Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

13 de Janeiro, 2025

Nova forma de contestação popular: terrenos da elite invadidos e retalhados no Grande Maputo

Escrito por
Uma onda de invasão e usurpação de terras alheias na província de Maputo, que supostamente não estão a ser usadas pelos legítimos proprietários está a ser levada a cabo pela população das redondezas. Os invasores alegam que os terrenos servem para albergar cobras e, noutros casos, criminosos e violadores de mulheres.
 
Aponta-se como ponto de partida o município da Matola-Rio, onde populares, após identificarem terrenos ociosos, mandaram “passear” as entidades supostamente responsáveis pelo parcelamento de terrenos e, assumindo a tarefa, começaram a parcelar para benefício próprio.
 
A prática foi se replicando em vários outros municípios, chegando ao ponto de obrigar as edilidades a tomarem as rédeas do assunto, antes que a desordem tomasse proporções ainda maiores. No meio deste cenário, terrenos e quintas da elite política pertencente à Frelimo não escaparam à fúria popular.
 
Numa ronda feita pela “Carta” no Município de Marracuene, várias quintas, algumas inclusive com vedação, foram tomadas pela fúria popular e divididas entre os interessados, até mesmo por quem não sabia o que fazer com a sua parcela.
 
Inicialmente, escalámos a quinta de Manuel Chang, actualmente detido nos Estados Unidos da América em conexão com as dívidas ocultas. Chang é membro da Frelimo e antigo Ministro das Finanças. A sua quinta localiza-se em Marracuene, à beira da estrada, num espaço totalmente vedado. Na propriedade, encontram-se erguidas duas dependências onde residem dois guardas responsáveis pela protecção da área.
 
Parte do muro de vedação foi derrubado e, em conversa com uma das residentes das proximidades, ela contou que a decisão de usurpar o espaço foi tomada pelo facto de a área ser grande e abrigar uma mata extensa donde saem e entram cobras para as residências.
 
“Tomámos esse espaço porque estamos cansados de ver terrenos que não estão a ser usados. O dono só colocou a vedação e nunca mais fez nada, permitindo apenas que o capim cresça. Os guardas que aqui vivem mal conseguem limpar este espaço. Parece não haver lei aqui. Só estamos à espera de ver a Frelimo cair para decidir o que fazer com esse espaço”, disse a cidadã.
 
A mesma opinião é partilhada por Jorge Nhassengo, um dos residentes das proximidades da quinta de Chang. Ele contou à nossa reportagem que os populares também decidiram invadir o espaço onde se encontra o Jardim Botânico de Marracuene, pertencente a um magistrado que pediu para não ser identificado.
 
Nhassengo afirma que, através do diálogo com o proprietário, este decidiu cortar parte do terreno e ceder à população.
 
“O dono deste espaço deu-nos uma parte e, neste momento, boa parte de nós que conseguimos um pedaço de terra aqui pretendemos vender a preços que variam de 10 a 30 mil Mts. Mas para isso aguardamos pela queda da FRELIMO e pela tomada de posse do nosso presidente Venâncio Mondlane. Depois disso, todos os espaços desses chefes serão nossos e vamos vender ou usar para construir casas para quem não tem”, explicou.
 
“Neste espaço saem cobras grandes. Não podemos passar por aqui de noite porque é uma mata grande. O dono não se dá tempo para mandar cortar as árvores e o espaço não está totalmente vedado. Ele usa apenas uma parte onde plantou algumas árvores usadas para tratamento medicinal”, disse Nhassengo.
 
Em contacto com o proprietário do espaço, por sinal portador do Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT), ele confirmou que a população invadiu o terreno e que o caso se encontra no tribunal, aguardando os trâmites legais.
 
Outro espaço que a “Carta” visitou foi o antigo Marracuene Lodge, pertencente a um indivíduo identificado por João Neves. O espaço, de grandes dimensões, está vedado por um muro e dentro da área há alguns apartamentos de tipo 1, com cobertura de palha. No local, a população alegou que decidiu invadir o espaço, alegadamente, porque alberga cobras e bandidos que se escondem nas casinhas. A população lembrou que entre 2020 e 2024 foram encontrados quatro corpos sem vida e atirados naquele terreno.
 
 
Na conversa entre a comunidade e o proprietário, ele comprometeu-se a acabar com as cobras que saem do seu espaço e invadem as residências, mas esclareceu que não poderia oferecer parte da terra antes de consultar os seus sócios. Durante a invasão, vários chefes de quarteirão foram chamados a intervir para conter os ânimos da população. De camarada para camarada, fizeram de tudo para defender João Neves, portador do DUAT (Direito de Uso e Aproveitamento de Terra).
 
