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No passado dia 8 de Maio corrente, a África do Sul foi às urnas para eleger os 400 deputados para a Assembleia Nacional (AN) e membros das assembleias provinciais (AP) para as nove províncias do país, nomeadamente pela sexta vez desde a libertação do carismático Nelson Mandela. Diferentemente de Moçambique, na África do Sul não há eleição directa do Presidente da República: este é eleito pela Assembleia Nacional, de entre os 400 deputados. Geralmente, o presidente é eleito do partido com maioria parlamentar, sendo, comumente, seu líder e/ou cabeça de lista.

 

Um total de 48 partidos políticos estiveram na corrida para a AN. O número de partidos concorrentes para as AP varia de província em província, assim como o número de membros da AP, que varia de acordo com o tamanho da população de cada província, sendo a mais pequena AP composta por 30 e a maior por 90 membros.

 

Há alguma semelhança com Moçambique em relação a como os deputados da AN são eleitos: o uso do sistema proporcional de lista fechada, com as províncias formando os círculos eleitorais. O sistema eleitoral é também o mesmo para a eleição dos membros das assembleias provinciais. Portanto, na África do Sul cada eleitor recebe dois boletins de voto: um para a escolha do partido para a AN e outro para o partido para a AP.

 

Foram 17.671.616 de eleitores que se fizeram às urnas, dos 26.779.025 recenseados, o que correspondente a 65.99% de participação, representando uma descida, quando comparado com os níveis de participação (73.48%) nas eleições gerais de 2014. Até às eleições de 2014, a África do Sul apresentava níveis altos de participação na região da SADC; por isso, esta descida deve constituir preocupação regional e um alerta a países como Moçambique, Malawi e Botswana para tudo fazerem para maior mobilização do eleitorado. Dentre estes países que irão às urnas antes do final de 2019, Moçambique está em melhor posição em relação às facilidades de, potencialmente, fazê-lo, , uma vez que está na fase de recenseamento dos eleitores. Uma maior mobilização do eleitorado para se recensear, principalmente em zonas afectadas pelas calamidades naturais (ciclones, Idai e Kenneth, em particular), pode ser um passo significativo para o aumento dos níveis de participação.

 

O que dizem os resultados eleitorais

 

Não há nenhuma surpresa significativa. O partido libertador, o Congresso Nacional Africano (ANC), recebeu 57.50 % do total dos votos, a nível nacional, o que lhe confere uma maioria parlamentar, com 230 deputados. Este resultado não é muito celebrado entre os comrades[1], porque revela o agudizar da descida de popularidade do seu partido, descida essa que começou nas eleições de 2009 quando o ANC baixou dos 69.69% que tivera nas eleições de 2004, para 65.90%. Nas eleições de 2014 a sua popularidade nas urnas veio a baixar ainda mais, nomeadamente para 62.15%.

 

Existem várias possíveis explicações para a descida de popularidade deste partido histórico, desde os conflitos internos que dividem os membros próximos do antigo presidente Jacob Zuma dos do presidente Cyril Ramaphosa, muito facilmente visíveis mesmo no Congresso de 2017, quando Ramaphosa derrotou Nkosazana Zuma e ficou com a presidência do ANC. Segundo, a percepção de que o ANC, na pessoa de Zuma, abriu espaço para a captura do Estado, associados às denúncias de corrupção de alto nível, certamente terá contribuído de alguma forma. Terceiro, há também uma visível frustração dentre os apoiantes tradicionais do ANC, os mais desfavorecidos, que acham que o ANC se esqueceu deles. A campanha eleitoral para estas eleições foi caracterizada por múltiplas manifestações populares de rua, exigindo melhoria da prestação dos serviços públicos.

 

Certamente que o ANC estava ciente de que a colheita eleitoral de 2019 não seria das abundantes, a olhar para os resultados obtidos nas autárquicas de 2016, onde chegou a perder o controlo de grandes cidades metropolitanas como Joaneburgo, Tswane (Pretória) e Nelson Mandela Bay. Se o ANC fez uma reflexão e operou alguma mudança para corrigir a percepção negativa depois das eleições locais, então não foi suficiente para recuperar a sua imagem eleitoral.

