A fome está instalada na região do Grande Maputo. A vaga de calor está a comprometer a produção de hortícolas na cintura verde de Maputo e Matola, reduzindo o fornecimento de vários produtos aos mercados destes pontos do país. “Carta” testemunhou esse facto, na manhã desta segunda-feira. Homens e mulheres, adultos e crianças, sofrem debaixo do sol intenso, procurando dar vida ao que resta das suas machambas para poderem ter o que comer e sustentar as suas famílias.
Na zona do Infulene é comum ver-se idosos, crianças e jovens, caminhando longas distâncias para obter água de modo a conseguirem regar as suas machambas. Entretanto, relatos de algumas testemunhas são de cenários críticos. Falam de mais da metade dos agricultores que abandonaram as suas respectivas machambas e optaram por ficar em casa, devido ao calor que tem destruído as hortícolas, tendo de procurar outras fontes de renda para sobreviverem a esta época.
Ester Mudlovo, residente no bairro Luís Cabral, produtora do vale do Infulene, há mais de 15 anos, contou à nossa reportagem que sempre que chega esta época a produtividade é baixa. Ester disse que teve de parar de ir à machamba porque estava a pagar os seus trabalhadores do seu bolso e, no final do mês, grande parte dos seus produtos eram deitados ao lixo, porque não só o calor causa danos às hortícolas, como também existe (nesta época) a mosca branca que come a couve.
Outra senhora, de 39 anos de idade, mãe de quatro filhos, Matilde Gomes, contou à nossa reportagem que o que se produz nas machambas nesta época (mas em quantidades muito reduzidas e com muita insistência) é apenas a couve, pois, no que respeita à alface, esta sai amarela por conta da intensidade do calor.
“Aqui tudo está a queimar. Aqueles que insistem estão a cada dia a colher produtos das machambas apenas para deitar fora. Plantamos a couve, mas somos obrigados a vender a um preço alto mesmo com pouca qualidade. Na época de frio vendemos o canteiro a 300 Meticais, mas agora os preços variam de 700 a 800 Meticais”, lamentou.
Félix Xavier Gomes, 39 anos e pai de cinco filhos, vive apenas da machamba. Considera chocante a situação vivida por muitos produtores na zona de Infulene. “Aqui os únicos que estão a conseguir sobreviver somos nós que temos mais de seis machambas; aqueles que têm uma ou duas estão a passar mal de fome, tudo está a secar. A alface normalmente leva um mês a sair, mas nesta época está a levar mais de dois meses e acaba saindo com um sabor amargo, por levar muito tempo na terra”, explicou.
Segundo Brito Mondlane, produzir no verão não é fácil: é necessário que se faça muito esforço. Sublinha que a alface que se produz não tem qualidade, mas mesmo assim as pessoas têm vendido a 800 ou 1000 Meticais por canteiro, sendo que quando há uma boa produção os preços variam de 200 a 300 Meticais.
Entre as áreas mais críticas que a “Carta” visitou, pudemos constatar que se destacam as que estão mais próximo à fábrica da 2M, visto que devido às chuvas que caíram nos últimos dias, cortou-se uma via que permitia a transitabilidade dos fornecedores de estrume aos agricultores e facilitava que os carros entrassem mais adiante para transportar os revendedores que abastecem as cidades. Testemunhamos também várias machambas sem produtos e, dos vários locais que visitamos, era visível grande parte de hortícolas queimadas.
Refira-se que, no Vale do Infulene, as principais hortícolas produzidas são a alface, a couve e a folha de abóbora.
De acordo com o Presidente da Associação dos Agricultores do Vale do Infulene, Justino Bauque, para além dos danos que os agricultores estão a ter por conta do calor, estes queixam-se do aumento de roubos nas machambas, alto custo dos remédios e das sementes, falta de água, e muita procura e pouca produção.
“Por conta do calor intenso somos obrigados a regar de três a quatro vezes por dia as nossas hortícolas. Entretanto, até os pequenos riachos que temos estão a secar por causa do calor. O rio Umbeluzi que é o que nos abastece nesta área, não está a conseguir produzir água suficiente. Somos obrigados a passar mais tempo cuidando dos produtos para que estes não morram. Outra grande preocupação é o facto de muitos bancos não aceitarem conceder empréstimos para os agricultores porque dizem que fazemos um trabalho de risco e não oferecemos nenhuma garantia”, relatou. (Marta Afonso)