Mais uma medida polémica da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Moçambique está a ser fortemente contestada, como aconteceu em relação às outras que a antecederam e que foram acolhidas com desagrado em certos círculos daquela confissão religiosa. Recentemente, a IURD no nosso país emitiu um apêndice aos regulamentos internos, no qual proíbe os pastores e outros voluntários que servem aquela que é seguramente a Igreja que mais multidões arrasta em Moçambique, de criar e publicar informações nas redes sociais, sob risco de cessação imediata do trabalho em caso de incumprimento da ordem.
De acordo com o apêndice aos regulamentos internos da IURD, já em vigor, ninguém pode criar e publicar o seu próprio conteúdo nas plataformas digitais, incluindo fotografias, testemunhos, apelos à oração, notificações, painéis publicitários ou cartazes para qualquer evento, encontro ou serviço da igreja. O novo regulamento da IURD determina que apenas podem ser partilhados em plataformas das redes sociais o conteúdo local da igreja, preparado e publicado em plataformas oficiais, a exemplo do site, da página do Facebook ou blog do líder do país, páginas de Facebook da esposa do líder, comunicados de imprensa publicados pelo gabinete de comunicação da IURD no site oficial. O mesmo regulamente salienta que “somente os líderes da IURD e porta-vozes oficiais podem falar em nome da Igreja”.
Nos casos em que o pastor pretenda iniciar um blog, o regulamento determina que ele ou qualquer outro voluntário deverá contactar a direcção da Igreja para facultar informação sobre os títulos propostos e o seu conteúdo. Também deverá ter autorização para criar o blog e aderir estritamente às directrizes e restrições providenciadas, para além da apresentação de uma cópia do projecto à direção da Igreja para aprová-lo. No apêndice consta que o não cumprimento dos procedimentos a que acima se fez referência pode levar à cessação imediata do trabalho voluntário, uma vez que tal acção constitui uma violação do regulamento interno dos pastores. Ainda no mesmo apêndice, a IURD em Moçambique definiu 10 regras sobre publicações em plataformas electrónicos e/ou de redes sociais.
As regras preconizam que o pastor ou outro voluntário não pode criar, publicar ou partilhar vídeos ou fotos de pessoas a participar em manifestações. Está igualmente proibido de publicar algo relacionado com ofertas, dízimos, sacrifícios, promessas de campanha ou outras manifestações de fé. Não é permitida a publicação do que quer que seja relacionado com objectos ou elementos facultados durante um encontro, por exemplo pedaço de pano, óleo ou sal ungidos, uma cruz, etc. Na lista das regras consta que o voluntário não deve publicar algo que difame a imagem e o papel da IURD ou seus membros, assistentes e pastores, mesmo que seja indirectamente.
Também é proibida a publicação de matérias de natureza política ou preconceituosa que erroneamente possa indicar uma posição detida pela Igreja, bem como tudo o que diga respeito a produtos, serviços ou marcas comerciais. O documento que temos vindo a citar adianta que estas regras são aplicáveis a todas as redes sociais, grupos de Whatsapp, Instagram, Youtube, Facebook, etc. O apêndice alerta que “esta lista não é definição conclusiva nem exaustiva do conteúdo que não pode ser partilhado ou publicado em plataformas de redes sociais, mas é providenciada como exemplo de alguns tipos de materiais que não devem ser partilhados nem publicados em domínio público”.
A mão dura do bispo Honorilton Gonçalves da Costa
O apêndice aos regulamentos internos da IURD surge numa altura em que seus pastores em Moçambique estão de costas viradas com a liderança daquela congregação religiosa, acusando-a de vários desmandos, numa situação que têm vindo a agravar-se desde 2017, com a vinda do Brasil do bispo Honorilton Gonçalves da Costa. Segundo o relatório da Comissão de Petições, Queixas e Reclamações (CPQR) da Assembleia da República (AR), publicado em Dezembro do ano passado, o referido bispo “trata os pastores moçambicanos como se fossem estrangeiros, perante o olhar impávido do presidente da Igreja, José Guerra, que nada faz em defesa dos seus compatriotas”.
Lê-se no relatório que, desde a chegada do bispo Honorilton Gonçalves da Costa a Moçambique, os pastores moçambicanos estão a ser oprimidos, sendo obrigados a fazer vasectomia, para além de assinar um novo regulamento no qual consta um conjunto de obrigações como facultar os números dos telefones celulares sempre que a Igreja os solicitar, senhas ou códigos de acesso, incluindo das contas na internet. Os pastores estão sujeitos a uma expulsão mesmo sem apresentação prévia dos motivos de uma tal medida, bastando uma acusação de roubo, adultério, entre outros. Nas acusações em que as pessoas são obrigadas a apresentar queixas a mando de liderança da Igreja não estão previstos direitos, apenas existem deveres.
Ainda no âmbito do novo regulamento, de acordo com o relatório da CPQR, os pastores da IURD são forçados a deixar os seus afazeres familiares para se dedicarem à limpeza completa do edifício do cenáculo localizado na Av. 24 de Julho em Maputo. Lê-se no relatório que quando os pastores são expulsos não há lugar para reclamações nem mesmo qualquer tipo de reivindicação em tribunal! O documento refere-se à discriminação de que os pastores antigos ou mais velhos são vítimas na IURD. Quer por tempo de serviço, quer por idade, os pastores antigos ou mais velhos estão sujeitos à expulsão, e os que ficam são enviados para fora do país ou acabam sempre assumindo ocupações de meros empregados para fazerem “o serviço sujo”.
O relatório diz ser permitido invadir as casas dos pastores expulsos, corromper os polícias para ajudarem a oprimir pastores que se recusam a sair das casas onde vivem quando são despedidos, influenciar os proprietários dos imóveis a socorrerem-se da violência para expulsar os pastores das suas residências, com promessas de continuarem a beneficiar dos contratos de arrendamento, assim como amedrontar os obreiros com recurso a palavras bíblicas para não se relacionarem com pastores despedidos, e expulsar os obreiros que de alguma forma ajudam os pastores. Ainda segundo o relatório produzido pela CPQR, os pastores antigos são levados para fora do país, pois a IURD não pretende entregar a liderança da igreja a um moçambicano. Para atingir esse desiderato opta pela concentração dos pastores novos que não têm capacidade, voz e experiência para liderar.
Face às queixas dos pastores, a CPQR contactou o presidente da IURD em Moçambique, José Guerra. No entanto, segundo o relatório do CPQR da AR, Guerra “declinou prestar qualquer esclarecimento em torno das denúncias apresentadas pelos queixosos”. Analisadas as queixas dos pastores, a CPQR concluiu que os peticionários denunciam casos que evidenciam irregularidades laborais e de direitos humanos. (Evaristo Chilingue)