Foi através da pesquisadora do Centro de Integridade Pública (CIP), Inocência Mapisse, que durante a Cimeira Alternativa da Sociedade Civil sobre Gás e Petróleo, realizada entre terça e quarta-feira, em Maputo, levantou-se, mais uma vez, o debate sobre a sonegação da informação por parte das empresas que actuam no sector de hidrocarbonetos, como elemento que propicia a falta de transparência e corrupção no sector.
Falando em torno dos “Desafios do Quadro Fiscal e Gestão de Receitas no Sector de Petróleo e Gás, em Moçambique”, Inocência Mapisse defendeu que a confidencialidade dos contratos, que se verifica na indústria extractiva, não ajuda a sociedade a aceder às informações que, em princípio, devem ser de domínio público. Citou, por exemplo, o caso da Kenmare, que explora as areias pesadas de Moma, província de Nampula, que nunca disponibilizou informação, o que pode permitir que a mesma venha dizer que nos primeiros 10 anos de exploração “não teve lucros” e “não pagou o IRPC (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas)”.
Como bom exemplo, a pesquisadora do CIP apontou a Vale, mineradora brasileira que explora carvão mineral, no distrito de Moatize, na província de Tete, que, segundo disse, tem disponibilizado informação relevante, apesar dos problemas que enfrenta, no que tange ao relacionamento com as comunidades locais. Aliás, a “abertura” da Vale faz com que a pesquisadora duvide do argumento, segundo o qual a informação constante nos contratos é sensível e confidencial.
Por essa razão, Inocência Mapisse propõe a fiscalização e o controlo, por exemplo, das transferências abusivas de capitais, através de métodos sofisticados de incremento de custos, que se poderão verificar nos próximos tempos, quando as empresas começarem a operar na plenitude.
Para Mapisse, “a cláusula de estabilidade fiscal que consta nos contratos pode servir para reduzir a habilidade do governo de rever os termos em circunstâncias inesperadas”. Acrescenta que os projectos de exploração de gás pagaram, até aqui, 24 por cento das receitas, em detrimento dos 32 por cento previstos na Lei, conforme consta no Relatório do Tribunal Administrativo (TA) de 2017, no que concerne aos custos recuperáveis.
Analisando o sector da indústria extractiva, Inocência Mapisse defendeu que a Sociedade Civil precisa, constantemente, se reinventar para fazer-se ouvir e, efectivamente, influenciar a governação no sector de Petróleo e Gás e dos recursos, no geral.
Uma posição similar foi manifestada pelo Jurista e Jornalista Ericino de Salema, que advoga a “devolução” dos Decretos que criam os Institutos públicos (INSS, INP, INE, etc.) ao Parlamento para a sua regulamentação, por entender que os mesmos foram mal concebidos.
Na sua intervenção, a partir da plateia, Salema chamou também a atenção para a questão da transparência no sector de petróleo e gás que, na sua óptica, “deve ser levada até às últimas consequências”, pois, esta e o respeito aos bons princípios “são centrais” neste sector.
Socorrendo-se do número 2, do artigo 28 da Lei de Petróleos, Salema disse que não estamos perante um regime transparente e reforçou o seu posicionamento, afirmando que não devemos figurar no mundo como um “exemplo de má prática legislativa”.
O referido número 02, do artigo 28, da Lei de Petróleos, estabelece: “sem prejuízo da salvaguarda da confidencialidade da informação comercial, estratégica e concorrencial das operações petrolíferas, o contrato de concessão principal celebrado sujeita-se à fiscalização e visto da entidade legalmente competente”, neste caso o Tribunal Administrativo (TA).
Na sua interpretação, Salema diz: “O governo, representado pela ENH, deve submeter os contratos para o visto do TA, entretanto, pode subtrair algumas partes deste contrato, ou seja, um órgão de soberania, a subtrair dum outro órgão de soberania, uma parte do contrato por supostamente ser segredo comercial. Esta situação é, no mínimo, grave, principalmente no Estado de Direito Democrático, por isso não deve ser aceite”.
Prosseguindo, Ericino de Salema exortou a Sociedade Civil a assumir a dianteira no processo de aprovação de uma Lei de participação pública no processo legislativo, que se encontra sob liderança da CTA (Confederação das Associações Económicas de Moçambique), há 10 anos, e que, na sua óptica, já levou muito tempo, para uma lei tão central.
O jurista propôs a regulamentação da participação pública para que os interesses de todos sejam acautelados, principalmente, numa altura em que é certa “uma maioria absoluta na Assembleia da República (AR)”.
AT rebate críticas
Em reacção às colocações feitas pelos intervenientes acima citados e não só, o representante da Autoridade Tributária (AT) no evento, Aníbal Balango, disse que a sua instituição está preparada para combater a evasão fiscal e que, em cada pagamento que as empresas fazem, as mesmas são obrigadas a apresentar a licença do minério a ser ou que é explorado e as respectivas quantidades.
Balango afirmou que a AT tem como função principal executar a Política Tributária e que não pode ir para além do estabelecido pela Lei. Acrescentando, disse: “nos últimos seis anos, a instituição criou uma equipa especializada, que olha de forma crítica as questões de exploração dos recursos naturais”.
O representante do “cobrador dos impostos” defendeu ainda que a instituição não tem competências de alterar a política tributária e muito menos a legislação, mas sempre que é solicitada sugere algumas perspectivas. Prosseguindo, disse que só em termos de pesquisa, os projectos custaram 12.5 biliões de USD, valor que se espera que retorne para os cofres do Estado logo que a exploração arrancar activamente.
Entretanto, revelou que dos projectos de Pande e Temane, explorados pela petroquímica sul-africana Sasol, o Estado só arrecada, anualmente, receitas estimadas em 03 por cento. Em termos de receitas acumuladas, o nosso país só embolsa 35 por cento e os restantes 65 por cento são para as empresas (neste caso a Sasol). Reconhece ainda haver problemas verificados, através de auditorias que são feitas às empresas. (Omardine Omar)