Comemoramos no dia 10 de Outubro o Dia Mundial da Saúde Mental numa celebração ainda mais especial: os 20 anos da CERCI – Associação de Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados. Esta associação de pais e familiares de crianças e jovens especiais (ou crianças e jovens excepcionais, como tão bem aprendemos na cerimónia), acolhe 64 utentes com necessidades educativas especiais.
Durante mais de metade destas duas décadas a MPDC teve o orgulho de ver crescer a CERCI, dando corpo ao sonho de ter uma escola própria e dar esperança a cada vez mais crianças e jovens Moçambicanos.
Poder ter feito parte deste processo de crescimento é para nós uma imensa lição de humildade. Num momento de introspecção, olhámos para todos os feitos atingidos pelos pais, funcionários e utentes da CERCI e enchemo-nos de gratidão por nos terem deixado acompanhar a sua dedicação a uma causa que deveria ser de toda a sociedade.
Durante a cerimónia, a MPDC e outras instituições foram agraciadas pelo seu envolvimento na causa da inclusão (no caso da MPDC, no projecto de emprego inclusivo Porto + e no longo processo de transformação da CERCI). Mas quando empresas, pessoas e instituições são agraciadas por fazer o mínimo, acreditamos que há uma inversão de valores na nossa sociedade. Ou não seremos nós - todos nós - que devemos agradecer à CERCI pela oportunidade que nos dá de nos sentirmos mais humanos, juntando-nos ao seu esforço de criar condições para que as crianças e os jovens excepcionais, recebam o atendimento e carinho que é seu por direito? Será que nós, parceiros desta causa, já fizémos o suficiente? Será que a sociedade, que é cada um de nós, tem feito algum pela causa ou sequer pensado nela?
A CERCI é uma instituição que depende quase totalmente dos apoios que recebe dos seus diversos parceiros. O tipo de serviço oferecido pela instituição é o de uma escola do mais elevado padrão de assistência. As suas 8 salas – cada uma delas apadrinhada por uma empresa parceira – oferece o serviço de educadoras, fisioterapeutas, terapeutas da fala, psicólogas e psiquiatras entre muitos outros funcionários que conseguem mostrar que qualquer criança pode ser capaz de ocupar um lugar digno na nossa sociedade.
Como tão bem referiu Elsa Santos (psicóloga e membro fundadora da CERCI) durante a cerimónia, o trabalho da CERCI não apoia somente as crianças; apoia centenas de mães e outros familiares que, ao terem quem cuide dos seus filhos, com amor e dedicação, podem garantir a sobrevivência e o bem-estar das suas famílias.
Como instituição sentimo-nos gratos, também e sobretudo, às crianças e jovens que nos mostram que são capazes de viver, trabalhar e vencer, lado a lado com os demais, quebrando todas as barreiras da discriminação e dos tabus contra a deficiência. Deficiência não é crime, não deve ser escondida. Estas crianças mostram-nos, todos os dias, como a diferença pode e deve ser celebrada.
Perguntamo-nos, por isso, se este modelo de associação, que precisa de pouco mais investimento do que amor e dedicação a uma causa, não poderia ser replicado por todo o país?
Para além de um agradecimento profundo às grandes lições que a CERCI nos deu através da causa da inclusão, esta carta pretende ser um apelo: para que nunca achemos que já fizémos o suficiente para integrar estas crianças e jovens na sociedade; para que saibamos sempre ver a excepcionalidade em cada uma delas e como elas e eles nos transformam e nos tornam seres mais humanos e mais humildes.
Gostaríamos de terminar esta singela carta citando o sonho do Limiha, um menino autista de 13 anos. Durante a cerimónia, este menino franzino que, na CERCI, fazendo-se valer da Sala da informática doada pela Movitel (em que há internet gratuita para as crianças 24 horas por dia), aprendeu, qual autoditacta, a comunicar-se em várias línguas (inglês, francês, italiano), tomou da palavra e ditou da sua sentença: “em 2027 vou trabalhar no Porto de Maputo!”. Pasme-se, em 2027 o Limiha faz 18 anos! Quanta determinação e foco! Quanta força de vontade.
Os “Limiha” gritaram alto: tenho um sonho... a esperança deles, e que o seu grito ecoe nos nossos corações.
Termino esta carta plagiando o grito do “Do Carmo”: Deixem-os Sonhar!
Obrigado CERCI. Bem hajam!
OLucas