anima nada! Ser dirigente hoje… é um grande pesadelo. Pouquíssimos são aqueles que são dirigentes porque exemplos sociais verdadeiros, sérios e competentes, como no passado. São-no devido às suas costas que são… “quentes”! São sempre afilhados de alguém. Sua conduta social é bastante duvidosa, desconhecida e seu comportamento ético e moral muito problemático.
No passado, para um dirigente ser exonerado, havia razões concretas e eram publicamente apontadas. Hoje, tal como raramente se sabe porquê alguém é nomeado, é quase impossível saber-se porquê alguém é exonerado. Só se acorda não dirigente e prontos!
Ser chefe hoje já não anima!
Sábado passado, 4 de Dezembro, foi um dia muito especial para a nossa família. No Instituto Superior Politécnico de Gaza (ISPG), dois membros, no caso, sobrinhos, foram graduados após conquistarem o grau académico de licenciatura. Um, em engenharia hidráulica, agrícola e água rural; e a outra, menina, em contabilidade e auditoria. Alegria total, não é comum dois membros da mesma família serem graduados no mesmo dia! Aleluia!
A cerimónia teve lugar na localidade de Lionde, a cerca de 10 quilómetros da Vila Autárquica de Chókwè, e foi orientada pelo Secretário de Estado (SE) da Província de Gaza. Eu que sempre pensei que o ISPG ficasse dentro ou arredores de Chókwè… onde estudei e me formei como homem e comecei a minha carreira jornalística!
Decorreu das 9 horas até cerca das 12:30 horas. Foi bonita, muito bem organizada; discursos bem escritos, assertivos, comoventes. Distanciamento social… nem tanto! A intervenção do SE foi uma autêntica aula de sapiência não para os graduados ali presentes, mas para todos nós convidados. Fundamentalmente, desafiou os quadros que terminaram a formação para serem criativos, não ficarem à espera de emprego. Com as formações que tendes, engenharia agrícola, hidráulica, florestal, zootécnica, aquacultura, processamento de alimentos, economia agrária, agroecologia, contabilidade e auditoria e recursos humanos, vocês são uma potencial empresa. Associando-se, vocês constituem uma empresa e põem em prática todos os saberes que adquiriram aqui - apontou o Secretário de Estado. Recordou que Gaza é uma província com muito forte potencial agropecuário e que oportunidades de aplicação dos conhecimentos obtidos são muitas. Mas este não é o objecto desta crónica.
Para acompanhar os miúdos, sexta-feira, 3, cerca das 13 horas, lá nos fizemos (eu, minha esposa e filhos) a Xai-Xai, capital gazense onde habitam. O plano era pernoitar na capital provincial e, logo pela manhã de sábado, rumarmos ao antigo “celeiro da nação” para estarmos na cerimônia até uma hora antes. Assim pensado, assim executado. Às 5:20, lá nos pusemos na estrada. O local de onde partimos situa-se entre a cidade de Xai-Xai e a localidade de Chongoene, no meio entre os dois pontos.
Quando já na estrada e vendo que eu, que ia a conduzir, estava a tomar o sentido Xai-Xai-Macia, a menina interpela: “Tio, é melhor irmos via Chibuto!” Fiquei confuso, mas ela logo cuidou de clarificar. O troço Macia-Chókwè está péssimo… vamos levar muito tempo; ou vamos vias Xai-Xai-3 de Fevereiro-Chilembene-Lionde… ou Chibuto-Guijá-Chókwè… - explicou ela, enquanto eu paralisara o carro e afastara-o para a berma, à espera da direcção a tomar.
E a decisão foi ali rapidamente tomada: seguiríamos via Chibuto. Fariamos Xai-Xai/Chongoene-Chibuto-Guijá, depois para Chókwè. Em termos de distâncias concretas em quilômetros, iríamos fazer cerca de 140 quilômetros, contra os cerca de 112 que faríamos se saíssemos directamente de Xai-Xai para Lionde… Afinal nem é Chókwè, como o disse, o Instituto Superior Politecnico de Gaza não se localiza na vila de Chókwè, mas em Lionde, a cerca de dez quilômetros. Ou seja, mais uns 30 quilômetros a ida e outros tantos ao regresso… tudo para contornar um troço de cerca de 60 quilómetros, que custam justamente 60 milhões de dólares para reabilitar!...
