Desde que a missão militar ruandesa em Moçambique teve início, em Agosto do ano passado, circulam rumores sobre o seu financiamento. Estes rumores têm sido alimentados pelo habitual silêncio do governo moçambicano e por relatórios intransparentes. Por outro lado, a afirmação do Presidente ruandês, Paul Kagame, de que o próprio Ruanda está a financiar esta missão e nada esperar em troca, não mereceu qualquer credibilidade.
Enquanto os custos da missão SAMIM, do SADC, foram discutidos em pormenor e aprovados nos respectivos parlamentos ou comissões, pouca, ou nenhuma informação há sobre os custos do contingente de 2 a 3.000 militares do Ruanda. De acordo com estimativas, os custos mensais ascenderão a 20 milhões de dólares.
Coloca-se, pois, a questão, como pode um pequeno país como o Ruanda suportar estes custos?
Até agora havia especulações de que a França teria contribuído para o financiamento, através do aumento da sua ajuda para o desenvolvimento ao Ruanda (de facto, desde o início da missão militar em Moçambique tem havido numerosos contactos entre os presidentes Macron e Kagame). Foi também posta a hipótese do envolvimento da empresa multinacional de energia TotalEnergies, por exemplo através de investimento na produção de electricidade no Ruanda, especialmente desde que o contingente ruandês assegura uma faixa de segurança de 30 km de largura em torno do estaleiro de LNG da multinacional em Cabo Delgado. Outros rumores sugerem que o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, terá oferecido ao Ruanda uma participação em concessões de recursos minerais, em Moçambique. Mas até agora todas estas hipóteses não passam de rumores, ou seja, informação não confirmada.
Agora, pela primeira vez, uma pessoa detentora de um cargo relevante, nomeadamente o Chefe da Capacidade Militar de Planeamento e Condução (CMPC) da UE, Vice-Almirante Hervé Bléjean, que é também o Comandante-Chefe da missão EUTM-Moçambique, comentou publicamente esta questão.
Durante uma audição realizada a 26 de Janeiro na Comissão de Segurança e Defesa do Parlamento Europeu (SEDE), Bléjean afirmou que o Ruanda pediu à UE financiamento através do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz e que o Alto Representante estaria determinado a responder positivamente.
Até agora não houve qualquer decisão formal do Conselho de Ministros da UE a este respeito, pelo que seria de esperar e necessário que o AR Josep Borrel da EU para politica externa, fizesse uma declaração oficial durante a sua visita a Maputo para esclarecer este assunto.
Se realmente vai haver financiamento - e certamente que durante a sua actual presidência do Conselho da UE a França estará a exercer muita pressão para que tal aconteça, - coloca-se a questão de como continuará a ser financiada a missão SAMIM da SADC. Também para esta missão havia expectativas de financiamento por parceiros internacionais. Um financiamento exclusivo da UE a favor do Ruanda constituiria uma afronta aos estados da SADC.
Há também outras observações feitas pelo Comandante-Chefe da missão EUTM que podem conter matéria explosiva. Por um lado, Bléjean afirmou na audiência ter ficado surpreendido pelo facto de as pessoas em Cabo Delgado dizerem que se sentem melhor com os ruandeses do que com as pessoas do seu próprio país, “porque os ruandeses estão a cuidar de nós, falam swahili, fazem muitas acções civis, perfuram poços, trazem água, constroem infra-estruturas ....”. Ora isto representa indirectamente uma crítica ao governo moçambicano, pois significa que o exército e o governo moçambicano não respondem às necessidades da população local, enquanto os ruandeses o fazem.
Por outro lado, coloca-se imediatamente a questão de como irá uma missão de treinamento de indivíduos como a EUTM, produzir uma mudança estrutural de atitude, num sistema em que não existe o sentido de as forças armadas e o governo moçambicano deveriam estar ao serviço da população moçambicana.
E as insinuações do Vice-Almirante vão ainda mais longe. Quando lhe perguntaram como é que a missão EUTM obtém informações da zona de conflito, ele respondeu, entre outras coisas: "Falamos primeiro com os próprios moçambicanos, mas temos de aceitar o que quer que seja que eles nos queiram dizer"; ou seja, mais uma vez subentende-se uma certa crítica sobre a fiabilidade da informação que a EUTM recebe por parte do governo.
Por fim, em resposta à pergunta dos deputados sobre como seria possível medir o sucesso do treinamento, o Vice-Almirante aproveitou a oportunidade para dizer que sem uma presença da EUTM na zona de conflito, o impacto não pode ser avaliado.
Bléjean expressou ainda a sua frustração pelo facto de os militares da UE estarem tão longe da zona de conflito.
"Actualmente, o mandato que temos exclui o aconselhamento estratégico, ao contrário do que fazemos noutros locais", observou. "A nossa capacidade de compreender realmente a natureza e eficácia das operações em Cabo Delgado é limitada e temos de encontrar outros meios, uma vez que não nos é permitido ir para lá".
Bléjean afirmou que o presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, lhe disse "com um grande sorriso": ‘vocês soldados não querem lá ir; eu vou lá na próxima semana, os deputados vão lá, os embaixadores vão lá" e acrescentou que "a imagem dos nossos soldados não é muito boa, podem ser acusados de serem menos corajosos do que os outros".
"É do nosso interesse ter a possibilidade de viajar para lá", disse ele. Porém, essa presença de formadores EUTM na zona de conflito daria provavelmente origem a uma discussão acesa no seio da UE. A missão EUTM-Moçambique não foi isenta de controvérsia e foi aprovada pelo Conselho de Ministros durante o interregno do Parlamento Europeu, sem ter sido debatida, precisamente com a restrição de que não houvesse uma presença na zona de combate.
Além disso, coloca-se a questão mais geral: Que valor acrescentado representa a missão da UE? Até agora, a missão ainda não está totalmente operacional e o equipamento prometido ainda não chegou na totalidade a Moçambique. Os deputados questionaram também como a missão EUTM irá monitorizar que o equipamento disponibilizado não seja utilizado para outros fins. Mais uma vez, o Comandante-em-Chefe só pode prestar informações vagas aos deputados.
Após 6 meses de apoio do Ruanda e da SADC, verifica-se uma melhoria parcial da situação de segurança em Cabo Delgado; porém, as previsões de todos aqueles que advertiram que este conflito não poderia ser resolvido apenas por meios militares, concretizaram-se. Os insurgentes foram expulsos das suas bases em Cabo Delgado, mas agora o conflito estendeu-se às províncias vizinhas, especialmente ao Niassa. E, mesmo em Cabo Delgado, continuam a ocorrer constantes ataques de pequena escala, até nas áreas "controladas" pelas unidades militares.
A população que fugiu vive em condições catastróficas em campos de refugiados improvisados, onde lhes faltam as condições mais básicas. Aqui, o fracasso do governo moçambicano continua a fazer-se sentir.
No entanto, a comunidade internacional continua a seguir a narrativa de Nyusi e do seu governo. Em particular, os interesses das empresas internacionais de exploração do gás e dos recursos minerais como os rubis, areias pesadas, grafite etc., bem como os interesses geopolíticos relacionados com o Canal de Moçambique, são condições macro que continuam a favorecer a elite corrupta da FRELIMO, mas impedem um verdadeiro desenvolvimento inclusivo de Moçambique para a grande maioria da sua população. (Michael Hagerdon)