Depois de uma tarde e noite de quarta-feira caracterizada por show de “inteligência” e “eloquência”, demonstrada por Teófilo Francisco Pedro Nhangumele, o segundo arguido do caso das “dívidas ocultas” a ser ouvido pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, no âmbito do julgamento do Processo de Querela n.º 18/2019-C em curso na Penitenciária de Máxima Segurança (vulgo B.O.), na província de Maputo, esta quinta-feira, a sessão foi marcada por momentos de contradição e de “lapsos de memória” por parte do “mastermind” do projecto.
O primeiro momento de contradição ocorreu logo pela manhã, quando o juiz Efigénio José Baptista questionou ao arguido, quando e em que momento conheceu o co-arguido Armando Ndambi Guebuza. Em resposta, disse que o conheceu numa estância hoteleira da cidade de Maputo, onde foi convidado pelo seu director. Disse ainda que nesse encontro não teve oportunidade de conversar com o primogénito do antigo Chefe de Estado, Armando Emílio Guebuza, tendo tido essa proeza em 2012, durante a viagem que efectuou para Alemanha, na visita aos estaleiros da Privinvest.
Entretanto, o juiz revelou que, antes de 2012, Teófilo Nhangumele tinha tido contacto com Armando Ndambi Guebuza. Demonstrou que este enviou um email a um cidadão de nome Zuneid Rabat (do extinto Banco Único), com conhecimento de Ndambi Guebuza, pedindo emprego. Referiu, no corpo da mensagem, que o assunto era do conhecimento do filho mais velho de Armando Guebuza.
A segunda incongruência veio quando o Tribunal quis saber quem tinha decidido sobre a viagem deste e outros co-arguidos para Alemanha e com quem ele tinha conversado em torno da deslocação. Nhangumele garantiu que não sabia quem tinha autorizado a viagem e muito menos abordou o assunto com nenhum dos co-arguidos. Porém, o juiz demonstrou que este tinha sido o responsável pela partilha do programa da viagem com Bruno Tandane Langa, que, por sua vez, encaminhou-o a Armando Ndambi Guebuza. Aliás, o Tribunal referiu que a viagem foi realizada em Dezembro de 2011 e não em 2012, tal como tinha avançado Nhangumele.
O terceiro momento de contradição veio quando o Tribunal o confrontou com o email que este enviou ao executivo da Privinvest, Jean Boustani, pedindo para que aumentasse “50 milhões de frangos” na estrutura de custos do projecto PROINDICUS. Ao Tribunal, disse não ser o autor do email, porém, num outro momento confirmou ter enviado email a Bruno Langa, abordando a partilha dos 50 milhões de USD referentes às “luvas” pagas pela Privinvest.
A outra incoerência foi evidenciada no momento em que o arguido foi questionado em torno do papel de Armando Ndambi e Bruno Langa na delegação que viajou à Alemanha. Primeiro, disse que ambos tinham como objectivo acompanhar António Carlos do Rosário, que era representante do Estado moçambicano, porém, mais tarde afirmou que ele e Bruno eram facilitadores do processo, aproximando o Estado moçambicano junto da Privinvest e que Ndambi era responsável pela aceleração na tomada de decisão.
Durante a sua audição na tarde e noite de quarta-feira, Teófilo Nhangumele disse ao Tribunal que, após a viagem a Alemanha, não se elaborou qualquer relatório, pois, pensava que o mesmo seria escrito por António Carlos do Rosário, na qualidade de representante do Estado, mas que acabou não redigindo. Porém, o Tribunal provou que este, na verdade, redigiu o relatório da referida viagem.
Outra incongruência foi manifestada quando o arguido foi questionado se o co-arguido Bruno Tandane Langa tinha pedido alguma gratificação, caso este conseguisse “sondar” junto de Ndambi Guebuza a aprovação ou não, pelo então Presidente da República, do projecto vindo da Privinvest, tendo assegurado que este não lhe pediu nada. Porém, a acusação confirma que Bruno fez essa questão e este confirmou que o dinheiro não constituía problema. Aliás, o Ministério Público leu o email enviado por Teófilo Nhangumele a Jean Boustani, pedindo um financiamento para “massagear o sistema”, que nas suas palavras equivale a levar membros do governo ao estrangeiro para participar em conferências com os custos do anfitrião, mas sem qualquer “gratificação”.
Também disse ao Tribunal que a Privinvest pretendia abrir uma filial da Abu Dhabi Mar em Moçambique, onde ele, Bruno Tandane e Armando Ndambi Guebuza seriam acionista da parte moçambicana, no âmbito da celebração dos contratos de consultoria, entretanto, não conseguiu provar ao Tribunal os passos concretos dados pelo grupo com vista à concretização da iniciativa. Aliás, refere que é nesse âmbito que Armando Ndambi Guebuza recebeu os 33 milhões de USD. Sublinhar que a empresa seria responsável pela manutenção dos barcos da PROINDICUS.
Confirma ter contactado Bruno Langa para “acelerar” a aprovação do projecto, mas nega ter-se reunido com Isaltina Lucas
Entre as confirmações do conteúdo reportado pelo Ministério Público está o facto de ter contactado Bruno Tandane Langa, no sentido de este apurar, junto de Armando Ndambi Guebuza, se o pai (Armando Emílio Guebuza) tinha recebido, através do SISE (Serviço de Informação e Segurança do Estado), o projecto proposto pela Privinvest. Sublinhou que, após este exercício, teve resposta duas semanas depois.
Confirmou ainda ter sido convidado a desenvolver a parte técnica-financeira do projecto por Cipriano Mutota, oficial do SISE. Afirmou que o projecto custava, no princípio, entre 302 e 305 milhões de USD, porém, não soube explicar como o valor atingiu 900 milhões de USD – valor emprestado pela PROINDICUS junto do Credit Suisse – alegando que já havia sido afastado por Filipe Jacinto Nyusi, então Ministro da Defesa Nacional. No entanto, o Tribunal referiu que, até 2013, Nhangumele ainda se comunicava com Jean Boustani em torno do projecto.
Disse ainda ao Tribunal ter participado no desenho da estrutura accionista da PROINDICUS (que significa protecção do Índico) e que foi quem propôs o nome e fez a respectiva reserva. Porém, não esteve na legalização da empresa.
No entanto, negou ter-se reunido com Maria Isaltina Lucas para acertar o orçamento do projecto PROINDICUS, tal como avançou Cipriano Mutota. Refere apenas que esteve com a então Directora Nacional do Tesouro, aquando da deslocação da equipa do Credit Suisse a Moçambique para discutir o pacote de financiamento. Lembre-se que Mutota garantiu que o orçamento da PROINDICUS passou de 302 para 360 milhões de USD, durante as reuniões que Nhangumele mantinha com Maria Isaltina Lucas. (Abílio Maolela)