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terça-feira, 17 outubro 2023 07:08

Assédio sexual nas escolas secundárias em Maputo: um mal silencioso por erradicar

O assédio sexual nas escolas secundárias da cidade e província de Maputo continua a fazer muitas vítimas, um fenómeno que leva as alunas a desistirem da escola para escapar à chantagem dos professores.

 

A chantagem é usada por alguns professores como pretexto para assédio sexual e os perpetradores não perdem tempo em ameaçar as alunas com supostas reprovações ou aprovar apenas a certa disciplina, caso estas não cedam aos caprichos do assediador (professor, aluno ou membros da direcção).

 

Uma reportagem feita pela “Carta” na província e cidade de Maputo, de 25 de Julho a 28 de Setembro, num universo de 15 alunas e 10 alunos, revela que ocorre assédio consciente e inconsciente nas escolas secundárias e várias alunas preferem sofrer em silêncio, receando aproximar-se aos gestores escolares para denunciar o acto de assédio, por medo de represálias. Nalguns casos, sequer contam aos seus progenitores.

 

Durante a ronda pelos estabelecimentos de ensino, a nossa reportagem abordou um aluno da Escola Secundária do Noroeste 1, na cidade de Maputo, de 16 anos de idade, da 12ª classe, que foi assediado pelo professor de língua portuguesa.  O aluno conta que tudo começou quando o professor conseguiu o seu contacto e passou a enviar-lhe vídeos eróticos e pediu-lhe que tivessem uma relação amorosa.

 

“Ele sempre me ligava a convidar-me para a sua casa, alegando que a esposa ia passar o fim-de-semana fora, mas eu recusava, o que o aborreceu. O auge das tentativas de assédio do professor foi quando ele começou a pedir que lhe enviasse minhas fotos sem roupas e, como recusei, começou a chantagear-me através de uma pauta em que constavam as minhas notas e ameaçou reprovar o meu primo, caso eu não me envolvesse com ele. Depois de carinhos, forçou-me um beijo numa das salas de aulas da escola. Ele foi insistindo em mandar fotos das suas partes íntimas e eu acabei contando às minhas tias o que estava a acontecer e elas ajudaram-me a juntar provas que o incriminassem e conseguimos meter queixa na polícia e o professor foi detido”, conta o aluno.

 

Entretanto, o caso não teve repercussões na escola porque a direcção e os alunos não chegaram a saber quem foi o aluno assediado pelo professor porque o caso foi tratado pelas autoridades policiais e encaminhado ao tribunal.

 

Sobre este caso, o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM), Leonel Muchina, diz que, graças à denúncia do pai do aluno, o professor foi detido na 12ª esquadra em Mavalane e de lá seguiu para outras instâncias.

 

“As atitudes deste professor de enviar vídeos eróticos para este aluno e a tentativa de manter relações sexuais mostram que o mesmo pode não ter sido a única vítima do professor”, diz Muchina, que afirma que neste momento o caso está com o tribunal.

 

Segundo o porta-voz da PRM na cidade de Maputo, não tem sido frequente receber casos de alunas ou alunos assediados por professores, razão pela qual não há registo de dados mais recentes. Entretanto, para esse tipo de casos, a polícia encaminha à esquadra e de lá o suspeito é conduzido ao tribunal.

 

Tentamos várias vezes conversar com o director da escola que raramente se encontrava no seu estabelecimento de ensino e, porque os funcionários se recusavam a partilhar o seu contacto, procuramos o director pedagógico.

 

Este, por sua vez, explicou-nos que não podia dar muitos detalhes sobre o assunto porque quem tinha melhor conhecimento do mesmo era o director da escola, mas garantiu que o caso aconteceu numa altura em que o professor já estava em vias de transferência para outra instituição de ensino.

 

“O professor já não se encontra aqui, ele foi transferido para outra escola por isso não demos muita atenção ao assunto, mas quem pode detalhar é o director da escola”.