Então, lá nos fizemos nós à estrada. De facto, o percurso está em boas condições. Xai-Xai até Chibuto, boa estrada, anda-se muito bem; de Chibuto a Guijá e depois Chókwè, também boa estrada! Agora, de Chókwè a Lionde, cerca de 10 quilômetros, como ficou dito, a estrada não está em condições e vai piorando até Macia… justamente o troço que pretendíamos evitar.
Lá fomos nós à nossa cerimónia de graduação, que, como referido, correu muito bem apesar do muito calor de 37 graus centígrados que se fazia sentir! Às 12:20, já estava a terminar e, depois de algumas fotografias, pegamos a estrada de regresso a Xai-Xai. Ainda deu para passar ver o novíssimo aeroporto!
Chegado ali, não houve o mais pequeno obstáculo; foi-nos permitido ver e fotografar! É uma obra. Perguntámos à funcionária aeroportuária que saiu da cancela para nos atender sobre o plano de voos… só sorriu!
A semana passada teve o condão de os moçambicanos e o mundo em geral verem uma ilustre personalidade sentada no banco dos réus… ainda que não como réu propriamente, mas como declarante - o que, aos olhos do zé-povinho, é igual! De facto, em termos semânticos, a diferença é igual: em ambas as circunstâncias, trata-se de julgamento; tanto aquele que se senta no banco como réu, como o que se senta como declarante, ambos são impiedosamente interrogados pelo mesmo juiz na busca do esclarecimento da verdade material sobre determinada ilegalidade.
Assim, podemos murmurar que vimos, sim, um gigante sentado no banco dos réus!
Recuando no tempo, temos é memória de Sebastião Mabote e Manuel Antônio sentarem no banco dos réus, acusados de tentativa de golpe de estado; Almerino Manhenje, acusado de uso à margem das leis dos fundos do erário público; mais adiante, recentemente, tivemos o ex-ministro Paulo Zucula. Esperamos proximamente ver… a ex-ministra do Trabalho. É pouca coisa para 46 anos de independência de uma nação. Muito insignificante para tamanhos desmandos, violações, barbaridades, ilegalidades, desacatos, actos de corrupção, e outros nomes que tais. Se efectivamente fôssemos por um estado em que governa a lei e quem age à sua margem é rigorosamente responsabilizado, muitas ilustres personalidades já teriam passado pelo banco dos réus, seja como réus de facto, mas também como declarantes ou testemunhas.
Mas tudo bem. Esta semana, tivemos o ilustre ex-governador do nosso banco central. De todo o seu exercício de passear a sua classe, eloquência, magistralidade, academice, solenidade - tudo temperado com aquele seu adocicado sotaque bitonga -, ficou que o Banco de Moçambique autorizou as dívidas odiosas em nome da soberania, em nome de garantir a sobrevivência do estado moçambicano. Este é o entendimento geral das declarações do ex-boss da autoridade financeira suprema, largamente reflectida, ou vertida (segundo os juristas), em muitas páginas de jornais.
Colocação problemática esta que o juiz não deixou passar. Retorquiu ele que "então para vocês a soberania precede a lei?” (citação de memória), ao que o nobre declarante redarguiu que “estava em causa a existência, segurança e sobrevivência do estado; não queríamos estar numa situação de não aprovar as garantias e acordarmos amanhã sem o estado moçambicano…" (também citação de memória).
Viajemos juntos com o Gove, afinal ele não nos está a viajar? Então a lei moçambicana, qualquer que seja ela, área, sector ou natureza, não tem em conta a soberania nacional? É concebível, racional, que uma lei moçambicana, ainda que seja sobre o aborto, por exemplo, nao tenha como mote a salvaguarda dos interesses do nosso estado, a nossa soberania? Particularmente, as nossas leis financeiras não destacam a questão da soberania? Não visam preservar e defender a soberania do nosso estado? Uma coisa serão as nossas leis financeiras e outra serão as outras leis que visariam preservar a soberania e a existência do estado? É isso? Há essa destrinça? De que falamos, afinal, quando sempre evocamos interesse nacional? As nossas leis não são pelo interesse e instituto nacionais?
