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quinta-feira, 06 fevereiro 2020 07:23

Amade Miquidade: O que lhe espera no Ministério do Interior?

Amade Miquidade é o homem que se segue na condução dos destinos do controverso e conturbado Ministério do Interior (MINT). No cargo, Miquidade substitui o agora deputado da bancada parlamentar da Frelimo, Jaime Basílio Monteiro, eleito nas eleições de 15 de Outubro último.

 

Miquidade tomou posse como o novo timoneiro do MINT no passado dia 18 de Janeiro, em cerimónia realizada na Ponta Vermelha, residência oficial do Presidente da República. Dois dias depois, das mãos de Jaime Basílio Monteiro, também membro da Comissão Política do Partido Frelimo, Miquidade recebia o arcabouço documental referente à instituição que passará a dirigir nos próximos dias, conhecida por promover uma guerra sem quartel contra o timoneiro que não pertence núcleo ora montado.

 

Antes de chegar ao mais alto cargo ministerial, Amade Miquidade exercia as funções de Secretário-Geral do Conselho Nacional de Defesa e Segurança (CNDS), órgão do Estado e de Consulta Específica em matéria relativa à soberania nacional integridade territorial defesa e segurança do Estado.

 

Miquidade, de 63 anos de idade, é natural do distrito costeiro da Maganja da Costa, província da Zambézia. Miquidade é licenciado em Direito e foi também formado nas escolas da Frelimo em Nachingweya, na Tanzânia.

 

No seu curriculum, pontificam o exercício da função de deputado da Assembleia Popular, na era do partido único, e, igualmente, ter sido o primeiro Director-Geral do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE).

 

Dirigiu em tempos o antigo Serviço Nacional de Segurança Pública (SNASP), que se destacou pela tamanha crueldade e brutalidade no seu “modus operandi”. Miquidade é, de resto, um exímio conhecedor do sistema securitário nacional.

 

Precisamente no passado dia 22 de Janeiro, Miquidade foi para a sua primeira “acção pública” após assumir as novas funções. O acto de saudação aos efectivos, cerimónia que teve lugar no quartel da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), em Maputo. “Corrupção” e “despesismo” foram os pontos fortes da primeira intervenção do novo homem forte do MINT.

 

“A nossa missão é servir a sociedade e não nos servirmos da sociedade para alcançar objectivos inconfessos”, disse Miquidade durante o primeiro acto de saudação aos efectivos, no quartel da Unidade de Intervenção Rápida em Maputo.

 

E por ter elencado a corrupção, como sendo um dos desafios centrais, é, precisamente, por aqui que começamos a elencar os desafios do “mandato” de Amade Miquidade.

 

Ministério do Interior

 

Tal como vem descrito no sítio oficial da instituição: Ministério do Interior é o Órgão Central do aparelho do Estado responsável por garantir a Ordem, Segurança e Tranquilidade Públicas, a Identificação dos Cidadãos Nacionais e Estrangeiros, o Controlo Migratório e a Prevenção e Combate aos Incêndios e Calamidades Naturais.

 

No que respeita à organização, o MINT congrega Polícia da República de Moçambique (PRM); o Serviço Nacional de Identificação Civil (SNIC); Serviço Nacional de Migração (SENAMI); e o Serviço Nacional de Salvação Pública (SENSAP).

 

Em termos de estrutura, comporta Inspecção-geral do Ministério; Comando-Geral da Polícia; Direcção Nacional de Identificação Civil; Direcção Nacional de Migração; Serviço Nacional de Bombeiros; Direcção de Informação; Direcção de Recursos Humanos; Departamento de Administração e Finanças; Gabinete de Estudos e Planificação; Gabinete de Assuntos Jurídicos; Gabinete de Relações Internacionais; e o Gabinete do Ministro.

 

Na verdade, os pronunciamentos de Miquidade não vieram ao acaso. As atitudes e práticas corruptas, de facto, tomaram de assalto aquele ministério. Desde a pequena (o refresco de 50 meticais) até a grande, cujo rosto mais recente é o Serviço Nacional de Migração, tido como o novo centro do “regabofe”.

