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terça-feira, 10 setembro 2019 06:15

Comunidades dos distritos de Nampula não recebem 20 por cento de exploração da madeira há mais de dois anos

As comunidades residentes nos distritos de Mecubúri, Murrupula, Ribáuè e Muecate, na província de Nampula, abrangidas pela Reserva Florestal de Mecubúri, reclamam não estar a receber o valor referente aos 20 por cento provenientes da exploração das áreas florestais, desde 2017.

 

Uma investigação levada a cabo pela “Carta” apurou, junto das comunidades e autoridades governamentais, que o problema se verifica há mais de dois anos. Os Serviços Provinciais de Floresta e Fauna Bravia reconhecem o problema e apontam questões burocráticas, a nível central, como a principal razão.

 

No passado dia 22 de Agosto, a nossa reportagem conversou com residentes das comunidades do Posto Administrativo de Shinga, no distrito de Murrupula, que lamentaram o facto, tendo revelado que só receberam os valores de 2014, 2015 e 2016. Ao nosso jornal, os líderes comunitários, que não aceitaram identificar-se, afiançaram ainda que, apesar de o Posto Administrativo albergar diversos operadores, eram canalizados, anualmente, valores que variam entre 12 a 15 mil Mts.

 

As fontes contam que os valores, que chegavam em numerário, através dos Chefes dos Postos, Administradores e funcionários dos pelouros responsáveis da área de florestas, eram alocados durante as visitas, que os dirigentes acima citados efectuavam às comunidades, sendo que este era entregue a um membro da comunidade, em detrimento de uma conta conjunta do Comité Comunitário de Gestão dos Recursos Naturais, onde o valor podia ser gerido por um grupo indicado pela comunidade beneficiária.

 

Ainda em Shinga, os membros das comunidades denunciaram um antigo Chefe do Posto, de nome Paulo Salimo, ora transferido para o distrito de Chiúre, em Cabo Delgado, que alegam ter fugido com valores referentes a 2015 e 2016. Os membros da comunidade reclamaram também de uma operadora florestal, de nome Marta Francisco, que dizem ter feito um “mar de promessas”, mas nunca chegou a cumpri-las.

 

Afirmam ainda que a mesma nunca chegou a comparticipar com os 20 por cento, pelo que, até ao momento, a comunidade aguarda pelo desembolso do valor, havendo alguns que até andam com as licenças da referida operadora florestal. O facto é que os operadores florestais, segundo apurámos, efectuam consultas públicas aos beneficiários sobre a aplicação do valor, para além de informar sempre que o Estado cobra os devidos impostos anuais, de modo a demonstrar transparência perante a comunidade.

 

Já no dia 23 de Agosto, a nossa equipa de reportagem deslocou-se à comunidade de Issipé, no distrito de Mecubúri, ainda na província mais populosa do país, com objectivo de perceber a problemática do desembolso dos 20 por cento. A comunidade foi directa, tendo dito que, desde 2014, não via o retorno da exploração florestal, embora exista um operador na área ao longo da Reserva Nacional de Mecubúri.

 

Na conversa colectiva com a comunidade, a mesma mostrou-se preocupada pelo facto de não ter conhecimentos e nem instrumentos de gestão dos 20 por cento, facto que levou uma organização da sociedade civil a capacitar os membros do Comité local, criado pela Direcção Provincial de Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural de Nampula. Porém, contam as fontes, estranhamente os serviços provinciais de floresta e fauna bravia disseram que iam canalizar o valor na conta do Presidente do Comité, de nome Hermínio Mucussete, mas que, entretanto, nunca recebeu.

 

Aliás, em relação à canalização de valores a contas privadas, “Carta” teve acesso a um talão de abertura de uma conta bancária, em nome de Luciano Baptista, supostamente residente no Posto Administrativo de Shinga, no distrito de Murrupula, com o objectivo de receber o valor referente aos 20 por cento provenientes da exploração dos recursos florestais.

 

A conta foi aberta a 14 de Dezembro de 2018, no Moza Banco, com o nº 1568718110001, na cidade de Maputo, na Rua dos Desportistas, no Edifício JAT 5-3, número 921. As comunidades dizem não conhecer o indivíduo, porém, fontes garantem que a conta tem recebido transferências dos serviços provinciais de floresta e fauna bravia e que, posteriormente, são levantados por alguns funcionários afectos aos mesmos serviços.