Se é isso, então cabe entender que o proponente das tais leis financeiras não é moçambicano, muito menos patriota; ou que o legislador que delas se apropriou e emanou não é moçambicano! Será racional entender que o Banco de Moçambique possa propor uma lei que não tenha em mente a soberania nacional? O interesse nacional? Que a Assembleia da República emane uma lei que não salvaguarde a soberania nacional? Que o chefe de estado promulgue uma lei que não salvaguarde a soberania nacional? É isto que Ernesto Gove quis que enxerguemos?
Mas mais, soberania, afinal, o que é? Não é tudo o que é nossa pertença, incluindo as leis que regram sobre o nosso estado? Então, que lei financeira é essa que não previu questões inerentes à defesa da nossa soberania?
Depois, quem é que proclama que a soberania do estado está em perigo? Quem e aonde? Estando em perigo, como gritam os réus - e Ernesto Gove também fez coro -, a soberania do estado, não é o chefe desse estado que, em fórum próprio, alerta, proclama e indica as medidas que devem ser tomadas e por quem para se fazer face a esse perigo de estado? É alguém andar de gabinete em gabinete com papéis na mão a recolher assinaturas, coagindo, ameaçando e intimidando?
Mas esta já não é responsabilidade apenas do Gove, é do chefe do governo! Este devia, depois de se aperceber, informar-se devidamente e recolher e consolidar as ideias sobre uma eventual ameaça à soberania do estado, convocar os órgãos próprios, incluindo o governo do Banco de Moçambique, e lhes instruir sobre o que devem ou não devem fazer, as medidas a tomar para salvaguardar a soberania.
Isto é que devia ser. Mas, entendemos, Gove quis safar a sua pele! Vamos ouvir o que a bateria de ministros que vem aí vai dizer-nos. Esperamos que não nos façam de matrecos, como o ex-governador nos fez!
Uma das variáveis de desenvolvimento de uma sociedade é o grau de incerteza no seu dia-a-dia por parte dos seus membros. A possibilidade de de repente acontecer alguma coisa desagradável e desastrosa que ponha em causa a sua existência, da sociedade ou deite a perder todo um projecto social, ou os seus valores e percurso. Quanto maiores ou muitas forem as incertezas no dia-a-dia, menos desenvolvida será essa sociedade; menor será a estabilidade emocional, social e económica. Olhe-se para as sociedades desenvolvidas. Não há nenhum investimento, individual, colectivo, institucional ou social, sem o controlo desta variável. Ninguém investe sem ter a certeza de que se não vai ganhar o dinheiro que projecta, pelo menos não vai perder o seu capital inicial, de investimento; isso seria o que os outros chamam de haraquiri!
As sociedades primitivas eram cheias de muitas incertezas, não tinham os instrumentos e mecanismos de que nos servimos hoje para reduzirmos as incertezas: o conhecimento científico, a ciência e a racionalidade! Instrumentos que nos permitem aferir o grau de risco de qualquer empreitada que pretendermos desencadear. Dependiam grandemente da natureza, pouco sabiam dos estudos de viabilidade, dos cálculos de risco, das previsões meteorológicas, se vai chover ou fazer muito calor, se haverá seca prolongada ou precipitação normal, ciclones ou vendavais e quais os efeitos disto ou daquilo.
Hoje, as sociedades desenvolvidas são aquelas em que o grau de incerteza é muito menor; o risco é calculado, é especulado. Nas sociedades desenvolvidas, quando os indivíduos se dirigem a instituições do estado, mas não só, sabem muitas vezes que tratamento vão encontrar. Quando chega o fim do mês, sabem quais as facturas e mais ou menos as despesas que têm que pagar (entre nós, nunca se tem a certeza do valor da factura de água, ainda que seja aproximada; tanto pode vir 100 como mil meticais). Quando saem à rua, sabem, mais ou menos, o que vão encontrar, tipo não serem assaltados de qualquer maneira, chatices desnecessárias do agente de trânsito, estradas partidas que podem danificar o carro, POS e ATM que não funcionam, lojas onde só se paga a cash, etc., etc. Portanto, incertezas atrás de incertezas!
