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14 de Outubro, 2021

“Dívidas Ocultas”: Contraditório submetido à PGR culpa Governo pelo fracasso das três empresas

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Continua repleto de novidades e contradições o julgamento do Processo de Querela nº 18/2019-C, relativo às “dívidas ocultas”, em curso nas instalações da Penitenciária da Máxima Segurança, actual “quartel-general” da 6ª Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo.

 

Depois de, na semana finda, termos ficado a saber que a EMATUM (Empresa Moçambicana de Atum) foi criada com o objectivo de realizar trabalhos de espionagem no mar, na última segunda-feira, soubemos que a equipa gestora das três empresas caloteiras submeteu, à Procuradoria-Geral da República, o seu contraditório ao Relatório de Auditoria produzido pela Kroll. O documento foi submetido no dia 17 de Agosto de 2017, dois meses depois da publicação do Sumário Executivo.

 

O referido contraditório foi lido na última segunda-feira pela defesa de António Carlos Do Rosário, PCA da EMATUM, MAM e PROINDICUS à data dos factos, alegando que o mesmo não constava do relatório da Kroll. Aliás, a defesa do “Indivíduo A” do relatório da Kroll pediu a nulidade daquele documento como prova pericial, um pedido indeferido pelo Tribunal.

 

Mas o que diz o referido contraditório?

 

Em geral, o documento explica as razões das discrepâncias constatadas pela Kroll nas contas das três empresas; explica as razões da não operacionalidade, até 2017, das três empresas; refuta a ideia de não ter colaborado com os auditores; assim como debruça-se em torno do destino dado aos 500 milhões de USD, que a auditoria constatou terem sumido do Ministério da Defesa Nacional.

 

Lido em aproximadamente 35 minutos, o documento culpa o Governo pelo fracasso das três empresas criadas no âmbito do Projecto de Protecção da Zona Económica Exclusiva. Refere, por exemplo, que a PROINDICUS não celebrou nenhum contrato de prestação serviços com as multinacionais que operam na bacia do Rovuma pelo facto de o Governo não ter publicado, no Boletim da República, o contrato de concessão assinado entre este e àquela empresa.

 

Em relação à MAM (Mozambique Asset Management), o contraditório destaca a demora na entrega das instalações onde seria montado o estaleiro. Revela que o acordo de cedência das instalações foi assinado em Agosto de 2013 pelo Director do SISE (Gregório Leão) e pelos Ministros das Finanças (Manuel Chang) e dos Transportes e Comunicações (Paulo Zucula), mas as instalações só foram entregues em Dezembro de 2016. Explica que a demora condicionou os prazos para conclusão das obras e, consequentemente, o processo de transferência de tecnologia acordada entre a Privinvest e a PROINDICUS.

 

Para além da demora na entrega das instalações, o contraditório defende que a dependência operacional também prejudicou a MAM, pois esta não podia operar, enquanto a PROINDICUS e a EMATUM não estivessem em funcionamento.

 

Já a paralisação da frota da EMATUM, diz o contraditório, deriva da falta de capital de giro ou financiamento para a criação de todas as condições necessárias para a sua operacionalização, pois, até 31 de Dezembro de 2014, a empresa tinha recebido nove embarcações.

 

O projecto nunca foi secreto

 

O contraditório submetido à PGR defende que o Projecto de Protecção da Zona Económica Exclusiva nunca foi secreto, pois, desde o primeiro dia, altos quadros da República de Moçambique e corpo diplomático acreditado em Moçambique estiveram a par do mesmo e, como provas, cita os exercícios da Marinha de Guerra realizados na baía de Maputo em Setembro de 2014 e a parada militar que teve lugar no dia 25 de Setembro de 2014, no Estádio Nacional do Zimpeto, no âmbito das celebrações dos 50 anos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique.

 

“É falacioso dizer que, em 2015, o Governo desconhecia a existência de créditos concedidos à MAM e PROINDICUS, porquanto, o Governo transformou os títulos da dívida da EMATUM em Eurobonds, mesmo considerando que os contratos de financiamento das outras empresas obedeceram a mesma estrutura e seguiram os mesmos procedimentos”, explica o documento, sublinhando que o Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, pagou os juros da dívida da PROINDICUS, em 2015. Aliás, considera que estes pagamentos tinham o objectivo de mostrar que as empresas eram viáveis e que não haveria necessidade de o Estado suportar os encargos da dívida.

 

O contraditório diz ainda que foi Adriano Maleiane quem propôs a divisão do empréstimo da EMATUM (850 milhões de USD) em valor comercial (350 milhões de USD) e componente defesa (500 milhões de USD), pelo que não entende as razões de ainda se falar do sumiço do valor da componente defesa.

 

Críticas à auditoria da Kroll

 

No contraditório, António Carlos Do Rosário e a sua equipa criticam Kroll por ter alegadamente ignorado alguns aspectos. Dizem, por exemplo, que aquela firma disse ter pedido parecer de um especialista para avaliar os bens das três empresas, porém, não avança o seu nome e suas qualificações para se aferir o nível de seriedade e fiabilidade da sua avaliação. Diz também que a avaliação feita pelos auditores não abrange bens intangíveis, como a transferência de tecnologia e a propriedade intelectual.

 

Negam ter fornecido dados financeiros limitados, pois, a PROINDICUS, por exemplo, forneceu contratos de fornecimento inicial, de extensão, de reestruturação do crédito e de fornecimento de equipamento; a solicitação de crédito de 372 milhões de USD e a sua respectiva garantia bancária; a solicitação de utilização de 100 milhões de USD, de 32 milhões de USD e 118 milhões de USD; balancetes de 2013, 2014, 2015 e 2016; demonstrações financeiras auditadas de 2013 a 2014; extractos bancários de 2013 a 2016; comprovativos de pagamento de juros ao Credit Suisse referentes a 2014 e 2015; a relação dos activos da empresa; entre outros documentos relacionados ao fornecimento de equipamento naval e aeronáutico.

 

O contraditório explica não haver qualquer problema em António Carlos Do Rosário ser gestor das três empresas até porque não é o primeiro no mundo nessa posição, mas também porque as três empresas têm a mesma filosofia de funcionamento.

 

Referir que António Carlos Do Rosário disse, em Tribunal, ter deixado de cooperar com a PGR por ter permitido a entrada da Kroll, uma empresa tida como de espionagem. Consta, aliás, que durante os trabalhos de auditoria Do Rosário terá escorraçado os auditores do seu Gabinete.

 

Sublinhar que a auditoria às três empresas decorreu entre Novembro de 2016 e Maio de 2017, tendo sido patrocinada pelo Governo sueco. O Sumário Executivo foi divulgado em Junho de 2017 com os nomes dos envolvidos no escândalo codificados. (A. Maolela)

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