 

O descontentamento dos membros do ANC com o desempenho do Governo do ANC terá também contribuído para a subida da abstenção. Em teoria, eleitores insatisfeitos com o desempenho do governo tendem a punir o partido governante votando para partidos da oposição. Mas um estudo feito na África do Sul mostra que os apoiantes do ANC preferem mostrar sua insatisfação ficando em casa, do que dar o seu voto a outros partidos.

 

Os conflitos internos no partido da Aliança Democrática (DA), que culminaram, de resto, com a saída de Patricia de Lille, quadro sénior do partido e antiga Presidente do Município da Cidade do Cabo entre 2011 e 2018, terão afectado negativamente o desempenho eleitoral do DA, a nível nacional. Um membro sénior do DA, Solly Msimanga, antigo Presidente do Município de Tswane, reconheceu que a maneira como o DA lidou com a ‘Questão De Lille’ terá penalizado o partido nas urnas. De Lille formou um novo partido, o Good, um dos debutantes, mas que conseguiu assegurar dois assentos na AN. DA desceu dos 22.23% conquistados nas eleições de 2014 para 20.77%. A olhar-se para os números e para as características dos partidos, o mais provável é que os cerca de 1.5% de eleitores que o DA perdeu se tenham distribuído entre o Partido Good e o VF-PLUS. Este último é um dos partidos que pode cantar victória, ao ter conseguido uma subida dos 0.9% em 2014 para 2.38%.

 

O partido de Julius Malema, o Economic Freedom Fighters  (EFF), foi o terceiro mais votado. EFF conseguiu a mais alta subida de todos os partidos, dos 6.35% de 2014 para 10.79%. Contudo, a expectativa que se havia levantado sobre o desempenho do EFF faz com que este resultado não seja euforicamente celebrado. Em campanha eleitoral, com recurso ao uso agressivo dos media sociais, o EFF fez passar aos cidadãos sul-africanos a mensagem de que era desta vez que destronava o histórico ANC.

 

A questão da expropriação da terra e sua devolução aos seus “legítimos proprietários”, os negros, para corrigir os erros históricos, foi sempre o pendão discursivo do EFF. Contudo, um pouco mais de um ano antes das eleições, o ANC afogou o protagonismo do EFF, mormente quando puxou para si, a nível do parlamento, o debate sobre a questão da necessidade da correcção dos erros do passado, com a devolução da terra. Esta viragem do ANC terá, sobremaneira, influenciado os resultados do EFF.

 

O partido de Mangosuthu Buthelezi, o Inkatha Freedom Party (IFP), também conheceu uma ligeira subida de cerca de um porcento (de 2.40% em 2014 para 3.38% em 2019). Este é um partido predominantemente regional, de KwaZulu Natal, terra natal do presidente Zuma. Curiosamente, nesta província o IFP evoluiu dos 10.86% para 16.34 % e o ANC regrediu cerca de 10%, dos 64.52% para 54.22%. O mais provável é que alguns membros do ANC, a nível de KwaZulu Natal, que não tenham gostado da forma como os dossiers Zuma, Nkandla e Guptas foram tratados, tenham preferido apoiar o IFP.

 

Lições para Moçambique

 

Nenhuma democracia terá jamais uma eleição perfeita. O processo eleitoral ora terminado no país vizinho também teve alguns desafios, desde acusações de fraca qualidade da tinta indelével, um elemento importante para a garantia da integridade do processo, o que resultou em tentativas de múltipla votação. Há evidencias de que algumas urnas foram encontradas em lugares indevidos. Algumas assembleias de voto abriram tarde e poucas não abriram, em resultado de bloqueio pelos protestantes. Por causa destes e outros problemas, um número significativo de pequenos partidos juntou a sua voz para exigir a anulação total do escrutínio, enquanto outros pediam a realização de uma auditoria aos resultados. No entanto, o nosso enfoque aqui é para o que correu bem e que pode servir de lição para Moçambique.

 

A primeira lição a copiar é a estratégia usada pela comissão eleitoral (IEC) para mobilizar os jovens. Apesar da subida dos níveis de abstenção a nível nacional, e embora não haja ainda dados desagregados por idade, existe a percepção de que a estratégia do IEC e dos partidos para a mobilização de eleitores que iriam votar pela primeira vez e os jovens nascidos depois do fim da era do apartheid (os born free) foi um sucesso. A campanha de educação cívica lançada em Janeiro, o X SÊ, foi muito bem elaborada e abrangente. Há muito a aprender deste sucesso, assumindo que os abstencionistas são a camada jovem.

