A primeira experiência que tive foi de horror, eu tinha apenas catorze anos. A minha mãe sofria de uma doença desconhecida. Rastejava como um grande lagarto humano. Por vezes contorcia-se lembrando as serpentes em desespero. Na nossa casa, o silêncio era por demais aterrador e os meus dois irmãos mais novos chegaram a um ponto em que já não falavam. De fome. Parecia que estavam num funeral sem fim, assistindo aos seus próprios corpos descendo ao abismo. Vezes sem conta acercavam-se da mamã, abraçando-a sem se importarem com o mau cheiro que exalava. Eles também, como eu, cheiravam mal por falta de banho.
Não tínhamos nada. O papá foi-se embora para onde até hoje ninguém sabe, numa altura em que ainda não podíamos perceber as coisas, e a minha mãe nunca nos explicou sobre o desaparecimento do nosso progenitor porque ela perdeu a fala. Fomos crescendo como filhotes de uma fêmea abandonada. Incapaz. Sem provento. Pior do que isso, uma fêmea decepada por dentro, que vai passar a vida inteira sem poder caminhar. Era doloroso ver minha mãe erguendo o corpo como uma grande salamandra e ir à casa-de-banho para a satisfação das necessidades. E regressava sem se lavar adequadamente porque não tínhamos sabão. Não tínhamos nada. Absolutamente nada. Não sabendo, até hoje, como é que chegamos vivos até àquele limite.
Mas eu já não podia suportar mais uma situação que superava a nossa capacidade de sofrimento. Era um castigo que queimava mais que o fogo do vale de Guehena. Então, precisava urgentemente de fazer qualquer coisa. Tinha de me mover, não como a salamandra encarnada na minha mãe, mas como alguém capaz de abdicar do corpo e entregar-se aos sabujos. Era mais fácil assim, segundo o que eu pensava, do que procurar trabalho com a idade que tinha. Por isso decidi vender-me para alimentar meus irmãos e tentar mudar a vida da minha mãe.
Apesar de criança, eu possuía corpo de mulher. Era bonita, e já tinha consciência de que nenhum homem resistiria aos encantos da minha fisionomia. Era portadora de um activo valioso, que podia ser colocado na mesa das negociações com arrogância. Aliás, antes de entrar nesse carreiro do diabo, já conversava com as minhas vizinhas que tinham uma longa carreira de prostituição e elas falavam-me das manhãs que era preciso ter se quisesse fazer aquele trabalho catalogado no patamar da miséria e dor e vergonha. Até porque fui relutante, porém cheguei ao ponto em que já não aguentava assistir a minha família sucumbindo.
Expus-me resolutamente na montra da noite, preparada para o pior, vestindo saia curta comprada com dinheiro que pedi emprestado a uma daquelas que viriam a ser minhas companheiras das trevas. Sabia que estava entrando para o inferno, porém, nas circunstâncias em que vivia com a minha mãe e meus irmãos, eu precisava entrar no inferno, para dar o Céu aos meus irmãos. À minha família. Não era o prazer que me chamava, mas o dinheiro, esse metal do diabo, sem o qual não haverá pão em casa.
Parou ao meu lado um carro de luxo e o homem que ia ao volante convidou-me gentilmente a entrar. Já me tinham dito, as minhas amigas, que eu valia ouro, por isso não devia brincar em serviço, ou seja, tinha de cobrar de acordo com o meu estatuto. E foi isso que fiz. Sem saber, todavia, que a experiência seria amarga.
Eu era virgem, e o homem, ao aperceber-se disso, despejou sobre mim todo o seu sadismo. Estuprou-me com violência e ainda me revirou como carne na grelha, sem se importar com o sangue que molhava os lençóis da pensão. Eu gemia de dor e ele castigava-me mais a cada gemido.
Voltei para casa de madrugada. Esfarrapada no corpo e na alma. Revoltada. Decidida a nunca mais voltar a entregar-me às noites. Mas era mentira. Nesse dia, a luz materializou-se na nossa casa. Comemos pão com salada e peixe frito, como nunca o tínhamos feito. Os meus irmãos tomaram banho com sabão. E a minha mãe, sem me dizer nada, chorou por perceber tudo. E comeu a comida da ignomínia. Mas tinha que comer para sobreviver.
Tornei-me profissional depois de todas as dores. A minha ferramenta era o corpo. Usado e abusado, mas era uma importante jazida de rubis. Comprei um apartamento. Levei a minha mãe ao tratamento médico na África do Sul, de onde regressou curada. Os meus irmãos estão formados, com a universidade paga pelo meu corpo subjugado. Mesmo assim, continuo a ser uma cobra, apesar das vestes de púrpura que me cobrem.