 

De acordo com o Decreto Presidencial nº 18/2000 de 21 de Novembro, ao Ministério do Interior cabem as seguintes atribuições: a execução da política da ordem, segurança e tranquilidade públicas; a garantia da permanente prontidão das Forças da Lei e Ordem para prevenir e combater a criminalidade e as violações da legalidade; a superintendência do sistema de identificação civil dos cidadãos nacionais; a superintendência da emissão de documentos de viagem aos cidadãos nacionais e estrangeiros, assegurar o controlo migratório bem como a permanência de cidadãos estrangeiros no país; e a prevenção e combate aos incêndios e calamidades naturais.

 

Apesar dos vigorosos apelos e a exposição (através dos vídeos e fotografias), as forças sob ordens do Comando Geral da PRM (Polícia de Protecção e Polícia de Trânsito, por exemplo) ainda de forma desavergonhada continuam cultivando cega e religiosamente a prática atros do refresco e, consequentemente, desprestigiando a já mal-afamada corporação, que, recentemente, ensaiou restauro da imagem com a mudança da cor da farda.

 

O ingresso às Escolas da Polícia é o outro “bico-de-obra”. Por lá, vegeta a corrupção. Para ingressar à Escola Prática de Matalane e garantir após a conclusão do curso a afectação na cidade de Maputo, por exemplo, o candidato a polícia deve desembolsar, “pela porta do cavalo”, quantias que variam entre 25 e 30 mil meticais. Para a Academia de Ciências Policiais (ACIPOL), caso queira, igualmente, garantir o seu ingresso de forma confortável e sem correr qualquer risco de ver gorada a sua pretensão, o candidato deve, usando, igualmente, o mesmo circuito, soltar os cordões à bolsa. E os números não são nada modestos. A fasquia chega mesmo a variar entre os 50 a 60 mil meticais.

 

Ainda que o candidato preencha os requisitos documentais, aptidão física, tenha luz verde das autoridades de saúde (exames médicos), boa classificação nos testes (oral e escrito) e ainda seja um indivíduo idóneo, muitas vezes é deixado de lado a favor dos candidatos que conseguiram o “way” (caminho – na tradução para a língua portuguesa) ou ainda um “bom padrinho”.

 

O Serviço Nacional de Migração parte, actualmente, na pole position no que à prática de actos corruptos diz respeito. Vários funcionários das várias delegações (da base ao topo), incluindo a nível central estão a contas com os órgãos de justiça e quase todos acusados dos crimes de corrupção.

 

As práticas corruptas envolvendo funcionários deste serviço partem desde a extorsão, venda de vistos, emissão fraudulenta de passaportes, desvio de fundos, compra de bens sem a observância das normas de contratação de empreitada pública e comercialização do Documento de Identificação de Residência dos Estrangeiros (DIRE). Estas práticas acontecem em plena luz do dia e com o beneplácito das mais altas patentes.

 

Em 2017, por exemplo, foram desviados cerca de 17 milhões de meticais dos cofres daquela instituição. O valor corresponde às receitas do mês de Março dos Serviços Provinciais de Migração na cidade de Maputo, cujos implicados são funcionários de topo. Actualmente, o caso se encontra sob alçada dos órgãos de justiça.

 

Ainda no histórico do SENAMI, isto no que respeita à falsificação de documentos de viagem, sobressai o “autêntico passaporte” de Momad Assif Satar, mais conhecido por “Nini Satar”, detido Julho de 2018 na Tailândia, na sequência da quebra da liberdade condicional que lhe fora concedido. O caso, no entanto, já foi a julgamento, tendo Nini Satar sido condenado a 1 ano de prisão e os funcionários do SENAMI ilibados. Nini Satar foi preso na Tailândia com passaporte autêntico, mas com o nome de Shaime Momed Aslam (por sinal seu sobrinho).

 

O Serviço Nacional de Identificação Civil tem sido um importante “braço direito” do SENAMI nesta subversiva empreitada, facto que torna estas duas entidades facilitadoras da ocorrência de crimes transnacionais, tais são os casos de tráfico de drogas, seres humanos e bem como de armas de fogo.

 

No domínio da Ordem, Segurança e Tranquilidade Públicas é onde subsiste, na actualidade, outro desafio estruturante e que, certamente, o longo percurso no corredor securitário terá de ser chamado à ribalta.

