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terça-feira, 19 novembro 2019 05:57

OMR defende alocação de 20 por cento do OE à agricultura

João Mosca

Está ainda a ser difícil o Governo cumprir com o plasmado na Declaração de Maputo, denominado Programa Integrado de Desenvolvimento da Agricultura em África (CAADP), que defende a alocação de 10 por cento do Orçamento do Estado (OE) à agricultura. Entretanto, o Observatório do Meio Rural (OMR), uma organização da sociedade civil que se dedica a estudos e pesquisas sobre políticas e outras temáticas relativas ao desenvolvimento rural, advoga a alocação de cerca de um quinto do OE, equivalente a 20 por cento, àquela actividade económica.

 

A proposta vem expressa na Análise ao Relatório de Execução do Orçamento do Estado (REO) de 2018, no que tange à agricultura e desenvolvimento rural, tornada pública há dias, pelo Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) e está enquadrada no projecto “Elevando o valor do dinheiro ao serviço do cidadão – Monitoria da Gestão de Finanças Públicas”, implementado por um consórcio de organizações da sociedade civil membros daquela plataforma.

 

A posição, justifica aquela organização, deve-se ao facto de a agricultura continuar a representar 25 por cento da economia e 70 por cento da força do trabalho, o que lhe confere o “direito” de ter maiores alocações orçamentais. Entretanto, avança que tal proposta “só é possível, através de uma reconfiguração da estrutura económica nacional em termos de prioridades”, por um lado, e, por outro, com a criação de uma Lei da Agricultura, que designaria os recursos obrigatórios a serem alocados ao sector, enquanto base do desenvolvimento nacional.

 

Na sua avaliação, o OMR afirma que a importância da agricultura, referida na Constituição da República, não se verifica na alocação orçamental, sendo que a Presidência da República e os sectores de defesa e segurança continuam a ser mais importantes do que a agricultura e o desenvolvimento rural, particularmente.

 

De acordo com o documento, de 12 páginas, datado do mês de Setembro último, os dados do REO, de 2018, revelam uma contínua secundarização da agricultura e desenvolvimento rural, quando comparados, por exemplo, com o serviço da dívida, ao ter-se alocado uma verba de 13.232,8 Mil de Meticais àquela actividade económica contra os 33.195,2 Mil Meticais destinados ao serviço da dívida pública.

 

Segundo o OMR, o crescimento dos Encargos da Dívida Interna é justificado pela concentração do pagamento de juros de Obrigações do Tesouro, emitidas nos anos 2013 e 2014 (anos da constituição das três empresas do calote – EMATUM, MAM e ProIndicus), maior utilização de Bilhetes de Tesouro, em comparação com o período homólogo de 2017, e ainda o pagamento de juros da dívida reestruturada e consolidada das Empresas Públicas, Projectos e Fundos, e compensação de gasolineiras.

 

“O facto de, em 2018, o Governo ter decidido alocar e gastar mais verbas aos Encargos da Dívida do que à agricultura e desenvolvimento rural (a despesa em Agricultura e Desenvolvimento Rural representa 80 por cento e em Encargos da Dívida equivale a 95,9 por cento do total previsto) denota que, naquele ano, a gestão financeira do Estado continuou a dar prioridade às classes mais privilegiadas da sociedade moçambicana, pois, são elas que mais benefícios retiram da situação do alto endividamento público (por exemplo, construção da Estrada Circular de Maputo e da Ponte Maputo-KaTembe)”, defende a análise.

 

Na sua análise, o OMR constatou ter havido inconsistência entre as prioridades definidas no Plano Económico Social (PES) de 2018 e as elencadas no respectivo Orçamento do Estado (OE). O documento, de 12 páginas, revela que o PES 2018 aponta, entre várias prioridades do sector agrário, a contratação de 305 extensionistas para prestar assistência a 728 mil produtores, em técnicas de produção; produzir e distribuir 2,7 milhões de doses de vacinas diversas para a sanidade animal; produzir cerca de 3.505,7 toneladas de semente diversa e libertar seis variedades de culturas adaptadas às diferentes regiões agro-ecológicas do país. Definiu também produzir 3,4 milhões de toneladas de cereais, 817 mil toneladas de leguminosas e 14,3 milhões de toneladas de raízes e tubérculos.

 

Porém, garante a fonte, o respectivo OE diz terem sido prioridades daquele ano o aumento da produção de cereais, com destaque para milho e arroz, de leguminosas, raízes e tubérculos; apoio à produção agrícola e pecuária; aumento de áreas de produção; reabilitação de regadios em Moamba, província de Maputo, e nos distritos de Chókwè, Guijá e Chibuto, na província de Gaza; e uso de sementes melhoradas, fertilizantes e pesticidas.

