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16 de Dezembro, 2019

Julgamento do caso INSS: sessão inicial marcada por troca de acusações entre Mazoio e Machaieie

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Arrancou quinta-feira última, em Maputo, o julgamento do caso de desfalque no Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).

A sessão foi marcada por uma troca de acusações entre dois (dos três) arguidos no processo, nomeadamente, Francisco Mazoio, Presidente do Conselho de Administração do INSS, e Baptista Machaieie, antigo director-geral daquela instituição responsável pela previdência social no país.

Além dos dois supramencionados arguidos, também se sentou no banco dos réus da 6ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo Miguel Ângelo Curando Ribeiro, sendo que todos eles são acusados, essencialmente, pelos crimes de abuso de cargo ou função, simulação e peculato.

 

Dos cofres daquela instituição, responsável pela gestão das pensões de milhares de moçambicanos (maioritariamente de baixa renda) foram retirados ilegalmente 84 milhões de meticais, os quais foram usados na aquisição de quatro aeronaves – tal como refere a acusação do Ministério Público (MP).

 

Francisco Mazoio, gazense, de 61 anos de idade, foi o primeiro a ser ouvido pelo Juiz da causa, Rui Dauane. Disse, em sede da sessão de produção de prova, que, no que respeita à relação entre o INSS e a CR Aviation, ele foi responsável pela assinatura do Memorando de Entendimento (ME) que norteou a ligação entre ambas entidades. Revelou, porém, que tudo o que compreendeu a operacionalização desse memorando foi executado pelo então director-geral, Baptista Machaieie.

 

O ME entre o INSS e CR Aviation, empresa com sede no bairro do Aeroporto, foi celebrado em Setembro de 2014. Em representação do INSS assinou Francisco Mazoio e da CR-Aviation, Miguel Ângelo Curado Ribeiro, antigo director-geral.

 

A ideia central do negócio era a entrada do INSS na estrutura accionista da CR-Aviation, por via da aquisição de 15 por cento das acções, sendo que, para o efeito, esta última entidade teria de desembolsar 7 milhões de USD. O capital social da CR-Aviation era de 20 mil meticais (20.000,00Mts).

Francisco Mazoio revelou que foi a direcção liderada por Baptista Machaieie quem autorizou que fossem pagos os 84 milhões de meticais, em jeito de adiantamento, à CR Aviation para que esta adquirisse as quatro aeronaves. Os 84 milhões, detalhou Mazoio, saíram dos cofres do INSS porque, à luz do ME, a CR Aviation pediu um adiantamento do valor que aquela instituição de gestão da previdência social pagaria, para entrar na estrutura na accionista.

 

Entretanto, a acusação do MP refere que o aludido ME faz menção, numa das cláusulas, à concessão de um empréstimo à CR-Aviation e não de um adiantamento que, mais tarde, seria debitado no valor que o INSS pagaria para entrar na dita estrutura accionista daquela empresa de aviação civil.

 

O PCA do INSS reiterou, de forma insistente, ao juiz que julga o caso, que não tinha competência para responder a questões relacionadas à gestão corrente da instituição, precisamente porque tais competências são da direcção-geral, pelo que cabia a esta responder por tudo, depois que o ME “desceu” para a fase de execução.

 

Sobre as violações das normas do INSS relativamente à assinatura do ME – visto que a CR-Aviation não estava cotada na bolsa – Mazoio afirmou que era “normal” celebrar acordos com empresas que não preenchiam aquele requisito, mas na condição de o mesmo vir a ser satisfeito a posterior.

 

Num outro desenvolvimento, o PCA do INSS explicou que, na sequência do mau ambiente que se gerou à volta do negócio, o Conselho de Administração decidiu pelo cancelamento do negócio, sendo que os valores pagos à CR-Aviation deveriam ser devolvidos à procedência, algo que, entretanto, não se chegou a efectivar.

