Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

“As dimensões Meio Ambiente e Desenvolvimento tornam-se úteis quando a cultura é vista como um terreno fértil para identificar e formar parcerias com a comunidade local, através das quais o desenvolvimento ambiental sustentável pode ser alcançado”

Jan Nederveen Pieterse (2001)

 

O ar pesado e escaldante da província de Tete é sentido logo quando aterramos em Chingodzi. Saindo do aeroporto, do nosso lado esquerdo, a marca vegetal é definida pela grandeza do embondeiro que se ergue e protege os fanáticos do futebol. Esta terra, considerada mística, é caracterizada por suas quantidades robustas de recursos minerais esgotáveis – como o carvão mineral – que atraiu os impulsionadores das políticas do desenvolvimento.

 

Mas não é das potencialidades dos recursos naturais – que ocorrem em Tete e por todo este conjunto de bacias hidrográficas que caracterizam a zona centro e norte – que pretendemos reflectir. É sim daquele mais velho – conhecido por Mfumo, dependendo da língua – que é considerado um repositório de “conhecimento cultural”. Prezado como veia transmissora entre a comunidade e a Terra. Até aqui, podemos considerar o “conhecimento cultural” como um intercessor entre a Sociedade e a Terra. Esta união não poderá ser analisada como uma relação de mera (co)existência; podemos sim, considerá-la como uma (retro)alimentação que pode ser expressa pela existência da Terra – e os seus recursos naturais – na construção das Sociedades e, este último o Mfumo, como o conservador da Terra, onde o “conhecimento cultural” é tido como mediador desta triangulação. 

 

Hoje, aquele Mfumo e a sua comunidade local foram “trinchados” para dar lugar a corrida pelos recursos naturais que defraudaram por completo todas dinâmicas e estruturas sociais que ainda permanecem em construção nos espaços rurais de muitos estados africanos. Além disso, a implementação dos projectos de mineração assumem o controle e contribuem para a transformação das relações entre as comunidades e as zonas de afluência cultural. Pelo que, não sei se seria utópico considerá-lo como uma figura indispensável na sociedade.

 

A questão que se coloca, todavia, é a seguinte: até que ponto o Mfumo, que outrora tinha legitimidade junto da sua comunidade, pode ser visto como um repositório do conhecimento sobre “questões ambientais”? É que, na narrativa do “modelo participativo”, ele (Mfumo) ganhou um campo no contexto do desenvolvimento, baralhando a lógica de quem o nomeia e, igualmente, de quem o considere legítimo representante da comunidade. Agora ele não precisa somente de herdar o poder. Pressupõe-se que saiba ler e escrever, forçando a que os novos líderes locais, cujos poderes foram diluídos com o “trinchamento”, sejam vistos como resultado da atração pelos novos modelos de vida urbana nas zonas rurais, nomeadamente entre os grupos mais jovens. Sendo o Mfumo ainda considerado o repositório do “conhecimento cultural” e tido como mediador dessa triangulação que envolve a Sociedade e a Terra, há que questionar sobre as razões que terão levado a uma deterioração do grau de confiança entre a comunidade local e os seus novos líderes.  

 

É preciso reconhecer que as estruturas sociais das comunidades locais procuram sempre obedecer uma lógica dos desafios do desenvolvimento a qual estamos expostos. Mas a mesma lógica (por nós defendida) vira-se contra nós (frutos desse “trinchamento”) quando o ganho da política de expropriação dos recursos naturais não beneficiam as comunidades locais (enquanto verdadeiros guardiões e produtores dos recursos naturais), dando primazia aos detentores do capital e do poder. Esta prática criou, por exemplo, na terra dos embondeiros uma ânsia nas novas formas de participação e mobilização popular nas comunidades locais onde ocorrem a exploração dos recursos minerais.

 

Neste sentido, a reflexão aqui apresentada sobre o “trinchamento” das comunidades locais e as questões ambientais procura mostrar a pertinência daquele repositório de “conhecimento cultural” que pode ser usado como um recurso para potenciar instrumentalmente as políticas de desenvolvimento. Isso porque, na prática, é indiscutível que o “Mfumo” goza de um papel chave nos espaços produtivos dos recursos naturais nas comunidades locais e na nossa relação com a terra.