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terça-feira, 14 setembro 2021 07:36

Continua lenta recuperação psicológica das vítimas do terrorismo – constata Especialista

Um dos impactos nefastos dos ataques terroristas que se verificam na província de Cabo Delgado são os efeitos psicológicos que a barbárie causada pelos insurgentes está a provocar junto das vítimas. Desde o início dos ataques terroristas, em Outubro de 2017, as vítimas e/ou sobreviventes do terror têm relatado estórias dramáticas, que incluem o testemunho in loco de assassinatos e decapitações de familiares e vizinhos. São imagens de horror que os sobreviventes, na sua maioria, não conseguem exteriorizar. Aliás, quem tenta exterioriza-las, acaba tirando lágrimas.

 

Ana Mota Teles, neuropsicóloga clínica portuguesa, contratada pela Fundação MASC (Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil) para capacitar profissionais de saúde mental moçambicanos (à luz de uma parceria entre a organização, Ministério da Saúde e Associação de Psicologia de Moçambique) e dar acompanhamento psicológico às vítimas do terrorismo, conta que mais de 70% das pessoas com quem teve contacto ainda estão traumatizadas.

 

Em conversa com “Carta”, Teles revelou já ter realizado quatro sessões de terapia com 27 vítimas do terrorismo (22 mulheres e cinco homens), tendo identificado sintomas de trauma em 19 pessoas, nomeadamente, de hipervigilância e de evitamento. Das 27 pessoas entrevistadas, diz a especialista, apenas oito é que apresentavam sinais de crescimento pós-traumático, em que se percebe que os aspectos negativos podem conviver com os positivos.

 

“Estamos aqui a ter pessoas que estão a ser capazes, mas sabemos que, normalmente, numa situação de 5 a 30% não vão ser capazes, mas não é esta a estatística que nós temos. Temos oito casos em 27 a serem capazes, enquanto seriam 70%. Portanto, é isto aqui que também queremos inverter a estatística, que é para termos o mínimo impacto psicológico nas pessoas, de modo a termos uma comunidade proactiva e produtiva”, afirma a especialista.

 

Segundo a também especialista em direito humanitário internacional e em resposta humanitária em conflitos e desastres, a maioria das vítimas entrevistadas têm a percepção de que o apoio recebido é insuficiente (para retomar a sua vida), para além de que alguns continuam sem saber onde se encontram familiares e conhecidos.

 

Entretanto, em relação aos resultados do acompanhamento psicológico, Ana Mota Teles garante ter notado alguma evolução dos participantes das quatros sessões, pois, houve aumento do nível de participação, assim como de intervenção durante os trabalhos. Conta, por exemplo, que, no princípio, as mulheres eram muito reservadas, mas actualmente são activas.

 

“O que elas têm para dizer é de extrema importância para ajustarmos as necessidades de intervenção, assim como trabalharmos nas questões que estão na origem deste problema”, explicou, sublinhando não haver um prazo estabelecido para a realização do trabalho, pois, “o que nos preocupa não é o número de sessões, mas sim o resultado a ser conseguido”.

 

Questionada se é possível as vítimas do terrorismo esquecerem a barbárie que testemunharam, a especialista respondeu: “Não vão esquecer e nem vamos promover o esquecimento, porque é uma das implicações do evitamento, que é mais um sintoma. O que é possível fazer é retirarmos este peso emocional associado àquele momento. É possível não serem mais invadidas por estas memórias e é possível recuperar um distanciamento emocional destas situações e é isso que nós vamos fazer”.

 

Para atingir o resultado desejado, explica, serão necessárias sessões de psicoterapia individual e em grupo, dependendo do nível de trauma sofrido por cada vítima. Também fala da necessidade de se formar as vítimas em matérias de cidadania, de modo a estarem cientes dos seus direitos e deveres, enquanto cidadãos.

 

Refira-se que, para além de ser neuropsicóloga, Ana Mota Teles possui Pós-graduação em Neurociências, pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; Terrorismo e Contra-terrorismo, pela Georgetown University; Psicologia da Justiça Criminal, pela Queensland University; Direito Humanitário Internacional, pela Université Catholique de Louvain; e Resposta Humanitária em Conflitos e Desastres, pela Harvard University. Também foi docente, entre 2012 e 2013, de Pós-graduações e Cursos de Especialização, entre os quais, Neuropsicologia Clínica, Reabilitação Neuropsicológica e Neuropsicologia Pediátrica. (A. Maolela)

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