Receio é a palavra que melhor descreve a situação dos passageiros e transportadores que pretendem viajar de Maputo para os outros pontos do país, especificamente, para as províncias da região Centro e Norte. Há dias, “Carta” escalou o Terminal Rodoviário Interprovincial da Junta para, de perto, perceber a situação de embarque e desembarque bem como o estado de espírito dos passageiros e dos transportadores.
“Carta” encontrou na porta da bilheteira o casal Eusébio José e Alima Salimo. O casal está de “malas feitas” e o destino é a chamada capital do norte, a província de Nampula. A preocupação está estampada no rosto no casal, mas, ainda assim, seguir viagem é a palavra de ordem. Nem o senhor Eusébio e muito menos a dona Alima pensam em desistir da viagem, mesmo sabendo dos riscos que correm, tendo em conta os últimos acontecimentos.
O casal contou ao nosso jornal que vai a Nampula participar das exéquias fúnebres de um familiar, por sinal pai de Eusébio José. A escolha do meio terrestre, explicou Eusébio José, deriva da ausência de valores para custear as despesas com o transporte aéreo que, para além da rapidez, permitiria viajar em total segurança.
“Vou à cidade de Nampula porque perdi meu pai e as cerimónias fúnebres estão marcadas para sábado. Sei que há ataques constantes, mas não tenho como não viajar”, disse Eusébio José.
Na ronda por nós efectuada, encontramos mais um cidadão que também estava de “bagagem feita”. Chama-se Manuel Fonseca. Diferentemente do casal José, Fonseca já estava no interior do autocarro e com a sua bagagem devidamente despachada. De trato fácil, Manuel Fonseca disse, de forma aberta, que não sabia se chegaria ao destino, lembrando ao repórter da “Carta” que tinha família que dele dependia e que, se o pior acontecesse, todos estariam votados ao “abandono”.
A cidade da Beira, província de Sofala, é o seu destino final. Fonseca disse ao nosso jornal que esperava, sinceramente, que aquela não fosse a sua última viagem, pelo que depositava tudo nas mãos do “altíssimo”.
“Temos estado a acompanhar por via dos órgãos de comunicação social. Não há como não pensar no que se está a passar. Temos ouvido de tudo um pouco, mas espero que nada nos aconteça, por isso, deposito tudo nas mãos de Deus, todo-poderoso e misericordioso. Tenho fé que eu e os restantes passageiros chegaremos aos nossos destinos. Eu acredito nisso”, disparou Fonseca.
E porque não é apenas de passageiros que se fazem aqueles troços, procuramos ouvir a voz dos que têm a responsabilidade de transportar os que vêm à procura daqueles serviços. Desconfiança e medo são o denominador comum. Mas há, ainda, quem tente desdramatizar a situação.
“Carta” dirigiu-se à bilheteira da Nagi Investment, Etrago e Entre Rios, três transportadoras que fazem viagens para diferentes destinos nacionais.
Na Nagi Investment conversamos com o responsável pela venda dos bilhetes, que preferiu não ser identificado. A nossa fonte tratou logo de denunciar o fraco movimento. Apesar da redução do número de pessoas que procura pelos serviços, os bilhetes estavam a ser comercializados. Os bilhetes para as províncias de Sofala e Nampula estavam a ser vendidos e os compradores, embora não na velocidade habitual, também iam adquirindo.
Entretanto, questionamos se os relatos de violência que nos chegam de alguns cantos do país não constituíam motivo de preocupação. O nosso entrevistado, prontamente, respondeu: “não entro em assuntos políticos e a minha missão cinge-se, exclusivamente, na venda de bilhetes. Neste instante, é normal ter um volume baixo de venda das passagens”.
Por seu turno, na transportadora Etrago, a nossa reportagem apurou dos funcionários que a venda dos bilhetes estava a decorrer normalmente e que havia adesão. Mesmo com ataques esporádicos que têm acontecido, acreditavam que as autoridades competentes estavam a trabalhar para garantir que as pessoas cheguem em segurança aos seus respectivos destinos.
A tensão político-militar que marcou o último mandato de Armando Guebuza e o mandato de Filipe Nyusi, ora em fase final, foi o episódio trazido pelo nosso interlocutor como forma de ilustrar o período negro que esta actividade já viveu em resultado das desinteligências entre o Governo e a Renamo, o maior partido da oposição.
“Também eles não estão a atacar autocarros com passageiros, mas, sim, os veículos que transportam militares ou cargas", afirmou a fonte que preferiu falar na condição de anonimato.
Já no interior do Terminal Rodoviário Interprovincial da Junta, os colaboradores da companhia Entre Rios disseram à nossa reportagem que ainda era cedo para tirar conclusões, até porque as pessoas estavam a chegar, vindas do centro e norte, pelo que não tinham motivos para reclamações.
Apesar de tudo estar a correr na maior tranquilidade, não deixaram de manifestar a sua preocupação com relação ao cenário prevalecente, tendo, na ocasião, apelado às partes a optar pelo diálogo.
Aliás, realçaram que as viagens se tornaram perigosas porque não se sabe, ao certo, em que local “os malfeitores” têm estado a atacar, mesmo com a reintrodução da escolta militar nas regiões de Muxúnguè-Save e Nhamapadza-Caia. No entanto, os interlocutores dizem que a situação é de “deixar qualquer um de coração na mão”, sobretudo no troço Save - Caia.
Contudo, Daniel Macuácua disse que a PRM reforçou as condições de segurança ao longo da EN1, e garantiu que as transportadoras estavam a efectuar as suas viagens na maior tranquilidade. (Omardine Omar)