O nobre dia da “Cidade das Acácias”, 10 de Novembro, coincide com a data de aniversário da minha esposa. Feliz coincidência, porque, assim, temos o feriado para todo o tipo de actividade que possamos ter programado. E de facto tínhamos programado o almojantar da ordem. Uma combinação de almoço e jantar: está fora da hora do almoço, mas também ainda antes da hora do jantar.
Lá fomos nós a um grande restaurante! Grande. O Casino Polana. Em plena Marginal, nas imediações da novíssima embaixada americana. E em pleno século XXI! Tudo correu às mil maravilhas… menos a sessão de encerramento. Lá veio a conta, conferimos, batia certo e lá pedimos a tal POS. Com uma voz trêmula, menos convicta, o servente que nos atendera muito bem e sempre com voz carinhosa, diz-nos que “POS não está a funcionar…” - e, cabisbaixo, acrescenta que “... aqui na porta de saída tem uma ATM em que podem ir levantar o valor…”
Não lhe escondi que não tinha percebido, tamanha era a surpresa que a informação que me estava a ser dada causara. Repetiu, visivelmente embaraçado. Também ficamos bastante embaraçados. Um dia especial estava a ser beliscado… mas para não estragar tudo, lá me levantei, bastante contrariado, para a tal ATM, para ir pegar o taco. As tais incertezas! Você nunca sabe o que lhe pode acontecer. Mas nem era tudo!
Outra surpresa das surpresas desagradáveis, num ápice o cartão é engolido! A máquina nem sequer deu chance para digitar o código!… Imagine-se como se fica nestas condições. Uma tarde que estava a correr lindamente, romântica, estava a terminar desagradavelmente. Algo completamente imprevista. E assim ficou marcada aquela data querida.
A pergunta é: como pode um restaurante de luxo, em plena Marginal, a zona A, não ter em certo momento uma POS a funcionar e, para piorar, a ATM? Quer dizer, os muitos cartões com que andamos não chegam para estarmos à vontade, temos que andar com dinheiros e dinheiros nos bolsos com todos os riscos: a tal incerteza!
É isto que é a nossa sociedade: cheia de surpresas acima de surpresas no dia-a-dia. Prenhe de incertezas. Você nunca sabe o que lhe pode acontecer ao sair à rua. Como podemos desenvolver o país assim? Como podemos investir nestas condições? Para investirmos, precisamos de economizar e para economizar, precisamos de ter certeza das despesas do mês. Ou seja, de certeza e não de incerteza. Se você nunca sabe o que vai pagar ou não ao fim do mês, como vai calcular o que pode ou não investir? As estradas estão sempre a partir o carro; a factura de água está sempre a variar; você pode ser assaltado, ou raptado a qualquer momento… as POS e ATM embelezam a cidade, no momento certo, dão dores de cabeça…
Vamos em frente, irmãos… isto não será o Governo a resolver!
Graças a um grande amigo e a um amigo do meu filho, este fim de semana tive o grande prazer de ir viver um Chibuto que, apesar das minhas mais de cinco décadas de existência, ainda não tinha vivido, melhor, curtido, como sói dizer-se. Eu que sou chibutense de gema, natural de Malehice e criado em Chipadja!
Pode ser por azar meu que ao longo destes tempos todos não tenha tido oportunidade de curtir a minha cidade natal. Pode ser. Mas não foram poucas as vezes que estive por lá, são incontáveis na verdade. Mas agora, o Chibuto que me foi dado ver pareceu-me um pouco mais agitado; se calhar também porque o Chefe de Estado abriu um pouco para os convívios sociais depois de cerca de dois anos de contenção e a tendência é de… recuperar o tempo perdido.
