Onde está o dinheiro!? Por que reluta, afinal, Moçambique em entregar as receitas de companhias aéreas estrangeiras que voam de e para o país? As dificuldades das agências de viagens moçambicanas em entregar as receitas em dólares da venda de bilhetes às companhias aéreas estrangeiras levaram à dívida de 205 milhões de dólares. O que gerou uma crítica severa da Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês). Apurou “Carta” de fonte oficial e especialista em aviação comercial. “As transportadoras aéreas estrangeiras vendem bilhetes em Moçambique, através das agências de viagens que operam no país, e essas passagens são vendidas em meticais, mas os valores das receitas correspondentes devem ser entregues às companhias aéreas em dólares”, afirmou a fonte. Devido à escassez de divisas no mercado cambial moçambicano, prosseguiu, não tem sido possível mobilizar os montantes necessários para essa operação, situação que gerou o que a IATA qualifica como “bloqueio de fundos das companhias aéreas”, avançou.
Texto: José Machicane & Milton Machel
“Parece estranho, porque a relação entre as agências de viagens e as companhias aéreas comerciais é privada e puramente comercial, mas quando toca a mobilização de divisas, já se envolvem canais oficiais, como o banco central”, assinalou a fonte.
O perito em aviação comercial notou que o facto de a IATA ter enviado uma carta ao governador do Banco de Moçambicano manifestando preocupação e necessidade de urgência no desbloqueio dos recursos demonstra que se trata de um problema com contornos de cariz cambial, acrescentou.
Aliás, continua, o director regional da IATA faz uma referência clara às dificuldades económicas que Moçambique enfrenta, admitindo, implicitamente, que reconhece que há constrangimentos para a remuneração das companhias aéreas pelas operações que realizam no país.
IATA quer resolução urgente dos fundos bloqueados
A fonte da “Carta” salientou que a actual conjuntura lesa seriamente a confiança entre as transportadoras aéreas internacionais e os seus parceiros moçambicanos, nomeadamente as agências de viagens. “Ao não canalizarem as receitas decorrentes da venda de passagens, há uma flagrante quebra contratual e de confiança. A ameaça de companhias aéreas internacionais de deixarem de voar para Maputo é clara na carta do director regional da IATA. É como se os seus parceiros moçambicanos não fossem credíveis”, observou.
A Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) tem endereçado duras críticas ao Banco de Moçambique pela escassez de moeda externa, nomeadamente, o dólar no mercado cambial moçambicano, acusando o regulador financeiro de estar a provocar danos à economia do país.
Na carta que endereçou às autoridades moçambicanas, o director da IATA da Região Sul e Oriental de África, Alex Stancu, insta o Governo moçambicano a libertar 205 milhões de dólares de companhias aéreas, que Maputo “bloqueou”, alertando para o risco de transportadoras abandonarem a sua operação em Moçambique.
“Escrevo para alertar para uma situação preocupante que afecta as companhias aéreas que operam em Moçambique: o crescente desafio provocado pelos fundos bloqueados”, lê-se na carta, datada de 03 de Junho.
“Esta situação está a tornar-se cada vez mais insustentável para as transportadoras, obrigando várias a reconsiderar as suas operações em Moçambique”, avisa Alex Stancu, na missiva com a epígrafe: “Resolução urgente dos fundos bloqueados das companhias aéreas”.
Uma possível redução dos serviços aéreos pode provocar sérias consequências, afectando conectividade, comércio, turismo e, no geral, toda a actividade económica, prossegue.
Rogério Zandamela assobia e dispara para os lados
Mas o governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, rebate essas acusações, afirmando que há disponibilidade de divisas. E não perde uma ocasião para contra-atacar. Desta feita, há dias, durante uma conferência de imprensa, o xerife Zandamela atirou contra alguns empresários que, durante as manifestações pós-eleitoral, procuraram de forma oportunística e arrivista dolarizar os seus activos temendo perder dinheiro com a desvalorização da moeda nacional, face à balbúrdia que o País enfrentava.
Esses empresários, segundo o Governador do banco central, “naquele período da tensão, usavam a justificação das importações para movimentar divisas. Tudo resultante da tensão, das ansiedades que as pessoas tinham com a situação que se vivia. Muitos não tinham confiança no que acontecia e muitos começaram a dolarizar os activos financeiros e não financeiros”, fenómeno que se registou de forma ”muito forte” no início do ano (2025), asseverou Zandamela.
A artimanha foi denunciada pelos bancos comerciais, segundo o chefe máximo da gestão da política monetária no país. “Essa pressão de blindar-se pela dolarização e não com Metical era uma estratégia para dizer que independentemente do que acontecer, eu estou bem”, disparou Zandamela.
O jogo monetário de Xerife Zandamela, o draconiano
O Banco de Moçambique, no consulado de Rogério Lucas Zandamela, tem gerido de forma draconiana a política monetária nacional. Por um lado, tem apertado ao longo dos últimos anos nas reservas obrigatórias que os bancos comerciais que operam no país devem fazer no banco central, em função dos depósitos. No final de dezembro, essas reservas cifravam-se em 291.457 milhões de meticais, um valor recorde, segundo os registos do banco central.