 

Segundo, uma experiência que mostra resultados positivos na prevenção e gestão de conflitos é a existência do Party Liaison Committe[1] (PLC). O PLC junta todos os partidos políticos a todos os níveis. Se um conflito eclodir a nível do distrito, o PLC reúne-se e em conjunto com o IEC a esse nível delibera e resolve o conflito. O mesmo acontece a nível provincial e nacional. Os encontros regulares para discussão de várias questões e partilha de informação, funcionam como elemento importante na prevenção de conflitos. A CNE tem efeito esforço importante para realizar encontros regulares com as partes interessadas, mas a existência deste órgão seria uma mais valia para a credibilidade dos processos eleitorais. Pode-se perceber que o modelo já existe em Moçambique, uma vez que os órgãos de gestão eleitoral são compostos de membros de partidos, mas a exclusão de partidos extraparlamentares e os mecanismos de funcionamento são diferentes.

 

Terceiro, a África do Sul registou apenas 235;472 votos nulos, cerca de 1.3% do total dos votantes. Este não é resultado do acaso. O boletim para a eleição da AP tinha 48 partidos, uns com nomes, cores e símbolos próximos dos outros. Para além dos níveis satisfatórios de educação do eleitorado sul-africano, há que reconhecer o papel do IEC e dos partidos políticos na educação do seu eleitorado, um exemplo a seguir.

 

Quarto, depois de uma campanha eleitoral violenta, com protestos e conflitos intra e inter-partidários, o dia de votação e todo o processo de contagem e transmissão de resultados foram, no geral, calmos e pacíficos. É preciso procurar saber o que ditou esta paz. Não restam dúvidas de que houve uma grande colaboração entre todos os stakeholders, com enfoque para as forças de segurança, que, duma forma imparcial, trabalharam a todos os níveis. A polícia nunca deve, pois, trabalhar em favor de um determinado partido, como tem acontecido em Moçambique.

 

Quinto, há que reconhecer a celeridade na transmissão dos resultados. As urnas abrem das 7horas da manhã até às 21horas, e a contagem começa imediatamente. Até à meia noite do dia de votação os resultados já começavam a chegar ao centro de operações nacional (ROC) depois de ter passado pelos ROC provinciais. Isto permitiu que os resultados fossem anunciados três dias depois da votação. No modelo moçambicano os resultados estariam ainda a ser agregados a nível do distrito. Em África, é a demora que leva, em grande medida, à eclosão de violência eleitoral, porque os eleitores perdem a confiança no processo. Há que pensarmos numa possível revisão da legislação eleitoral para nos aproximarmos aos patamares do gigante eleitoral que é a África do Sul.

 

Por último, a África do Sul conduziu o processo eleitoral com uma transparência invejável, com recurso ao uso de Tecnologias de Informação e Comunicação, facilitado pela pujança de infraestruturas físicas, electrónicas e recursos financeiros. Os painéis electrónicos gigantes montados no ROC central faziam a actualização dos resultados a cada 10 minutos, fazendo-se o mesmo na página web do IEC. Moçambique está longe de fazer algo próximo do que vimos na RSA, mas é de encorajar a CNE e o STAE para consolidar a iniciativa iniciada e interrompida no meio nas eleições autárquicas de 2018, para que os eleitores, os partidos concorrentes e todas as pessoas interessadas possam acompanhar os resultados. O benefício disto é que se evitam desconfianças e torna-se o processo mais transparente e credível.

 

*Pesquisador do Eisa-Moçambique. O artigo foi publicado hoje no boletim semanal daquela organização, versando o processo eleitoral em curso em Moçambique.

 

 

 

Começamos, saudando a solidariedade internacional. Da parte das Nações Unidas, de suas agências no campo ou de grandes ONG’s, a ajuda não demorou a chegar ao Zimbabwe, Malawi e, especialmente, a Moçambique, devastado pelo Ciclone IDAI, em Março passado. Mas, enquanto um novo Ciclone Tropical, Kenneth, atingiu, novamente, a costa oriental de África, com uma intensidade um pouco menor (previa-se que a intensidade fosse maior, mas enfraqueceu ao aproximar-se à costa), não podemos deixar de notar uma parcela de culpa em toda esta solidariedade.

