Mais de 50 funcionários do Instituto Oceanográfico de Moçambique (INOM) mostram-se revoltados por uma alegada partilha injusta dos recursos humanos, materiais (móveis e imóveis) e financeiros no âmbito da reforma do extinto INAHINA, em detrimento do Instituto do Transporte Marítimo (ITRANSMAR), sob tutela do Ministro dos Transportes e Comunicações, também criado no âmbito da extinção do INAHINA, através do Decreto nº 83/2021 de Outubro.
Os lesados dizem que a partilha injusta de recursos está a afectar as actividades do INOM, Instituto público, nomeadamente, na definição de regimes hidrográficos nas águas marítimas, fluviais e lacustres nacionais; realização de estudos e disponibilização de informação necessária à sinalização nas referidas águas, tendo em vista a navegação segura nas águas sob jurisdição nacional. Sem meios suficientes, os funcionários alertam que o país pode cair na lista negra por insegurança marítima. Todavia, o Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC) diz que todas essas alegações não correspondem à verdade.
O problema começa quando, em 2015, o Governo decide imprimir reformas na marinha, facto que culminou com a extinção do INAHINA. Nesse contexto, para orientar o processo, os Ministérios do Mar, Águas Interiores e Pescas (MIMAIP), de Transportes e Comunicações (MTC), Economia e Finanças (MEF) e o da Função Pública (MAEFP) aprovaram, em Fevereiro de 2022, um Diploma Ministerial que refere que a partilha dos recursos do INAHINA deve ser assegurada tendo em conta os princípios de boa-fé, transparência, proporcionalidade, cooperação, colaboração e mútua compreensão entre os ministérios de tutela do ITRASMAR e do INOM.
Entretanto, de acordo com uma denúncia de 54 funcionários do INOM feita junto à Assembleia da República e ao Primeiro-ministro, esses princípios não foram observados, pois o ITRANSMAR abocanhou grande parte dos recursos, senão todos, deixando o INOM sem meios para levar a cabo as suas actividades. “Analisando o processo, com todo o cuidado, deparamo-nos com situações clamorosas de falta de transparência e proporcionalidade na partilha, consubstanciando em práticas de má-fé, ao se fazer, por um lado, a omissão de vários processos, em detrimento do INOM e, por outro, ao beneficiar, em termos quantitativos, o ITRANSMAR, na partilha, tanto em móveis, quanto em imóveis”, queixam-se os funcionários em carta encaminhada, em Março de 2022, à Assembleia da República e ao Gabinete do Primeiro-ministro.
Na sequência desta denúncia, o Primeiro-ministro exarou um Despacho ordenando a constituição de uma comissão interministerial (MEF, MAEFP, MIMAIP e MTC) para rever e alterar, se necessário, os decretos que criam os novos ministérios.
Entretanto, os queixosos afirmam que esse Despacho não está a ser cumprido. Em verdade, os 54 funcionários alegam que nunca foi criada uma comissão e o que se verificou é que o MTC, através de quadros que dirigiam a instituição extinta, determinou o que deviam dar ao INOM e nenhum destes quadros que participou da partilha foi alocado ao INOM, numa clara prova de que agiram de má-fé.
Os recursos reclamados
Das várias inconformidades observadas na partilha de bens do extinto INAHINA, pelos dois Institutos, o destaque vai para os recursos humanos, patrimoniais e financeiros. Quanto aos recursos humanos, os queixosos afirmam ter havido maior desproporcionalidade em relação aos critérios de ajudas à navegação, manutenção e infra-estrutura e pessoal marítimo. Neste âmbito, nenhum técnico de manutenção de faróis foi alocado ao INOM senão os sete agentes de serviços (guardas) arrolados na lista de afectação, portanto, não há nenhum técnico para manutenção de faróis. O farol Pomene está apagado desde o último ciclone por falta de recursos técnicos e financeiros.
Da partilha, o INOM ficou com seis embarcações, mas com apenas duas tripulações, o que não lhes pareceu razoável ou procedente. Outro dado, referem os funcionários, ao INOM não foram afectos técnicos de manutenção de equipamentos electrónicos, tendo passado todos para o ITRANSMAR. Aliás, o INOM não recebeu nenhum equipamento para sondagem hidrográfica apesar destes serviços terem sido alocados ao mesmo. No que toca aos imóveis, o grupo constatou desigualdades na partilha de residências em Maputo, Nacala e Pemba, bem como em armazéns para o material/equipamento de Hidrografia, Oceanografia e Ajudas à Navegação.