Ainda em Marracuene, no bairro Habel Jafar, a quinta de Manuel Tomé, antigo membro da Comissão Política da Frelimo, falecido em Março de 2024, também não escapou à fúria popular. A população invadiu o espaço, fez a divisão e pretende derrubar as árvores que lá se encontram para, posteriormente, decidir o que fazer com o terreno.
 
Facto curioso é que, diferentemente de outras quintas, onde as divisões são feitas com estacas, aqui o parcelamento foi feito com marcos de blocos de construção. Isso demonstra que a população já se considera proprietária do terreno.
 
Já no bairro do Albazine, a população decidiu invadir o espaço da antiga União Geral das Cooperativas. Após a invasão, as ex-cooperativistas sentiram-se injustiçadas e também invadiram o espaço e se intitularam proprietárias, alegando que era uma forma de se indemnizarem.
 
Trata-se, na sua maioria, de mulheres de idade avançada, entre 60 e 80 anos. Num espaço de 15 hectares, elas afirmam que, antigamente, realizavam várias actividades, com destaque para agricultura, avicultura e criação de gado bovino, caprino, entre outras. E, uma vez que o caso se encontra no tribunal há anos, sem nenhuma resposta das autoridades, as ex-cooperativistas intitulam-se proprietárias do local.
 
Em conversa com Adelina Muchanga, ela contou que decidiram invadir esse espaço porque trabalharam nele desde 1983. O patrão prometeu uma indemnização, mas até hoje nada foi feito.
 
“Nós decidimos expulsar a população que invadiu porque este espaço nos pertence. Faz parte das nossas indemnizações, uma vez que o patrão até hoje não disse nada e desapareceu”, disse.
 
“Nós temos processos no Tribunal para indemnizações e até hoje nada aconteceu. Do nada, estamos a ver a população a invadir a nossa propriedade que fomos nós que criamos. Não podemos aceitar isso”.
 
Na Matola Gare, encontramos um espaço pertencente à Escola Cantinho dos Céus, também invadido pela população. No local, vários residentes das redondezas, empunhando paus, catanas, enxadas, decidiram dividir e intitular-se novos proprietários do espaço em questão.
 
Invasão de terras é crime
 
O vereador para área de Habitação da autarquia da Manhiça, Baptista Manusse, explicou que, se o prazo de concessão do terreno tiver expirado, o legítimo proprietário pode perder o espaço. Por exemplo, o regulamento de solos urbanos dá um período de dois anos para o uso da terra, após o qual, se não for usada, o proprietário deve justificar os motivos para que seja concedida uma prorrogação. No entanto, a Lei de Terras dá um prazo de cinco anos para o uso desta mesma terra.
 
“A concessão do espaço tem um prazo, mas o facto de a pessoa não estar a usar pode ter razões justificáveis, como doença ou falta de recursos. Então, é necessário que a entidade concessionária analise o motivo apresentado e tome uma decisão”, explicou.
 
“Quanto aos terrenos vedados, mesmo que tenham apenas árvores, significa que o proprietário está a usar o espaço. Só a vedação já exige custos, e boa parte das quintas são usadas para o plantio de árvores. Nesse caso, a pessoa pode usurpar por questões de ódio ou oportunismo”, frisou.
O jurista Victor da Fonseca explicou, por seu turno, que a usurpação de terras alheias significa que a população está a violar a Lei de Terras – Lei 19/97, de 1 de Outubro, que cria os limites de como os moçambicanos podem adquirir a terra.
 
 “O que temos observado nos últimos dias é que as pessoas entram na propriedade alheia e acabam usurpando-a, o que constitui violação da lei. Nesta lógica, estão a cometer o crime de usurpação de bem alheio, o que é passível de pena. Neste caso, o proprietário do espaço usurpado, se este for utilizado para construção, pode requerer o embargo da obra no tribunal”.
 
“Numa primeira instância, o proprietário pode solicitar o embargo da obra. Posteriormente, o invasor pode incorrer numa pena de seis meses a dois anos de prisão”.
 
Victor da Fonseca vai mais além e cita o artigo 250 do Código Penal que diz: “quem, sem consentimento, se introduzir em habitações, pátios, jardins ou espaços vedados, incorre em responsabilidade criminal, com pena de 1 a 2 anos de prisão”.
 
Vale ressaltar que os principais locais onde as terras estão a ser usurpadas nos últimos dias são o município da Matola-Rio, Marracuene e Matola.
 
Neste contexto, o Conselho Municipal da Matola, na província de Maputo, está a mapear os espaços usurpados pela população, sobretudo no posto administrativo de Machava, como forma de estancar o fenómeno e impedir a sua réplica em outros pontos.
 
Os terrenos dos bairros Tsalala, Matola-Gare, Mathlemele, Machava-sede, Siduava e parte da vila municipal da Matola-Rio foram os principais alvos dos invasores. (M.Afonso)

Sir Motors

Ler 19 vezes