Um forte buzinão tomou conta de Maputo ontem à tarde, num novo momento de protestos pós-eleitorais, com carros preenchidos com cartazes de apoio ao candidato presidencial Venâncio Mondlane a apitar, enquanto alguns grupos entoavam o hino nas ruas.
Na avenida Eduardo Mondlane, central e palco, de manhã, do violento atropelamento de uma jovem manifestante por uma viatura militar – que levou a várias horas de fortes confrontos com a polícia –, as barricadas improvisadas com contentores do lixo, pedras, paus, pneus e até canos de esgoto de grandes dimensões permaneciam montadas à tarde e só depois das 16:00 locais (menos duas horas em Lisboa) a circulação automóvel começou a regressar a alguma normalidade.
Quase todos circulavam com cartazes pedindo “justiça eleitoral” ou “salvem Moçambique”, conforme apelo de Venâncio Mondlane para quarta, quinta e sexta-feira, por entre um forte buzinão, como em outras partes da cidade.
Às 15:30 locais, pequenos grupos juntaram-se a cantar o hino de Moçambique nas ruas, outro dos pedidos de Venâncio Mondlane, munidos de cartazes, apitos, vuvuzelas e bandeiras nacionais, como junto à estátua do histórico Eduardo Mondlane, aqui com elementos da Unidade de Intervenção Rápida, fortemente armados, que vigiavam qualquer tentativa de acesso ao local, mas sem novos incidentes.
“Nós estamos aqui reunidos para levantarmos os nossos cartazes e dizer chega de nepotismo, chega de tribalismo, chega de corrupção, chega de pobreza, chega de analfabetismo. Este país aqui não é de um punhado de pessoas, este país é dos moçambicanos. Então, estamos a lutar em prol de Moçambique”, explicava, perto da estátua, com a bandeira na cabeça, Conde Nazaré.
Uma “luta” que, sublinhava, “não é para um partido, não é para o Venâncio, não é para o Podemos” - partido que apoia aquele candidato presidencial -, “mas sim para os moçambicanos viverem da melhor forma, condigna”. “A nossa luta não é somente para o processo eleitoral, hoje. É para que haja uma Justiça hoje, até sempre”, acrescentava.
Enquanto entoava o hino, à hora marcada, no centro de Maputo, Lúcia José aproveitava para acrescentar outras reivindicações ao protesto de ontem. “Estou aqui para exigir mais direitos de cidadania, que são violados. Eu sou uma moçambicana, mas estou com todos os direitos limitados (…). Não tenho emprego, os meus filhos não têm emprego, a família toda não tem emprego, não tenho influências. Aqui só se tem emprego quando se tem influências”, atirava Lúcia, para logo a seguir desabafar: “Eu agora estou a correr o risco, por estar aqui a falar. Mas estou aqui a exigir os meus direitos”.
Ao lado, Adalia Chambal cantava e dançava ao som de vuvuzelas, empunhando um cartaz dizendo que o povo está “de saco cheio”: “Estamos a protestar sobre tudo o que se passa sobre nós. Nós temos direitos e deveres. Temos o direito de ser livres”.
Com o final de tarde a cair sobre Maputo num dia de temperaturas a rondar os 40 graus, por entre pingos de chuva e uma forte ventania, que levava o lixo espalhado durante a manhã nos confrontos com a polícia, centenas tentavam procurar forma de regressar a casa, espalhados pelas paragens, face à escassez de transportes públicos que se sentiu todo o dia, até porque zonas centrais da capital estiveram intransitáveis desde as 08:00 locais, devido às barricadas dos manifestantes.
Enquanto isso, outros despediam-se com um “até às 21:00”, hora marcada para “bater panelas” à porta de casa, em contestação ao processo eleitoral. O candidato presidencial Venâncio Mondlane apelou à população moçambicana para, durante três dias, a partir de hoje, abandonar os carros a partir das 08:00 nas ruas, com cartazes de contestação eleitoral, até regressarem do trabalho.
Pelo menos 67 pessoas morreram e outras 210 foram baleadas num mês de manifestações, desde 21 de outubro, de contestação dos resultados das eleições gerais em Moçambique, indica a atualização feita sábado pela Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana Plataforma Eleitoral Decide.
O candidato presidencial Venâncio Mondlane tem convocado estas manifestações, que degeneram em confrontos com a polícia - que tem recorrido a disparos de gás lacrimogéneo e tiros para dispersar -, como forma de contestar a atribuição da vitória a Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), com 70,67% dos votos, segundo os resultados anunciados em 24 de outubro pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional. (Lusa)