 

Finalmente, “Carta” conseguiu ouvir a versão do director da Escola Secundária do Noroeste 1, Armando General, o qual afirmou em poucas palavras que a direcçao não deu atenção ao caso do assédio do aluno porque foi despoletado numa altura em que o professor já tinha sido transferido para outra escola, embora tenha acontecido naquele estabelecimento de ensino e com um aluno que estuda nesta escola.

 

Outros relatos chegaram-nos da Escola Secundária Gwaza Muthini, na província de Maputo, onde depois de uma denúncia pública às estruturas administrativas de Marracuene, ficamos a saber que ocorrem vários casos de assédio sexual. Em conversa com várias alunas, soubemos que alguns professores exigem sexo em troca de notas para passagem de classe.

 

“Eu preferi reprovar numa das disciplinas porque me recusei a dormir com o professor e eu jurei para mim mesma que repetiria a cadeira quantas vezes fossem necessárias, mas não me sujeitaria a dormir com um professor”, explicou uma das alunas da 10ª classe.

 

Segundo contou a aluna de 15 anos, enquanto o professor corria atrás dela, decidiu partilhar o caso com uma colega que a aconselhou a denunciar à direcção da escola, mas ela optou em fazer o exame da disciplina do referido professor como aluna externa e conseguiu passar.

 

“Tive receio de contar aos meus pais o que estava a acontecer porque seria difícil acreditarem, eles diriam que eu reprovei porque não estudo e não porque o professor me assediou”.

 

Outra aluna contou-nos que os professores chegam a ser vingativos e ousados quando desejam uma estudante. “Tenho uma vizinha que é aluna desta escola que chumbou numa disciplina porque não aceitou dormir com um professor, e esta é uma realidade por que estamos a passar na nossa escola de Gwaza Muthini. Nós nos calamos porque temos medo de apresentar esta situação à direcção e algumas colegas optam por desistir da escola”, explicou a aluna.

 

Em conversa com o Director da Escola de Gwaza Muthini, Inocêncio Homo, em relação às denúncias sobre o assédio, este esclareceu que também ficou surpreso quando ouviu sobre o assunto.

 

Entretanto, garantiu que está em curso um trabalho para compreender o que efectivamente aconteceu. “Ainda não temos dados que possamos precisar. Se conseguirmos alguns dados iremos partilhar, ainda estamos a investigar”, frisou.

 

“Nós nunca tivemos conhecimento de casos de assédio sexual aqui na escola, então, é difícil dizer que atitude temos tomado em relação a este tipo de acontecimento. Neste momento, constituímos uma comissão que está a investigar casos de assédio aqui na nossa escola e, se forem descobertos alguns professores que praticam tais actos, medidas serão tomadas para cada caso”, disse.

 

Outro caso ocorreu na escola Secundária Quisse Mavota, onde um aluno e alguns professores contaram à nossa reportagem que, no trimestre passado, um aluno teria tentado assediar uma aluna na casa de banho das meninas.

 

“Tudo começou quando um aluno espalhou um pó estranho no pescoço do seu colega e este começou a passar mal e, como forma de fugir, o aluno entrou na casa-de-banho das meninas e trancou-se tentando assediar uma das alunas. O caso foi tão polémico na escola que acabou sendo reportado no jornal da escola e foi colado na vitrina da mesma”, explicaram sem dar muitos detalhes. O caso acabou sendo abafado na escola, mas o aluno foi suspenso por uma semana”.

 

A directora pedagógica da Escola Secundária Quisse Mavota, Paula dos Santos Tembissa, não confirmou o caso, mas avançou: "o caso não aconteceu como os alunos contam. Na verdade, não houve nenhuma tentativa de assédio. Não consideramos este caso um assédio. O aluno apareceu com um produto estranho, aplicou no pescoço do colega e nós percebemos que o mesmo passou mal. Posto isto, o aluno decidiu trancar-se na casa de banho das raparigas impedindo as mesmas de entrar. Tivemos de intervir e obrigamos o aluno a sair. Chamamos os seus encarregados, explicamos o que ocorreu e demos uma suspensão de uma semana, sendo que o mesmo voltou a ter aulas normalmente. Não temos registado casos de assédio sexual aqui na escola e, se ocorrerem, existe um jornal interno onde os alunos podem expor a sua preocupação e denunciar o assunto. Entretanto, para este caso, não consideramos que se tenha tratado de assédio entre colegas”, explicou.