As reservas obrigatórias dos bancos comerciais na caixa forte do Estado Moçambicano estavam fixadas pelo Banco de Moçambique no coeficiente de 10,5% em moeda nacional e 11% em moeda estrangeira no início de janeiro de 2023. Nos primeiros seis meses de 2023, o banco central aumentou por duas vezes o coeficiente, para “absorver a liquidez excessiva no sistema bancário, com potencial de gerar uma pressão inflacionária”.
O último desses aumentos aconteceu em junho de 2023, atingindo na altura 39% dos depósitos em moeda nacional e 39,5% no caso de moeda estrangeira a ficarem em reserva bancária.
Desde o final de dezembro de 2022, quando ascendiam a 62.144 milhões de meticais, o volume das reservas bancárias à guarda do banco central chegou a aumentar quase 400%.
Face à escassez de divisas no mercado interno, os empresários nacionais pressionaram nos últimos meses do o banco central a aliviar os coeficientes de reservas obrigatórias em moeda estrangeira. O que só aconteceu em 27 de janeiro deste ano, quando o Comité de Política Monetária (CPMO) do Banco de Moçambique decidiu cortar nos coeficientes de reservas obrigatórias em moeda nacional, para 29%, e em moeda estrangeira, para 29,5%. A medida, segundo o comunicado do CPMO visava ”disponibilizar mais liquidez para apoiar a economia na reposição da capacidade produtiva e da oferta de bens e serviços”.
A 26 de março, o governador do Banco de Moçambique voltou a repetir o refrão da sua balada preferida: a liquidez no sistema financeiro, nomeadamente em divisas, é suficiente, após a redução decidida em janeiro dos coeficientes, que não prevê repetir para já.
Por outro lado, o BM de Zandamela tem sido avarento em vender moeda estrangeira para os bancos comerciais, tudo em nome da salvaguarda das reservas internacionais líquidas soberanas. Há cerca de um mês, na abertura do 60.º comité dos governadores dos bancos centrais da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), em Maputo, disse orgulhosamente: “Estamos bem. Estamos em equilíbrio. Estamos razoáveis. Não mencionei aqui nossa posição de reserva, muito acima de cinco meses em termos de cobertura de importação neste momento”.
Em 13 de Abril, as Reservas Internacionais Líquidas (RIL) moçambicanas recuaram novamente em Fevereiro, para 3,5 mil milhões de dólares, o valor mais baixo em cerca de um ano, cobrindo na altura 3,3 meses das necessidades estimadas de importações do país.
As RILs, que asseguram o pagamento ao exterior de bens e serviços por parte das empresas, atingiram em janeiro de 2024 o valor mais elevado desde Setembro de 202: quase 3,6 mil milhões de dólares. Em julho, atingiram os 3807 milhões de dólares, um máximo de três anos.
A 8 de Novembro do ano passado, o governador do BdM asseverou que as reservas de moeda estrangeira do País são confortáveis, mas não eram “para queimar”, apesar das constantes alegações dos empresários sobre a falta de divisas no mercado.
Publicidade internacional negativa
O director regional da IATA avança que as autoridades moçambicanas se mantêm em silêncio, depois de terem sido contactadas, através de cartas dirigidas aos ministros dos Transportes e Comunicações, a 06 de Abril de 2024, e das Finanças, a 21 de Novembro de 2024, ao governador do Banco Central, a 11 de Dezembro de 2024, e ao ministro das Finanças, a 06 de Março de 2025.
As companhias aéreas precisam de um acesso atempado aos seus rendimentos, para poderem suportar as operações, cumprir obrigações financeiras e continuar a prestar serviços aéreos essenciais, diz Alex Stancu. “Devido à contínua deterioração da situação, o assunto foi colocado na agenda da assembleia-geral anual da IATA, realizada entre os dias 01 e 03 de Junho na Índia, atraindo uma grande atenção de vários órgãos de comunicação social”, observa Stancu.
A IATA, continua, reconhece os desafios económicos que Moçambique atravessa e os esforços que o Governo está a empreender para estabilizar a situação. “Contudo, a IATA, respeitosamente, apela ao reconhecimento da aviação, como um sector de grande prioridade, pedindo que os fundos bloqueados sejam prontamente libertados e que haja um acesso adequado à moeda estrangeira tanto para as companhias domésticas, como para as estrangeiras”, observa aquela organização.
Alex Stancu lembra que a IATA representa cerca de 350 companhias aéreas, que controlam 83% do total do tráfego aéreo. “Muitas destas transportadoras aéreas jogam um papel vital no apoio à conectividade, economia e população da República de Moçambique”, nota Stancu, na citada carta.
A IATA frisa que as indústrias de aviação, viagens e turismo são parte do desenvolvimento social e económico de Moçambique e assegurar a viabilidade das operações aéreas vai fortalecer a posição do país como um actor-chave nos mercados regional e global, ajudando a criar emprego e o crescimento económico.