O meu amigo convidou-me para um casamento da sua sobrinha; enquanto o amigo do meu filho convidou-me para cortar bolo com o pai dele que, como eu, completara anos há dias desse Outubro que já se foi. Lá nós fizemos nós à nossa lamentável N1 - sobre a nossa "auto-estrada", já escrevi alguma coisa que tarda em ser tida em consideração. Entre outras coisas, queixava-me de ao longo da via não haver chapas que ajudem a saber onde se está e quanta distância mais falta para certos pontos. Para meu azar, até a chapa que indicava que se está a entrar para a província de Gaza, ido de Maputo, ali em Incoluane, já não está mais lá… só andar, não sabes se ainda estás numa província ou já estás noutra!
Mas voltemos ao nosso Chibuto. Cerca de 10 horas daquele sábado, lá estávamos nós nas ruas de Chibuto. Tanta agitação nas artérias como aquela, só se via quando o Moçambola escalava aquelas “lides”, quando o saudoso Clube do Chibuto recebesse o seu adversário! O dia em que houvesse jogo em Chibuto eram enchentes de toda a ordem, toda a gente da província e das vizinhas ia lá parar. Como dirigente desportivo, desloquei-me várias vezes para acompanhar os jogos do nosso Campeonato Nacional.
Naquela manhã de sábado, era um pouco a mesma coisa. Caravanas para aqui e para acolá pelas parcas ruas e ruelas de Chibuto, buzinadelas, sessões de fotografias aqui e acolá. A entrada do Registo Civil, bem como as ruas adjacentes estavam bem apinhadas de senhoras em vestidos de casamento e de gente de fato e gravata. Nem havia distanciamento social ali!...
Tratava-se de casamentos. Tanto quanto nos foi feito saber, havia pelo menos três casamentos, a um dos quais eu era convidado. Decorreu a cerimónia do registo civil e, depois de umas voltitas pela urbe, fomos desaguar no… Desheng Comercial (Golden Peacock Resort Hotel)! Um imponente hotel que os chineses construíram na então pacata cidade de Chibuto e que faz dele não mais pacata!... vinte e dois quartos standard, três casas tipo três e quatro casas tipo dois - portanto, 39 camas no total. Além de hotel, tem um grande super-mercado, com tudo lá dentro, uma série de lojas, padaria e uma bomba de combustível. Consta que pessoas de diferentes pontos da província de Gaza vão para ali fazer compras.
Aquilo tem espaço que nunca mais acaba! Além do hotel, tem quatro grandes salões de eventos diversos, incluindo casamentos e aniversários, e um espação para quem prefira esticar uma tenda. E os três casamentos foram lá, ordeiramente, realizar-se; distanciamento social observado, tudo organizado.
O nosso casamento correu muito bem. Senti-me… como se estivesse em Maputo! É que é em Maputo onde a gente faz de tudo. Ou Maputo, ou as capitais provinciais ou grandes cidades ou vilas… um distrito, não costumamos encontrar grande e bons serviços. Senti-me bem que Chibuto tenha salões de festas dessa dimensão, espaçosas e de qualidade standard. Pena é não serem muitas. Na verdade, não tenho conhecimento de muitos mais salões em Chibuto.
Agora, a minha dor e indignação é que este colossal espaço, empreendimento ou infra-estrutura não é propriedade de moçambicanos. É dos chineses! Não que devesse ser só e só de moçambicanos, somos uma economia de mercado, precisamos de investimentos e não nos podemos fechar. Hoje por hoje, o mundo está globalizado e mesmo os moçambicanos podem ir investir… na China!
A questão é: afinal, onde é que nós estamos a investir? Onde é que nós investimos? Onde é que nós estamos? Eu incluído! Estamos à espera de quê mesmo! Temos que investir, compatriotas, sob o risco de chorarmos porque os chineses estão a fazer!
