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3 de June, 2025

Projecto SUSTENTA: Analistas estranham reacção do Ministro da Agricultura ao programa que ajudou a gerir

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Está a causar estranheza à sociedade, em particular aos especialistas do sector agrário, a forma como o Ministro da Agricultura, Ambiente e Pescas, Roberto Mito Albino, respondeu aos jornalistas, na passada sexta-feira, quando questionado sobre o estágio do Programa SUSTENTA, a principal bandeira de governação de Filipe Jacinto Nyusi.

“Que projecto?! Não sei. Estou a desenhar o programa de desenvolvimento da agricultura deste país neste mandato. É sobre isso que eu falo”, disse Roberto Mito Albino, com cara de espanto, de quem nunca ouviu falar do programa, cuja fase piloto foi implementada no Vale do Zambeze, onde desempenhou as funções de Director-Geral.

Gerido, primeiro, pelo então Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (2015-2020) e depois pelo extinto Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (2020-2024), ambos liderados por Celso Ismael Correia, o Projecto SUSTENTA foi lançado em 2017, com objectivo de financiar insumos agrícolas às comunidades, a taxas de juro zero, assim como disponibilizar tecnologia, represas e outras formas de produção com taxas bonificadas para os pequenos agricultores e as médias empresas.

O projecto era avaliado em mais de 16 mil milhões de Meticais, financiados pelo Banco Mundial, sendo que, na fase-piloto, foi implementado em 10 distritos das províncias de Nampula e Zambézia (em cinco distritos em cada província), as mais populosas do país e que apresentavam, paradoxalmente, os maiores índices de pobreza e de produtividade, envolvendo 125 mil famílias, beneficiando assim mais de 700 mil pessoas.

Em 2020, o projecto foi alargado para as restantes províncias do país, com a intenção de tornar Moçambique livre da fome até 2024, tal como se comprometera Filipe Jacinto Nyusi, durante o seu discurso de tomada de posse para o seu segundo mandato.

João Feijó, professor universitário e investigador do Observatório do Meio Rural (OMR), organização da sociedade civil que se dedica a estudos e pesquisas sobre políticas relativas ao desenvolvimento rural, é uma das pessoas que estranha a reacção de Roberto Albino.

“É muito estranho que ele tenha falado dessa forma, que tenha mostrado tamanho desconhecimento de algo que foi executado num mandato em que ele era membro, pois, era funcionário da agricultura”, defende Feijó, para quem o novo Governo segue mesma lógica de inventar “fórmulas mágicas” para resolver os problemas.

“Os novos governos têm sempre a tendência de inventar a fórmula mágica de resolver todos os problemas, quer sejam da agricultura, da saúde ou da educação. Cria o seu projecto, o seu marketing, o seu aparato mediático para vender essa fórmula mágica. Tem os seus respectivos financiamentos e obedece à agenda que ele escolheu inserir e a verdade é que, cinco ou 10 anos depois, nada muda”, defende o académico.

“Era bandeira do antigo Ministro e os novos vão querer demarcar-se e vão inventar a sua fórmula mágica, com discursos ideológicos, mas a verdade é que não vão mudar grandes coisas”, sublinha.

Segundo Feijó, especialista em Estudos Africanos e com investigações nas áreas de pobreza, desigualdades e conflitos, nos últimos 50 anos, o país não teve qualquer mudança estrutural na agricultura, sendo que a única tecnologia conhecida pela maioria dos agricultores é o uso da enxada de cabo curto. “Ninguém utiliza adubos ou fertilizantes, estamos à espera de cair água na quantidade certa, na altura certa e no lugar certo e o SUSTENTA não mudou estes valores”, constata o académico, frisando que o SUSTENTA era uma fórmula inspirada no sistema de assistência às populações, um modelo que, segundo ele, deu certo no tempo colonial.

“Mostra desalinhamento dentro do partido Frelimo” – Abel Sainda

Quem também estranhou a reacção do Ministro da Agricultura é Abel Sainda, especialista em gestão e coordenação de programas de desenvolvimento. “É estranho que o Ministro reaja com desconhecimento ao projecto SUSTENTA, tendo sido ele o Director-Geral do Vale do Zambeze, onde iniciou o projecto-piloto do SUSTENTA”, afirma Sainda.

“Não sei o que quis transmitir, mas é muito estranho até porque era bandeira do anterior Governo” e “o Vale do Zambeze agrega maior volume dos investimentos da agricultura e foi lá onde boa parte do dinheiro foi alocado”, sublinha a fonte, acrescentando que, durante a passagem de pastas, em Janeiro último, “uma das questões colocadas foi a continuidade dos processos iniciados pelo SUSTENTA”.

Por isso, para o activista, a atitude de Roberto Albino “mostra um total desalinhamento em termos de política e visão de desenvolvimento do país a nível do partido Frelimo”. “O que ele quer é lavar a cara, mas a filosofia é a mesma. O Governo, neste momento, não está com nenhuma ideia ou pressuposto de desenvolvimento agrário, para além daquilo que o SUSTENTA tinha desenhado”, sentencia.

Os extensionistas são importantes para aumentar a produção e produtividade

Para além de ter manifestado desconhecimento da existência de um projecto denominado SUSTENTA, Roberto Albino disse, ainda na semana finda, durante a sessão de perguntas ao Governo, no Parlamento, que os extensionistas serão transformados em produtores de comida, uma visão contrária à do Governo de Filipe Nyusi, em que estes prestavam assistência técnica aos pequenos agricultores. Aliás, a formação e contratação de extensionistas foi uma das apostas de Celso Correia e Filipe Nyusi, através do SUSTENTA.

Para João Feijó, os extensionistas são de grande importância, na medida em que assistem aos agricultores em termos de técnicas de cultivo, escolha do tipo da semente e insumos. “O problema é que para teres uma rede extensionistas, primeiro, devem ser distribuídos em locais certos e é preciso que eles tenham condições de trabalho”, afirma o académico, sublinhando que tal facto não se verificava na anterior governação.

“Também é estranho que ele diga que os extensionistas virarão produtores, pois, essa era uma das filosofias do SUSTENTA, porque, para além de prestar assistência aos agricultores também teriam campos de aprendizagem, onde os agricultores iriam aprender as técnicas com os extensionistas”, afirma Abel Sainda.

“O outro ponto é que os extensionistas do SUSTENTA (cerca de dois mil) foram contratados fora do sistema nacional de extensão, o que mostra que a intenção não era de melhorar a nossa produção olhando para os pequenos agricultores, mas sim dar lugar aos grandes negócios, como a produção de monoculturas para a exportação porque é a filosofia dos investimentos ligados ao Banco Mundial, que está preocupada com culturas de exportação e não de consumo local (banana, soja, macadâmia e o café)”, acrescenta.

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