 

“Como se pode ver, a única coincidência está na produção de cereais, leguminosas, raízes e tubérculos”, destaca a fonte, acrescentando: “no PES de 2018, como nos de anos anteriores, encontram-se inscritas actividades ligadas à investigação agrária, excepto a disponibilização de novas variedades de sementes que, entretanto, reduziu de 2016 para 2018 em 12 variedades, concretamente de 18 para seis variedades, mas aumentou em duas variedades de 2018 para 2019”.

 

O OMR destaca ainda que a Extensão Agrária não teve orçamento de funcionamento e que os extensionistas não têm salários, para além de que os recém-recrutados são considerados “investimento.” “Ora, é impossível assistir a 728 mil produtores com uma alocação orçamental de 4 milhões de Meticais”, sublinha.

 

O documento, que leva a assinatura do economista Thomas Selemane, defende que o desfasamento que se verifica entre o PES e OE tem impacto na execução orçamental e no alcance das metas definidas no Plano Quinquenal do Governo (2015-2019), pois, durante estes cinco anos estavam previstos, por exemplo, 450 projectos de investigação, inovação e transferência de tecnologias, entretanto, em quatro anos, apenas foram 280, ou seja, 70 projectos por ano e não 90 projectos, como era ideal.

 

No capítulo do armazenamento, destaca a fonte, o Governo previa conservar, em silos operacionais, até 56.000 toneladas, mas até 2018, conseguiu armazenar 42.000 toneladas, o que equivale a dizer que, em cada ano, foi criada capacidade adicional de armazenar 10.500 toneladas. Espera-se também que, até ao final deste quinquénio, a percentagem de agregados familiares vivendo em insegurança alimentar crónica fosse apenas 16, mas o país vivia ainda 35 por cento das famílias nessa situação, em finais de 2018. Igualmente, projectava-se uma área de 16.000 hectares para construção ou reabilitação de regadios, no entanto, até 2018, estava-se na casa dos 9.000 hectares.

 

“Para além da enumeração dos projectos (programa PES e realizado), é necessário que o Governo faça uma análise da qualidade desses projectos. Pois, estudos do OMR indicam claramente uma má qualidade na conclusão técnica, na gestão e no acesso a esses projectos (regadios, silos e CEPSAs). Os três são ‘projectos-bandeira’ do MASA e do Ministério da Indústria e Comércio (MIC), no caso dos silos”, salienta o documento.

 

Outras formas de “secundarização” da agricultura

 

Outro dado ilustrador da secundarização da agricultura, em Moçambique, segundo a análise, está no baixo nível de investimento público alocado à investigação agrária, quando comparado com outros países da região e desenvolvidos. De acordo com os dados do OMR, a proporção de investimento na investigação agrária, em Moçambique, é de 0,24 por cento, muito abaixo dos 0,72 por cento que constitui a média da África Subsaariana e dos 1,99 por cento dos países desenvolvidos. Segundo aquela organização da sociedade civil, a proporção de investimento ideal seria de 02 por cento.

 

O estudo refere ainda que a secundarização da agricultura pode ser vista, através do insuficiente número de extensionistas, pois, em meados de 1980, o país contava com cerca de 1.400 extensionistas, porém, 30 anos depois, são cerca de 1.800 no sistema público de extensão rural. Ou seja, houve um aumento de cerca de 400 extensionistas, equivalente a um aumento médio anual de 13,3 extensionistas.

 

“O mesmo se deve dizer com relação ao controlo de pragas: não teve dinheiro para funcionamento e somente para investimento na ordem de 318 milhões de Meticais. Entretanto, as vacinas foram registadas como ‘investimento’. Enquanto isso, a irrigação teve orçamento de funcionamento, mas só gastou 71 por cento; e orçamento de investimento – 343 milhões e só gastou 87 por cento”, anota o documento.

 

Avança ainda que a principal falta de transparência no REO consiste no uso de designações diferenciadas em cada um dos documentos. “Por exemplo, no PES são usadas as designações constantes do PQG, ‘desenvolvimento do capital humano e social’, ao passo que no OE aparece a designação ‘Agricultura, Produção Animal, Caça e Florestas’ para se referir ao conjunto de acções implementadas nos distritos e localidades (estas incluem produção alimentar, água e saneamento, finanças rurais, entre outras)”, diz.

 

A pesquisa recomenda a produção e divulgação de REOs do sector da agricultura e desenvolvimento rural, pelos Ministérios da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA) e da Terra e Desenvolvimento Rural (MITADER), respectivamente, tal como faz o Ministério da Saúde (MISAU).

 

Refira-se que esta análise secunda outra do Banco Mundial, publicada este ano, que nota que a alocação do orçamento para a agricultura aumentou em termos reais, de 8,5 mil milhões de Meticais, em 2013, para 10,8 mil milhões de Meticais, em 2014; e que, desde o último ano de Armando Guebuza, na Presidência da República, as tendências da despesa caíram para 6,9 mil milhões de Meticais, em 2017, equivalendo a um declínio de 36 por cento. (A. Maolela)

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