Semana passada, este espaço foi dedicado ao nosso Movimento Democrático de Moçambique - versão portuguesa do Movement for Democratic Change!, que temos na vizinhança. Nada me tira da cabeça que o nosso não teve como inspiração aqueles. Nas nossas linhas, deixávamos grafada a nossa profunda decepção com o “galo” por não ter sido aquele “galo de que estávamos à espera”! A inspiração pelos “movimentos para as mudanças democráticas'' dos vizinhos não passaram disso mesmo, não serviram para um sério aprendizado sobre como organizar e gerir um partido político. A preocupação foi de tal sorte que acabamos não dando o devido tratamento a um outro aspecto muito importante na nossa vida em geral: a forma como elegemos os nossos dirigentes.
Voltemos ao MDM, a despeito de que não é somente com o MDM que assistimos a incoerências e incongruências. Tudo entre nós é farinha do mesmo saco! A forma como “aparecem” os nossos dirigentes dentro das formações políticas e não só são histórias e histórias de encher livros.
Como todos sabemos, muito proximamente, o Movimento Democrático de Moçambique vai a votos para eleger o sucessor de Daviz Simango. Sabemos igualmente que havia três candidatos, mas que um, o José Domingos, está em vias de ser excluído, alegadamente porque não conseguiu reunir a papelada necessária. A ser verdade que não conseguiu reunir o expediente suficiente, é caso para perguntar: como é que alguém que não consegue organizar papelada pode ser bom dirigente? Um bom dirigente é, necessariamente, uma pessoa organizada, bem planificada!
Mas… adiante. Um cenário ideal seria aquele em que os três candidatos apresentassem aos militantes do MDM os seus manifestos eleitorais; aquilo que outros chamam de “compromisso”! Um documento bem elaborado, no qual desenvolvem as suas ideias de governação partidária, de gestão e organização, o que pretendem fazer do e no partido, a estratégia que vão seguir e tudo mais alguma coisa para pôr a turma relevante. E os militantes do partido teriam a oportunidade de ler, conhecer, perceber e debater as ideias dos que pretendem ocupar a cadeira cimeira; e daí fazerem a escolha do que lhes parecer melhor! Seria muito bonito!
Nada! Puro romantismo. Não é isto que estamos a ver. Não sei se há algum documento de cada um dos concorrentes. O “manifesto”... que achei mais interessante é de Domingos, que diz que é o melhor candidato a suceder a Daviz porque trabalhou muito tempo com ele. Só e só isso. Ou seja, tudo quanto se propõe a fazer, se for eleito presidente, é copiar o que o falecido lider emedemista fazia… O que ele pensa, o que tem na cabeça, nheto! E o que é que Daviz Simango fazia?… é o que tentamos resumir na crônica passada! Portanto, com Domingos teremos “mais do mesmo”! Por outras palavras ainda, nada de significativo!
Mas esta não é apenas trafulhice do Movimento Democrático de Moçambique! É de todos. Grandes e pequenos! E é de quase todas as nossas instituições. Raramente ouvimos falar de manifestos dos candidatos à liderança dos partidos. Nalguns nem há ou deve haver candidatos, os candidatos são candidatados! Bom seria que nos nossos partidos políticos tivéssemos candidatos munidos dos seus manifestos, das suas ideias, das suas propostas de governação e que os militantes tivessem a oportunidade de, livremente, escolherem aquelas ideias que lhes parecerem melhor articuladas, bem conseguidas, adequadas ao momento e aos desafios que o país vive.
O partido Frelimo já começou, aquando da eleição de candidatos a edis. Um movimento bastante desusado, em que os candidatos tinham que apresentar ideias, tinham que dizer o que pretendem ir ali fazer. Mas precisa consolidar. Precisa de fazer deste procedimento um método próprio do partido e alargá-lo a todos os outros escalões, incluindo o mais alto. Esperemos é que todos os outros, incluindo a Renamo e outros, enveredem pelo mesmo caminho.
Enquanto as nossas instituições políticas e outras continuarem a candidatar os candidatos, teremos tudo menos democracia real e não nos devemos queixar quando os outros nos dizem que a nossa democracia está muitos passos atrás!
Nas nossas aulas da escola secundária, os professores começavam por nos ditar o sumário das aulas que iriamos ter nesse dia. Não sei se isso ainda se faz nos dias de hoje. Vou, neste texto, seguir esse método, começar com o sumário o qual não seja: MDM, um projecto adiado! Ou MDM, uma decepção total!