 

Depois de ouvirmos a versão da directora pedagógica, pedimos que nos mostrasse o jornal onde foi reportado o caso “que ela não considera assédio”, mas depois de cerca de 30 minutos, chamou-nos e informou-nos que o jornal desaparecera, sem deixar rastos.

 

Numa breve conversa com o Psicólogo Bernardo Maholela sobre o caso de assédio protagonizado por um professor na Escola Secundária do Noroeste 1, este explicou que pode ser um pouco desconfortante para o aluno saber que alguém foi preso por sua causa.

 

“O simples facto de este aluno ter feito a denúncia e o professor ter sido preso pode trazer algumas sequelas de culpa pela prisão do professor, mas também pode ter a sensação de que a justiça foi feita e pode ficar feliz com isso”.

 

Maholela vai mais longe e afirma que cada indivíduo deve sempre consultar um psicólogo como forma de ter auto-conhecimento e blindar o campo psicológico, isto porque o ser humano tem suas fragilidades e não consegue se proteger de muita coisa. Então, os mais adultos podem ter facilidade de gerir os problemas e evitar traumas, mas os pais podem desempenhar um papel preponderante de cuidar dos seus filhos.

 

“Os pais precisam ser mais comunicativos com os filhos e eles serem abertos com os seus progenitores para que possam alcançar alguns resultados no que tem a ver com a saúde emocional de cada adolescente e jovem. Digo isto porque algumas crianças sofrem assédio simplesmente por causa da sua forma de ser e de estar, outras porque são carentes de amor paterno ou materno e acabam dando sinais à pessoa que vai criar o assédio. Elas acabam mostrando que são frágeis, então, as crianças minimamente preparadas pelos progenitores podem ser capazes de voltar para casa e contar o que está a acontecer”, frisou.

 

Uma pesquisa mais recente realizada na cidade e província de Maputo com 3000 alunos mostrou que apenas 44,5 por cento sabem que a legislação moçambicana combate a Violência ou Assédio Sexual e 25,1 por cento sabem da existência desta lei. A pesquisa foi realizada pelo Movimento de Educação para Todos (MEPT), uma organização que trabalha em parceria com o Ministério da Educação para erradicar este mal.

 

Dos 3000 alunos entrevistados pelo MEPT, 82 por cento na província de Maputo (1700 alunos) mostrou que já ouviu um colega que passou por uma situação de assédio na escola.

 

Os dados revelam ainda que, na província de Maputo, 1696 alunas sofreram pela prática de sexo forçado, enquanto a cidade de Maputo registou 1299 casos. Em relação ao promotor do acto, a cidade de Maputo tem maior percentagem de professores com 93,8 por cento e 6,3 por cento na província.

 

Segundo a Secretária Executiva do MEPT, Isabel da Silva, a organização tem estado a trabalhar num mecanismo sectorial de prevenção e combate à violência na escola. Este mecanismo traz directrizes claras sobre como é que a questão da violência, que inclui o assédio sexual no ambiente escolar, pode ser denunciada e como pode ser feito o encaminhamento pela própria direcção da escola. O instrumento traz ainda orientações sobre como é que cada um ao seu nível pode desempenhar o seu papel na denúncia, encaminhamento e seguimento desses casos, incluindo informações relevantes sobre o que é que o aluno ou a aluna pode fazer.

 

Entretanto, dados colhidos no terreno este ano indicam que ocorreram três casos de Assédio Sexual nas Escolas que o MEPT tomou conhecimento. O primeiro é o do aluno da Noroeste 1, sendo outro numa escola em Marracuene.

 

″Tivemos também informações de duas províncias cujos nomes não posso precisar porque não me ocorre com mais um dos casos em que um professor engravidou uma aluna e acabou sendo transferido. Mas os dados sobre o assédio sexual nas escolas estão dispersos″. (M.A)

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