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quinta-feira, 16 abril 2020 06:55

O “lockdown” em África é um erro - Alex Broadbent*

O maior risco de saúde pública em África não é a Covid-19, mas as consequências das medidas regionais e globais destinadas a reduzir o seu efeito na saúde pública. A análise de custo/benefício dessas medidas, em África, produz um resultado diferente daquele que produz na Europa, nos Estados Unidos e em grandes partes da Ásia.

De longe, o maior factor de risco para a Covid-19 sério – crítico ou fatal – é a idade.

 

O “Worldometer” estima que a taxa de mortalidade de casos entre os 10 e 30 anos é de 0,2%. Já para os indivíduos com menos de 10 anos, a taxa de mortalidade é de 0,0%.

Um artigo recente, publicado no “The Lancet”, estimou uma taxa de mortalidade de 0,32% em pessoas com menos de 60 anos, e de 6,4% para pessoas acima dessa idade (60 anos). Na África do Sul, em média, as pessoas morrem antes dos 60 anos e apenas 3% da população tem mais de 65 anos. A idade média em África é de 18 anos, enquanto na Europa é de 42.  África é, de longe, o continente mais jovem do mundo.

 

Devemos então perguntar se as nações africanas (incluindo a África do Sul) têm tantos motivos para temer a Covid-19, quanto às regiões onde grande parte da população é mais velha. Um estudo influente, do Imperial College London, mostra que os benefícios da mitigação, considerando apenas a idade, são consideravelmente mais baixos para a região da África Subsaariana do que em qualquer outro lugar do mundo. Os autores são peremptórios em apontar outros factores que podem neutralizar esse efeito, porém, nesse ponto, estaríamos apenas especulando.

 

Pesquisas recentes mostram que o HIV está muito pouco correlacionado com o risco de se contrair a Covid-19, confundindo assim suposições fáceis. E, como se sabe, especulações não podem orientar políticas. Mas a evidência mostra claramente um forte gradiente de risco com relação à idade.

 

O “lockdown” (bloqueio) tem repercussões imediatas para indivíduos que vivem “com o mínimo” e suas respectivas redes de dependentes. Se as pessoas não têm o que comer, naturalmente não obedecerão a um bloqueio; nem existe razão, prática ou moral, para que o façam. Além disso, há consequências menos imediatas: desaceleração económica, o que significa mais pessoas abaixo da linha da pobreza.

Após a crise financeira de 2008, havia mais de cinco milhões de crianças famintas do que o que tem sido habitual. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que as medidas tomadas contra o Ébola (uma doença muito mais grave), em áreas afectadas, causaram cinco mil mortes de crianças.
Depois de 2008, os suprimentos médicos apoiados pela ajuda internacional esgotaram-se.

 

No fundo, a recessão não é apenas uma questão de queda dos preços dos imóveis e das pensões decepcionantes. É uma questão de vida e/ou morte. Quando impomos o “lockdown”, estamos, no fundo, a fazer uma escolha: estamos a salvar a vida de algumas pessoas mais velhas e a causar a morte de outras (pessoas) mais jovens, especialmente de crianças, que correm maior risco de desnutrição e doenças relacionadas com a pobreza.

 

Talvez até seja a coisa certa a fazer. Mas quando falamos em salvar vidas, devemos levar em consideração a vida que levamos. Os números “líquidos” são os que contam. Será que a comunidade global pode realmente ter entendido tudo errado? Será que os líderes regionais foram tão mal aconselhados? Por que será que estamos a levar a Covid-19 tão seriamente, se a ameaça é muito menos séria aqui (em África) do que em outros lugares, e os custos do “lockdown” são muito maiores?

 

Stefan Swartling Peterson, um director do departamento de Saúde da UNICEF, tem uma teoria. "A Covid-19 agora realmente nos assusta", diz ele. “A diferença, para mim, é que isso pode afectar as pessoas com poder, especialmente o de comunicação, mais do que as pessoas pobres que sempre foram morrendo."

 

No entanto, dado o aparente consenso internacional e a necessidade de demonstrar uma liderança forte, os líderes da região têm poucas alternativas políticas. Mas por mais “compreensível” que seja a posição dos líderes africanos, mais ainda deve ser a dos residentes do continente. Muitos enfrentam ameaças mais graves e imediatas à vida – principalmente no que se refere à pneumonia – do que o mecanismo pelo qual a Covid-19 mata.

 

A insuficiência respiratória, causada por uma infecção bacteriana ou viral, é a maior causa de morte no continente. A Covid-19 pode aumentar esse risco, mas não é algo para reter as pessoas em casa, e não é preferível a fome causada pela recessão.

 

Deveríamos preocupar-nos mais com o aumento do risco da pneumonia fatal do que a Covid-19, em África, se também não aumentasse o risco dessa doença atingir primeiros-ministros, empresários e professores universitários, incluindo aqueles em países onde a doença e seus terrores têm “interesse histórico” apenas?

 

Não fiquemos apenas vaticinando que a Covid-19 será a doença que mais pessoas matará. De longe, a doença mais perigosa da história humana é a malária, evitável com redes mosquiteiras.  Quase ninguém morre de parto nos países desenvolvidos, e poucas crianças morrem de pneumonia. Mas em países em desenvolvimento, segundo a UNICEF, cinco milhões de crianças morrem todos os anos devido à pneumonia, malária e complicações no parto.

 

Na verdade, nós não nos preocupamos com a Covid-19 por causa de “como ela mata”, mas sim por causa de “a quem ela mata”.

 

Apesar da análise de custo/benefício notavelmente diferente para a África, estamos fazendo a mesma coisa aqui, como em qualquer outro lugar. Ou pelo menos, estamos tentando: estamos a implementar o “lockdown”. E não é preciso pensar muito para perceber que não estamos efectivamente a fazer um verdadeiro “lockdown”, dado que as pessoas vivem “apinhadas” e em locais onde o saneamento mais próximo é (geralmente) uma casa de banho compartilhada, distante da sua “cabana”, especialmente nas áreas rurais.

 

Existe uma alternativa ao “lockdown”? Sim: que se faça “lockdown” em áreas (países) onde tal faça sentido, e onde maior parte da população é envelhecida. Não se faça onde é impossível fazê-lo.  A quarentena pode ser uma medida mais eficaz em África, onde os aglomerados populacionais são separados por grandes distâncias. Os benefícios da separação das populações em risco também merecem uma consideração mais completa.

 

Em África e noutras regiões em desenvolvimento, os idosos muitas vezes mudam-se (retornam) das áreas urbanas para as áreas rurais. Nas aldeias rurais, pode ser possível separar pessoas mais velhas e mais jovens com mais facilidade do que num município ou num subúrbio, onde implementar-se o “lockdown” é um absurdo.

 

Esta não é uma ideia minha, mas sim sugerida por líderes de uma aldeia, numa zona rural de África. E isso só vem comprovar uma coisa – é necessário questionar às pessoas, para se poder encontrar soluções. Só elas sabem como resolver os seus problemas, por si mesmas. As pessoas que vivem numa comunidade conhecem o seu modo de vida.

 

É hora de os líderes africanos, e especialmente os da África do Sul, rodearem-se de conselheiros que estejam cientes das diferenças existentes entre África e os outros lugares onde o “lockdown” foi concebido, lugares esses que estão capazes e dispostos a fazer face a todas as consequências – não apenas a morte por Covid-19 – e a toda a gama de medidas. (*O Professor Alex Broadbent é Professor de Filosofia na Universidade de Joanesburgo. Os seus livros incluem “Filosofia da Epidemiologia” e “Filosofia da Medicina”).

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