Em relação às viaturas, os 54 funcionários referem em missiva que, num universo de 30 viaturas declaradas, coube ao INOM apenas 10 e na sua maioria com uma idade bem avançada (quilometragem elevada), adquiridas entre 2006-2013. Trata-se de viaturas de cabine simples, na sua maioria, inadequadas para o transporte de técnicos durante as missões de levantamentos topo-hidrográficos, oceanográficos e manutenção de faróis. Aliás, realçam que desta partilha o ITRANSMAR ficou com 20 viaturas (cabine dupla), todas adquiridas nos últimos anos.
Quanto às motorizadas, num total de cinco declaradas e adquiridas recentemente, os queixosos afirmam que apenas uma foi alocada ao INOM. Para eles, esse facto significa que não se teve em consideração a necessidade de prover os guardas dos faróis de meios circulantes, mesmo sabendo que a maioria destes se encontra em zonas remotas.
A irregularidade mais gritante diz respeito aos recursos financeiros. Aqui os funcionários reclamam a não repartição da receita proveniente da cobrança das taxas de Ajudas à Navegação, que era responsável pelo financiamento de cerca de 90% das actividades do extinto INAHINA, nos domínios de Hidrografia, Cartografia, Oceanografia e Sinalização Marítima. Aliás, é importante realçar que a concepção da Taxa de Ajudas à Navegação tinha em vista financiar actividades do extinto INAHINA de forma integrada nos domínios retro referenciados. "Estranhamente, durante a constituição dos dois institutos deixou-se vincada a compreensão de que a Taxa em alusão resulta, exclusivamente, da sinalização Marítima, como se esta fosse possível sem a intervenção dos demais domínios, nomeadamente, a hidrografia e a oceanografia", sublinham os funcionários.
Devido a todas essas inconformidades, os funcionários do INOM dizem-se sem recursos suficientes para fazer face às suas actividades, com destaque para as sondagens hidrográficas para subsidiar a sinalização marítima ou auxílios à navegação e posterior produção das cartas náuticas. Como consequência, os funcionários afirmam que o país corre o risco de cair na lista negra da Associação Internacional de Auxílios Marítimos para Autoridades de Navegação e Farol (IALA), de que é membro.
Para o cúmulo, os funcionários afirmam que, com a saída de parte de especialistas para o INOM, a sinalização que o ITRANSMAR está a fazer não é fiável, pois, não está a ser precedida pelo trabalho hidrográfico do INOM. Quer dizer, as cartas náuticas dirão uma coisa, quando no terreno os sinais estão noutras posições, o que naturalmente provocará acidentes marítimos. Aliás, as fontes sublinham que a hidrografia e a sinalização marítima nunca deviam ter sido separadas porque se complementam.
Mesmo com graves consequências para a segurança marítima do país, os funcionários dizem que as suas preocupações não estão a merecer a devida resolução pelo Governo. Como consequência, dizem que há aproximadamente dois anos as actividades de hidrografia e cartografia não estão a ser executadas e nem há perspectivas, por falta de recursos financeiros, isto tudo resultante de um processo de partilha mal executado, o que põe em causa o mérito deste processo de reestruturação, porquanto se destruiu o INAHINA com 32 anos de existência que era referência a nível internacional, para se criar uma instituição inoperante, desperdiçando técnicos qualificados (em ócio) da área e recursos financeiros em salários.
MTC nega todas as alegações
Perante a denúncia, “Carta” solicitou a reacção do MTC que superintende o ITRANSMAR, acusado de ter ficado com grande parte dos recursos do extinto INAHINA. O Ministério negou todas as acusações, alegadamente porque da reestruturação do Instituto Nacional da Marinha que outrora era da tutela do MTC, saíram os aspectos de fiscalização marítima, gestão e controlo dos espaços marítimos, preservação do meio-ambiente e do exercício da Autoridade Marítima, para o MIMAIP e os aspectos do meio de transporte marítimo em si e sua regulação, para o ITRANSMAR, IP (ver os Decretos de criação).
“Contudo, o inconformismo às mudanças e decisões impostas pelo Governo vem fazendo grupinhos de funcionários, em nome da maioria escrever e falar de coisas totalmente desajustadas à realidade actual. Ora vejamos: a) Não existe relação nenhuma do processo de criação de novas instituições e de partilha de recursos do INAHINA entre o INOM e ITRANSMAR, IP com o alegado risco de se cair na lista negra de insegurança Marítima. b) Até hoje, temos todos os canais de acesso aos portos nacionais devidamente sinalizados e a garantirem a entrada e saída segura de navios aos portos, desde Maputo, Beira, Nacala, Pemba, Quelimane e Inhambane. Entendemos que nesta fase os funcionários e instituições deveriam estar focados em garantir o cumprimento do mandato atribuído e não em querer remar contrário às decisões já tomadas pelo Governo no contexto de extinção das antigas instalações e criação de novas”, lê-se na reacção do MTC. (Carta)