 

Mapa de distribuição dos 20 por cento nos 15 distritos abrangidos

 

No entanto, o mapa de distribuição dos 20 por cento nos 15 distritos onde se exploram recursos florestais, em Nampula, a que “Carta” teve acesso, referente a 31 Comités, dos 40 existentes, comprova que estas, de facto, não receberam os famigerados 20 por cento. São disso exemplo, os Comités de Namiroa, Munosse, Muatala, Lúrio Nacaropa, Parara e Muraquita, no distrito de Lalaua; Maruacha, Nicapue, Comone/Nantoco, Régulo Namicua e Régulo Macara (Malema); Nacocola, Cunle e Cunle Nore (Ribáuè); Muripa-Muite (Mecubúri); e Incheia, Moluvera, Mucari, Chacalua e Shinga (Murrupula). Porém, estranhamente, o comité de Issipé, que interagiu com “Carta”, no referido documento consta que recebeu os 20 por cento.

 

 

A situação é a mesma nos comités de Mogovolas (Muva e Régulo Calipo), Moma (CGRN-Wehererya orera, Régulo Guerra, Mucuali, Régulo Piqueira, Régulo Muquito, CGRN-Muliela-Savara), Larde (CGRN-Nauauane-Nambilane), Eráti (Jacoco, Odinepa, Kudua e Renenere), Nacarôa (no comité de Namirrupa), Meconta (Corrane/Ampita, Nicarro, Corrane e Jabir), Muecate (o comité ACGRN-Namaloca) e Mossuril (Caualela e Murrula).

 

Nestes comités, o discurso da população coincide com o do mapa, que aponta para dois anos de atraso na canalização do valor referente aos 20 por cento provenientes da exploração dos recursos florestais. Nos referidos distritos, as espécies mais frequentes são chanfuta, Umbila, Pau-Preto, Metil, Metonha, entre outras.

 

A versão dos Serviços Provinciais de Floresta e Fauna Bravia

 

De modo a perceber as razões que ditam os atrasos, “Carta” esteve nos Serviços Provinciais de Floresta e Fauna Bravia, na província de Nampula, onde conversou com Sebate Mabombe, Chefe do Departamento dos 20 por cento. A fonte disse que todos os comités, dos 15 distritos acima referenciados, já tinham recebido os valores, com excepção de algumas comunidades de Eráti, Mossuril e Mongicual, porque algumas delas têm as contas bloqueadas pelos bancos, pelo facto de as mesmas não estarem em uso.

 

Na conversa que manteve com “Carta”, Sebate Mabombe reconheceu que houve atraso no desembolso nos últimos dois anos, mas tudo devido a questões burocráticas a nível central, no entanto, tudo já tinha sido resolvido e os comités criados já estavam a usufruir dos valores.

 

Acrescentando, a responsável disse que, nos últimos tempos, devido à redução de operadores, alguns distritos ficaram sem os valores que os pontos 4 e 5 do artigo 35, da Lei 10/99, de 07 de Julho, denominada Lei de Florestas e Fauna Bravia, estabelecem.

 

A responsável dos 20 por cento nos Serviços Florestais e de Fauna Bravia, de Nampula, explicou que, em 2017 e 2018, o sector angariou 3.503.926,34 de MT, tendo sido pagos 2.865.608,84 de Mts, faltando canalizar 1.782.515,93 Mts aos respectivos beneficiários. Porém, no valor pago, Mabombe revela a devolução ou retorno de 186.724,00 Mts, por alegadamente as contas bancárias terem sido canceladas, destacando-se as comunidades do distrito de Eráti (100.342,50Mts), Mossuril (36.636,25Mts) e Mongicual (51.318,75 Mts).

 

No entanto, o discurso das autoridades, o mapa de distribuição dos valores e o sentimento das comunidades nos distritos acima citados contradizem-se e, no entender de fontes da “Carta”, na Província de Nampula, os 20 por cento estão a servir para erguer mansões, conforme constatamos ao longo da estrada que liga a cidade de Nampula e a vila-sede do distrito de Mecubúri, onde um simples técnico dos serviços provinciais de floresta e Fauna Bravia detém um duplex. (Omardine Omar)

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