 

Por seu turno, Baptista Machaieie, de 57 anos de idade, natural da Manhiça, negou veementemente que tenha agido por conta e risco próprios. O arguido avançou que apenas deu seguimento às decisões tomadas pelo Presidente do Conselho de Administração do INSS, após a assinatura do ME com a CR Aviation.

Refira-se que Baptista Machaieie exerceu as funções de director-geral do INSS de 2013 a 2015.

 

Machaieie reiterou ainda que foi o PCA, Francisco Mazoio, quem contactou a CR-Aviation, cumprindo recomendações saídas do Conselho Coordenador do Ministério de tutela, o do Trabalho (actualmente do Trabalho, Emprego e Segurança Social), à data, dirigido por Helena Taipo.

“Entrar para a estrutura accionista da CR-Aviation inseria-se no âmbito da diversificação da carteira de investimentos do INSS que, naquela altura, tinha nos depósitos a prazo nos bancos comerciais da praça, uma fonte de investimento”, contou Machaieie.

 

Mais adiante, Machaieie disse desconhecer as nuances da tal decisão do “reembolso do valor adiantado” à CR Aviation para a compra das aeronaves, tomada pelo Conselho de Administração, justamente porque à data já não se encontrava a dirigir a instrução.

 

Sobre a fiscalização do ME pelo Tribunal Administrativo, o antigo director-geral do INSS disse ao tribunal que o referido não foi, em circunstância alguma, alvo de qualquer fiscalidade por parte do auditor das contas públicas. Instado a pronunciar-se sobre as razões da não submissão ao TA, Machaieie disse que foi informado (verbalmente) por uma sua “fonte credível” dentro do TA que o ME não carecia de qualquer fiscalização “porque bastava apenas a decisão do Conselho de Administração do INSS”, tal como sucedeu.

 

O ex-director geral do chamado “banco dos pobres” reconheceu que não foram respeitados os articulados no regulamento interno da instituição, no que respeita à relação entre o INSS e a CR-Aviation. Machaieie disse que o INSS entrou no negócio com aquela firma perseguindo o “sentido de oportunidade” e o da “boa-fé”, tendo, na sequência, a legalidade sido sacrificada.

 

A versão do arguido da CR-Aviation

 

Por seu turno, o terceiro arguido, Miguel Ângelo Curado Ribeiro, antigo director-geral da CR-Aviation, Informático de 42 anos, começou por dizer que não tinha competências para assinar o Memorado de Entendimento com o INSS, e que só o fez porque houve má-fé da parte do seu sócio, o falecido Rogério Manuel, que era igualmente PCA da empresa.

Curado Ribeiro assegurou que ele respondia apenas pelas questões operacionais ligadas à aviação propriamente dita (pilotos, manutenção e operações das aeronaves).

 

Importa fazer menção que, na sociedade CR-Aviation, Miguel Ângelo Curado Ribeiro detinha 51 por cento das quotas, enquanto o falecido Rogério Manuel detinha os restantes 49 por cento.

 

O arguido disse a Rui Dauane que as quatro aeronaves foram de facto adquiridas. Duas com capacidade para transportar entre nove a 12 passageiros e as restantes, entre quatro a seis.

 

O antigo director-geral da CR-Aviation afiançou que não chegou a conhecer os passos que foram dados no âmbito do ME, precisamente porque ele cuidava das questões operacionais e desconhecia os “passos que eram dados pelo seu sócio e PCA da empresa”. Curado Ribeiro disse também que não chegou a tomar conhecimento das intenções de reembolso dos 84 milhões de meticais, manifestada pelo INSS, precisamente porque já não se encontrava na empresa, visto que – conforme disse – em 2015 vendeu a sua parte das acções da empresa à AVS (Agostinho Viriato e Sérgio), na sequência de divergências que teve com o seu falecido sócio e PCA de CR-Aviation, o qual, entretanto, tentara alterar os estatutos da empresa com fito de ficar com a maior parte das acções. (Carta)

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