A retirada de poderes aos Tribunais Judiciais dos Distritos de mandar recontar votos continua a indignar a sociedade moçambicana. Depois das críticas vindas dos juízes, na última sexta-feira, ontem foi a vez do Consórcio Eleitoral Mais Integridade, uma plataforma de observação eleitoral, apontar a decisão como um retrocesso para justiça eleitoral, tal como no processo democrático.
Em posicionamento público, manifestado esta segunda-feira, o “Mais Integridade” defende que a medida tomada pelas bancadas parlamentares da Frelimo e da Renamo, na última quinta-feira, enfraquece a capacidade dos Tribunais dos Distritos de assegurar transparência e equidade nas eleições e compromete os avanços democráticos conquistados.
Em causa, lembre-se, está o facto de a Assembleia da República ter retirado o poder dos Tribunais Distritais de ordenar a recontagem dos votos, conferindo esta competência exclusivamente aos órgãos eleitorais e ao Conselho Constitucional.
A medida foi tomada durante o reexame das Leis de Revisão das Leis n.º 2/2019 e n.º 3/2019, ambas de 31 de Maio, devolvidas pelo Presidente da República, em Maio, após entender que os Tribunais Distritais não tinham competência constitucional para tomar a referida decisão. As duas leis haviam sido aprovadas por consenso, em Abril. O MDM opôs-se à chamada banalização dos Tribunais.
Para o Consórcio Eleitoral Mais Integridade, constituído por sete organizações da sociedade civil, a Assembleia da República perdeu uma oportunidade de reforçar a integridade e a eficácia do sistema eleitoral. A plataforma entende que a delegação exclusiva de competências aos órgãos eleitorais e ao Conselho Constitucional para ordenar a recontagem dos votos “não deixou boas memórias”, em 2023, durante a realização das Eleições Autárquicas.
A nível dos órgãos eleitorais, o “Mais Integridade” afirma ter-se registado “desvio de urnas na autarquia de Marromeu; recusa em assinar actas e editais de apuramento parcial nas mesas das assembleias de votos; e o registo clandestino de eleitores por parte dos directores distritais do STAE”.
Já a nível do Conselho Constitucional, diz o Consórcio, houve “recontagem e distribuição de votos em benefício de alguns concorrentes e em prejuízo de outros; e a manifestação pública de competências, num aparente ‘colete-de-forças’ sobre quem tem o poder de anular, mandar recontar votos e mandar repetir eleições na mesa da assembleia de voto”.
“Preocupa, ainda, ao Consórcio Mais Integridade, o facto de que a exclusividade do exercício dos poderes retro mencionados não estar expressa na Constituição da República, tratando-se de uma presunção do próprio Conselho Constitucional (…), pois, conforme o CC entende, se pode validar e proclamar os resultados eleitorais, presume-se que também pode mandar recontar, mandar repetir e mandar anular se as irregularidades tiveram lugar nas mesas de voto, conforme ficou expresso nos seus Acórdãos referentes às eleições autárquicas de 2023”, atira.
Para os observadores, à luz da Constituição da República, o Conselho Constitucional deve actuar em última instância, “sugerindo que deveria haver uma instância inferior para tratar inicialmente dos casos eleitorais”. Aliás, diz o grupo, este foi o pensamento defendido pelo Consórcio, quando foi convidado pela Assembleia da República a contribuir para a revisão da legislação eleitoral.
“Na altura, propusemos um modelo de duas instâncias, com Tribunais de Distrito actuando como primeira instância e Tribunais de recurso como segunda instância, antes de qualquer caso chegar ao Conselho Constitucional, reservado apenas para questões de relevância constitucional”, disse.
Por essa razão, a plataforma prevê uma grande “farra” nas Mesas das Assembleias de Voto, “visto que a comissão distrital passa a exercer funções delegadas pela CNE, como de mandar recontar votos na mesa da assembleia de votos”, para além de que “os Presidentes das Mesas de Voto têm o poder reforçado de mandar chamar a Polícia, quando lhes aprouver em conluio com outros membros da mesa”.
Refira-se que, em conferência de imprensa concedida na sexta-feira, a Associação Moçambicana de Juízes defendeu haver “politização dos processos judiciais” e que os juízes distritais irão aplicar a Lei e a Constituição da República, pois, é função destes apreciar factos, interpretá-los e aplicar a lei. (Carta)