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Mauro Tsandzane

Mauro Tsandzane

 

Introdução

Os partidos libertadores desempenharam um papel significativo na formação do cenário político de vários países africanos. Resultantes de lutas históricas contra o colonialismo e a opressão, estes partidos emergiram como defensores da libertação nacional e do desenvolvimento socioeconómico. No entanto, uma tendência desconcertante emergiu nos últimos anos, à medida que muitos partidos libertadores – como o caso moçambicano – se orientaram para uma liderança autocrática ou mesmo um regime autoritário. Este artigo de opinião aborda a complexa dinâmica que rodeia a ascensão dos autocratas nos partidos libertadores.

 

Contexto histórico e quadros ideológicos

 

Os partidos libertadores, como é o caso da FRELIMO, têm as suas raízes na luta do continente pela independência das potências coloniais. Estes partidos surgiram como uma resposta ao regime opressivo e à exploração por forças estrangeiras, reunindo as pessoas em torno de um objectivo comum de libertação e autodeterminação. Em termos de ideologia, os partidos libertadores adoptam frequentemente uma mistura de nacionalismo e socialismo, procurando abordar as disparidades socioeconómicas herdadas da era colonial. Prometendo igualdade, justiça e capacitação económica, cativam as massas com as suas promessas de um futuro melhor.

 

A ascensão do autoritarismo no partido libertador

 

No entanto, o que antes era uma causa nobre evoluiu, gradualmente, para a ascensão de uma liderança autocrática dentro destes partidos libertadores. Muitos fundadores destes movimentos, como é o caso da FRELIMO em Moçambique ou ainda do MPLA em Angola, inicialmente aclamados como heróis, consolidaram-se no poder, recusando-se a abdicar do controlo e perpetuando o seu governo através de meios não democráticos. Estes líderes autocráticos apresentam frequentemente características comuns, tais como o desrespeito pelas normas constitucionais, um enfraquecimento dos pesos e contra-pesos e uma supressão de vozes dissidentes. A sua vontade de consolidar o poder à custa dos princípios democráticos mina os próprios ideais pelos quais outrora lutaram.

 

Erosão dos valores democráticos: supressão da oposição, sociedade civil e abuso de processos eleitorais

 

  1. Restrições à oposição política

 

À medida que a liderança autocrática se torna mais predominante nos partidos libertadores, conduz inevitavelmente à erosão dos valores democráticos e à supressão da oposição. Os opositores políticos são confrontados com intimidação, assédio e, por vezes, até prisão, criando um ambiente de medo e silenciando a dissidência. Além disso, as organizações da sociedade civil, que desempenham um papel crucial na promoção da democracia e na defesa dos direitos dos cidadãos, enfrentam ameaças e restrições crescentes. A recente proposta, ainda em discussão, sobre a regulamentação das organizações da sociedade civil em Moçambique é disso um exemplo. A liberdade de expressão é restringida à medida que os meios de comunicação social são censurados ou coagidos à autocensura, dificultando o fluxo de informação e o discurso crítico. O novo pacote legislativo (em discussão) sobre a comunicação social tende a ser um exemplo prático em Moçambique. Em conclusão, o fenómeno dos partidos libertadores para o caso moçambicano ganha tendências em que se passa a ter dirigentes autocratas, o que não deixa de ser um motivo de preocupação. O que começou como um movimento pela independência e igualdade foi contaminado pela ascensão de líderes autoritários que minam os valores democráticos e suprimem a oposição, pois isso é crucial que as sociedades africanas examinem criticamente e abordem esta questão, uma vez que tem implicações de longo alcance para o futuro da democracia no continente.

 

  1. Abuso de processos eleitorais

 

Dentro do contexto das eleições autárquicas de 2023 em Moçambique, marcadas por irregularidades eleitorais irrefutáveis, toma-se como exemplo que os partidos incumbentes têm recorrido frequentemente à manipulação de processos eleitorais para consolidar o seu poder. Isso inclui tácticas como intimidação de eleitores, gerrymandering e fraude eleitoral. Ao minar a integridade das eleições, estes partidos autocráticos asseguram o seu domínio contínuo e suprimem quaisquer ameaças potenciais ao seu governo. Este abuso dos sistemas eleitorais mina os princípios básicos da democracia e nega aos cidadãos o direito de escolherem livremente os seus líderes.

 

Dados preliminares do processo eleitoral autárquico de 2023 em Moçambique foram acompanhados de ondas de manifestação e descontentamento do processo, o que chama à tona a questão de que os partidos libertadores autocráticos também exercem controlo e influência sobre instituições-chave para solidificar o seu poder. Eles sobrecarregam o Judiciário com juízes leais, permitindo-lhes moldar decisões jurídicas a seu favor, mesmo que tal dessa vez parece ter tomado rumo diferente. Da mesma forma, manipulam os meios de comunicação social, principalmente públicos (TVM e Rádio Moçambique), sufocando a dissidência e controlando a narrativa para manter o apoio público.

 

Consequências Económicas

 

Os partidos libertadores que são dirigidos por autocratas apresentam frequentemente uma má gestão económica, levando a consequências terríveis para os seus países. Eles priorizam os ganhos de curto prazo e o enriquecimento pessoal, em detrimento do desenvolvimento de longo prazo e do bem-estar dos seus cidadãos. Como resultado, o crescimento económico estagna, as infra-estruturas deterioram-se e os serviços básicos como os cuidados de saúde e a educação sofrem. A falta de responsabilização e transparência dentro destes partidos perpetua a má gestão económica, conduzindo à pobreza e à desigualdade generalizadas.

 

Os autocratas usam as suas posições de poder para beneficiarem a si próprios, aos seus familiares e ao seu círculo íntimo, em vez de servirem os interesses da nação – o clientelismo prospera. Os fundos públicos destinados a projectos de desenvolvimento são desviados ou canalizados para ganhos pessoais – ascensão do neopatrimonialismo. Esta cultura de corrupção corrói a confiança no governo, dificulta o progresso económico e agrava a desigualdade social. Também dificulta o investimento estrangeiro e priva os cidadãos de oportunidades de crescimento e prosperidade.

 

Mauro TSANDZANE – Mestrando em Relações Internacionais – Sciences Po Grenoble (França)

Novembro 2023, Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.