Issa Mussá começou o jejum que acompanha o mês do Ramadão, mês de maior reflexão e religiosidade entre muçulmanos, em que as rezas vão pedir o regresso da família, raptada por insurgentes em Cabo Delgado, norte de Moçambique.
"Seis pessoas da família" foram raptadas no último ano, conta à Lusa, abrigado no bairro de Paquitequete, na capital provincial, Pemba, como milhares de outros deslocados.
"Primeiro, foi o meu filho que saiu daqui" e foi sequestrado, com a respetiva família, e depois "outro em Olumbué, capturado juntamente com a minha neta".
"Não sabemos onde param", lamenta o antigo residente e comerciante do bairro de Milamba, em Mocímboa da Praia, que aos 52 anos esperava viver tranquilo.
"Apelo ao Governo para voltar para casa", diz, como quem pede meios de segurança que permitam aos habitantes retomar as vidas.
Há um ano, a situação estava fora de controle, recorda Issufo Mussá, líder religioso, porque tinha acabado de acontecer o ataque armado a Palma, incursão mediática a nível mundial, porque, além das comunidades locais, paralisou o projeto de gás que envolve petrolíferas e multinacionais.
Uma ofensiva militar com apoio internacional virou a insurgência do avesso, mas uma nova crise existe agora na Ucrânia: "morrem como nós", refere Issufo - e por isso são também lembrados.
Em Cabo Delgado, o cenário está diferente.
"Aqui em Pemba, no ano passado, isto foi mais difícil: havia correria", com a debandada geral de Palma, "morria-se, não tínhamos controle", refere o delegado da Comunidade Islâmica de Moçambique no bairro de Paquitequete - na altura uma voz inconformada com o avanço dos grupos rebeldes.
Hoje as forças internacionais que se juntaram às tropas moçambicanas permitiram recuperar segurança, mas o fardo da fome, falta de abrigo e outros bens essenciais pesa sobre quase 800 mil pessoas (metade das quais crianças) que permanecem deslocadas.
A capital provincial, Pemba, é o distrito que mais deslocados acolhe, 152.000 segundo dados da Organização Internacional das Migrações (OIM).
Issufo cedeu o espaço da sua mesquita a vários deslocados e familiares - como o cunhado Issa - e partilha com eles ajuda alimentar, um conforto para quem sofreu "o pior", mas sabe que "a paz chegará".
"São os versos dessa canção", descreve, ao apresentar um grupo de jovens deslocadas de Mocímboa da Praia que ensaia cânticos com letras de histórias vividas na primeira pessoa e que o líder religioso diz "arrepiarem" só de ouvir, assim entoadas.
"Em Cabo Delgado estamos com muito 'peso'", destaca, numa alusão à dimensão das necessidades humanitárias: "Este Ramadão estão aqui os deslocados e eles não têm nada".
A situação é agravada por falta de ajuda alimentar para responder a todas as necessidades e devido ao desvio de alguns desses apoios.
"Há problemas com essa ajuda humanitária, aqui na cidade e lá fora, nos centros de acolhimento. A comida não é suficiente e alguns [deslocados] estão a voltar" às suas terras, mesmo sem ordens para o fazer, mesmo sem segurança garantida, descreve Issa Mussá.
Issufo diz que já chegaram várias queixas à sua mesquita sobre condutas inapropriadas por parte de quem distribui os géneros alimentares ou os cheques para troca por produtos no comércio local, desviando-os.
Os cheques chegam a ser encontrados nas ruas, a ser vendidos por crianças, relata.
Diz conhecer os canais criados para denunciar abusos - caso da linha telefónica gratuita 1458 -, mas refere que muitos beneficiários calam-se e ficam sem comida: há a barreira da língua, da idade, do medo da autoridade ou o desconhecimento puro de quem nunca viveu numa cidade.
Além do mais, refere, "ninguém quer estar sempre, sempre a fazer queixas".
“A situação merece atenção e agora vamos ficar mais tranquilos e à vontade para rezarmos ", um ano depois da emergência provocada pelo ataque a Palma, diz.
O líder religioso diz que “a violência tem de acabar”. “Não só aqui, tem de acabar em todo o mundo. O que pedimos aqui, estende-se para todo o mundo", descreve Issufo Mussá, classificando-o como "um pedido de paz global, que chega à Ucrânia".
"Eles estão a morrer como nós. Se pedirmos, [a oração] também pode salvar a Ucrânia, é um pedido para todo o canto", conclui.(Lusa)