Desde Outubro de 2017 que a província de Cabo Delgado, região norte do país, vive um clima de terror, pânico e medo implantado por indivíduos ao que tudo indica inspirados no radicalismo islâmico extremo. Em meio à “catástrofe”, emergiu Luís Fernando Lisboa, Bispo da Diocese de Pemba, uma voz que teima em não se calar perante as atrocidades que vêm sendo perpetradas pelo “bando atacante” e pela inércia do Governo do dia em dar cobro à situação naquele ponto do país.
E porque nunca se conformou com a triste realidade a que está sujeita a população daquela circunscrição territorial, Luís Fernando Lisboa, ao estilo que nos habituou, voltou a quebrar o silêncio em torno do drama que se vive naquela província.
“Eles estão cada vez mais a empoderar-se, estão cada vez mais ousados”. Estas foram as palavras usadas por Dom Luís Lisboa para descrever a real situação terreno, em entrevista recentemente concedida ao Centro para Democracia Multipartidária (CDD).
Segundo Lisboa, os insurgentes estão cada vez mais a empoderar-se e não cessam de semear luto, terror e dor em Cabo Delgado, província que também virou o centro das atenções, mais uma vez pelas piores razões, pelo registo “massivo” de casos da Covid-19, concretamente no acampamento da multinacional francesa, a Total.
O Bispo de Pemba avançou que os ataques continuam a ter lugar e a resposta continua a não ser efectiva, daí que nunca houve trégua. Adiante, Dom Luís Lisboa considerou, perante o actual cenário, de cínica a narrativa governamental, segundo a qual, a situação no teatro das operações está devidamente controlada.
“Eu não vou julgar ninguém, mas a resposta até agora não foi efectiva, tanto é que os ataques continuam, nunca houve trégua. Eles estão cada vez mais a empoderar-se, estão cada vez mais ousados. A única coisa que eu não aceito é o cinismo de dizer que está tudo sob controlo”, disse Luís Fernando Lisboa, em entrevista ao CDD.
Num outro desenvolvimento, Lisboa avançou que Cabo Delgado encontra-se hoje numa situação de isolamento e abandono, de tal sorte que, tal como disse, sentia que a província sequer fazia parte do território nacional.
“Muito sofrimento”, tal como disse, são as palavras que descrevem fielmente a situação a que está sujeita a população daquela província, que, independentemente da faixa etária (idoso ou criança), num contexto de estrema pobreza, é obrigada a dormir nas matas.
“Cabo Delgado vive hoje uma situação de isolamento, nem parece que fazemos parte de Moçambique. Nós sentimo-nos isolados, abandonados, porque desde que essa situação começou, há dois anos e meio, quase nada se reporta nos jornais, nas rádios e nas televisões. Quem assiste os noticiários à noite fica com a impressão de que não está a acontecer nada em Cabo Delgado. Quando não dizem nada é como se não tivesse acontecido nada em Cabo Delgado. Mas há muito sofrimento do povo que vive nesta província, um povo que já era pobre e agora está espoliado, está a ver as suas casas a serem queimadas e dorme no mato. Imagine idosos e crianças dormindo no mato, vivendo no mato”, disse Luís Lisboa.
“Toda a zona norte de Cabo Delgado é um barril de pólvora”
E porque a situação no terreno não era nada animadora, Luís Lisboa avançou que os ataques estavam longe de conhecer o seu término, ressalvando que não descartava a possibilidade dos insurrectos atacarem mais distritos. Lisboa vincou que, se os insurgentes chegaram a visar Mocímboa da Praia (com grande contingente militar e levaram armas, carros e comida), mais do que uma demonstração de força, era prova inequívoca de que toda a zona norte de Cabo Delgado era um “barril de pólvora”.
Sobre o número exacto de pessoas que já perderam a vida desde que o conflito eclodiu em Cabo Delgado, Luís Lisboa não conseguiu ser verdadeiramente preciso. No entanto, estabeleceu, no campo das estimativas, que pouco mais de 500 pessoas haviam já perdido a vida, desde que os ataques a alvos civis e militares iniciaram em Outubro de 2017.
“A pandemia da Covid-19 está em segundo plano”
E porque a pandemia da Covid-19 é o tema actualmente em voga, Luís Lisboa não se coibiu de dar o ponto de situação. Tal como disse, a pandemia da Covid-19 não é, neste momento, a prioridade. A prioridade da população é, sim, segundo Lisboa, a segurança.
“Infelizmente, aqui em Cabo Delgado, a pandemia da Covid-19 está em segundo plano, a segurança está no topo das prioridades. As pessoas estão aglomeradas e recebendo outras famílias, outras estão no mato e partilham utensílios e outros bens”, sentenciou.
De acordo com as autoridades oficiais, o país, pelo menos até a tarde ontem, havia registado um total de 21 casos de indivíduos infectados pela Covid-19. (Carta)