A morte precoce de Daviz Simango trouxe a nu a impreparação, a imaturidade, a falta de consistência e de coesão e consequentemente o aborto que não é o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a despeito de um slogan muito bem conseguido que convoca muita crença, patriotismo, confiança, simpatia e adesão - Moçambique para Todos! Este ideal chegou mesmo a atrapalhar as grandes formações políticas e a atrair intelectuais e académicos. Mas… tudo se foi e continua se esfumando!
Quando esta formação política apareceu, ficou a expectativa de que seria aquela que iria suplantar uma Renamo que teimava em não ser um partido organizado, estruturado, elaborado e articulado. Tínhamos uma Renamo que aprofundava a desorganização interna, desdemocratizava-se galopantemente e era cada vez mais Dhlakama e só ele. Com o MDM, a democracia moçambicana esfregava as mãos de contente; pensava-se que aquele grupo de jovens empolgados iria verdadeiramente fazer diferença: estaria profundamente comprometido com a democracia, transparência, boa governação, unidade nacional, profissionalismo, maturidade e oportunidade igual para todos os “mdmeiros”, mas também para todos os moçambicanos. E ainda começaram mais ou menos bem, com resultados muito promissores, pelo menos na Assembleia da República.
Contra todas as expectativas e muitíssimo cedo, madrugada até, viu-se uma autêntica debandada de muitas figuras políticas de proa competentes, de créditos firmados, que tinham deixado, decepcionados, a Renamo também cheios da convicção de que a nova organização seria totalmente diferente da Renamo de Afonso Dhlakama. Gente que tinha deixado a “perdiz” com todo o entusiasmo de ir fazer um partido sério de jovens, para jovens, moderno, que vá de encontro à expectativa dos moçambicanos de terem uma democracia saudável, com uma oposição organizada, capaz, competente, à altura, democrática e… pura ilusão. Era a segunda decepção. E a democracia moçambicana averbava também é uma vez mais uma violenta derrota… decepção.
Afinal a nova organização política tinha aprendido bem o essencial da progenitora Renamo: desorganização, desdemocracia, intransparência, nepotismo, ineficiência, imaturidade e pouco profissionalismo - ninguém jamais se esquecerá da forma como foram constituídas (a dedo do presidente) as listas de candidatos a deputados. Tudo isto receita bastante para o descalabro que se seguiu. Se nas eleições de 2014 tinha conseguido eleger 17 deputados, o dobro do conseguido nas eleições debutantes, em 2009, que foram oito (8), em 2019 registaram uma queda que não deixou de ser estrondosa, cifrando-se apenas nos seis (6) deputados, perto de um terço do que conseguira anteriormente!
E eis-nos aqui: numa democracia sem oposição digna desse nome. Organizada, com órgãos a funcionar devidamente - comissão política (ou nacional), comité central (ou nacional), secretariados (do comité central/nacional, provincial, distrital e de localidade), congressos (a realizarem-se regularmente). Todos estes órgãos a funcionarem normalmente e a produzirem ideias úteis. Uma oposição com ciência da sua existência e do seu papel em uma democracia: a produzir ideias alternativas para a solução dos problemas do povo; a criticar racionalmente as políticas e estratégias governamentais. Uma oposição a praticar o evangelho de democracia e boa governação, bem como a transparência! Nada!
Além desta profunda decepção, o MDM ainda nos brinda com algo pior: uma inovação no processo de eleição dos órgãos do partido. Estão agora no frenesim de escolher o sucessor de Daviz Simango. O razoável numa organização política normal é os candidatos afirmarem-se através de manifestos políticos, convocar-se um congresso e os delegados, transparentemente eleitos, elegerem os órgãos em causa. O MDM vem com a inovação de que as delegações (secretariados) provinciais, muito antes do congresso, declaram as suas escolhas, os seus candidatos. Já sabemos que Maputo está com Rongwane, Manica com José Domingos e… Sofala com Lutero!
Que eleições teremos no MDM? Que MDM teremos para fazer face aos grandes desafios dos moçambicanos? ZIRÔOO!