 

Amade Miquidade tem a espinhosa missão de repor a ordem, segurança e tranquilidade na já instável província de Cabo Delgado. Nesta província, tida hoje como a solução para debilitadas contas públicas derivado da existência de incomensuráveis reservas de Gás Natural Liquefeito (GNL), indivíduos, cujos rostos e motivações não foram ainda revelados, têm, desde Outubro de 2017, atacado alvos civis e militares. Munidos de armas brancas e de fogo, os indivíduos teimam em desafiar todas as leis da natureza e continuam a semear terror, pânico e luto naquela província da região norte do país. Cálculos feitos, desde o início dos ataques armados em finais de 2017, apontam para o registo de pouco mais de 500 óbitos e a destruição de inúmeras infra-estruturas (entre públicas e privadas) parcial ou mesmo na totalidade.

 

No centro do país, concretamente nas províncias de Sofala e Manica, repousa um outro foco de instabilidade. Novamente ataques armados (alvos civis e militares), mas que, desta vez, a Polícia da República de Moçambique diz estarem a ser perpetrados por indivíduos pertencentes à auto-proclamada Junta Militar da Renamo, liderada por Mariano Nyongo.

 

Este grupo, sabe-se, contesta a liderança do actual Presidente da Renamo, Ossufo Momade, sendo que, enquanto este continuar em frente dos destinos desta formação partidária, os ataques, tal como vem dizendo o grupo, não vão cessar.

 

A inclusão dos homens armados da Renamo no âmbito do Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR), resultante dos consensos alcançados entre Filipe Nyusi e Ossufo Momade, presidente da Renamo, é outro melindroso dossier que caiu às mãos de Miquidade.

 

No âmbito da implementação do referido processo, no caso o DDR, pelo menos publicamente, 10 antigos guerrilheiros pertencentes ao maior partido da oposição foram oficialmente enquadrados na Polícia da República de Moçambique, no passado mês de Dezembro.

 

De lá a esta parte, não se conhecem grandes avanços, senão as reclamações do Presidente da República com relação ao efectivo que o maior partido da oposição tem estado a apresentar no quadro da materialização do processo. A falta de clareza no que respeita às patentes está actualmente no centro da discórdia.

 

Dados oficiais apontam que o maior partido da oposição apresentou uma lista de 5.200 guerrilheiros.      

 

Ao nível da PRM, que desde a assinatura do Acordo Geral de Paz de 1992 sempre se mostrou fiel ao partido no poder e, consequentemente, não ter sido penetrada por homens provenientes da Renamo, Miquidade, caso queira materializar com êxito as recomendações deixadas pelo Comandante-em-Chefe das Forças de Defesa e Segurança, vai ter de puxar dos galões para quebrar a resistência que já perdura há um par de décadas.

 

Mas os desafios não se esgotam por aqui. Miquidade tem ainda a dura missão de acabar com o sindicato do crime que controla desde os corredores do Ministério até as unidades operativas da PRM. A rede, sabe-se, faz uso da corporação e dos seus meios para a satisfação de interesses contrários aos do Estrado, figurando o assassinato do conhecido activista social, Anastácio Matavele, em Setembro último, uma prova inequívoca. Matavele foi assassinado, em plena luz do dia, por agentes pertencentes à tropa de elite da PRM, confirmando, deste modo, a velha ideia da existência de “esquadrões de morte” no seio da corporação, cuja missão central é raptar, molestar e aniquilar todo aquele que ousa pensar diferente.

 

Aliás, depois de tirarem de circulação o representante do FONGA em Gaza, tal como escreveu um semanário da praça, os executores foram “promovidos” através de um despacho que ostenta a assinatura do Inspetor Geral da Polícia, Bernardino Rafael, por sinal o Comandante Geral da PRM.

 

Para além de Anastácio Matavele, Gilles Cistac (falecido), Jeremias Pondeca (falecido), Francisco Lole (desaparecido), José Jaime Macuane, Ericino de Salema, Matias Guente, estes últimos violentados e depois soltos, são algumas das vítimas deste impiedoso exército.

 

Uma atenção especial, ainda no que respeita às redes mafiosas, Miquidade terá de dar ao tráfico de drogas, de espécies protegidas (cornos e marfim), de armas e aos raptos. No que respeita aos raptos, embora nunca se tenha provado, mas publicamente se avança que são orquestrados e executados no seio da corporação, sendo as altas patentes peças-chave do puzzle, o novo timoneiro tem a espinhosa missão de erradicar estas práticas. (I.Bata)

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