 

Moçambique está de joelhos. Atingido pelo que está sendo considerado o pior ciclone do hemisfério sul, viu sua segunda maior cidade, Beira, praticamente apagada do mapa. E como as tempestades tropicais não conhecem fronteiras, IDAI também causou mortes no Zimbabwe e no Malawi. Mais de mil pessoas morreram e dois milhões foram afetadas, sendo 1,8 milhões só, em Moçambique. Os danos causados pelas inundações e rajadas de vento custarão à região mais de US$ 2 bilhões, segundo o Banco Mundial.

 

Para os pesquisadores, não há dúvida de que a alternância de episódios ciclónicos e de secas que atingiu a região, nos últimos anos, está diretamente ligada às grandes variações de temperatura resultantes das mudanças climáticas. A ironia é que Moçambique e os seus países vizinhos produzem apenas uma pequena fração das emissões mundiais de dióxido de carbono. África é o continente menos responsável pelo aquecimento global: apenas 3,8 por cento das emissões de gases responsáveis pelo efeito de estufa, contra 23 por cento da China, 19 por cento dos Estados Unidos e 13 por cento da União Europeia.

 

A cidade de Beira não é um caso isolado. Secas prolongadas, inundações repetidas, diminuição dos rendimentos agrícolas, acesso cada vez mais limitado à água: o aquecimento global já mostra os seus efeitos em África. E estas catástrofes naturais aumentam o risco de insegurança alimentar e de crises sanitárias. Basta olhar para os casos de cólera que surgiram, em Moçambique, após a passagem do IDAI e do Kenneth.

 

Nas zonas rurais, a sobrevivência está em jogo com o desaparecimento de culturas inteiras. As populações urbanas também estão na linha de frente. As elevadas taxas de natalidade e o êxodo rural fazem com que 86 das 100 cidades com crescimento mais rápido no mundo estejam em África. E que pelo menos 79 delas – incluindo 15 capitais – estejam enfrentando riscos extremos devido às mudanças climáticas, de acordo com a consultoria de riscos Verisk Maplecroft.

 

Além disso, as catástrofes naturais acentuam a pobreza e a desigualdade e alimentam os conflitos. A pobreza extrema continua a aumentar em África Subsaariana, ao contrário de todas as outras regiões do mundo. Se nada for feito, a região poderá ser responsável por 90 por cento das pessoas que vivem com menos de US$ 1,9 por dia até 2050, alerta o Banco Mundial. A infra-estrutura pública e os mecanismos de resposta às catástrofes são insuficientes e inadequados. Os 13,2 milhões de habitantes de Kinshasa (capital da República Democrática do Congo), por exemplo, têm sido regularmente afetados por inundações.

 

Para estarem mais bem preparados, é urgente que os estados africanos disponham de mais recursos. É certo que a cobrança de impostos melhorou no continente, passando de 13,1 por cento, em 2000, para 18,2 por cento, em 2016, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Este valor, porém, permanece muito abaixo das médias da América Latina (22,7 por cento) ou dos países da OCDE (34,3 por cento). Mesmo quando não são corruptos, os governos não dispõem dos recursos necessários para se contrapor às estratégias cada vez mais sofisticadas e agressivas das multinacionais para evitar os impostos. África perde entre 30 e 60 bilhões de dólares por ano, segundo estimativas muito conservadoras da Comissão Econômica para África das Nações Unidas e da União Africana. Isto é muito mais do que o montante da ajuda internacional.

 

Em todo o mundo, as pessoas estão chocadas com os escândalos fiscais expostos por investigações governamentais e de outras entidades. Nos Estados Unidos, por exemplo, um relatório recente revelou que 60, das 500 empresas mais lucrativas do país, incluindo Amazon, Netflix e General Motors, não pagaram impostos, em 2018, apesar de um lucro acumulado de US$ 79 bilhões. O impacto nas finanças públicas é ainda mais preocupante em África, onde os impostos sobre as empresas representam 15,3 por cento das receitas públicas, contra apenas 9 por cento nos países ricos.

 

Após anos de silêncio, a OCDE admitiu recentemente a necessidade de questionar o sistema que permite que as empresas declarem os seus lucros onde quiserem, a fim de se beneficiarem, legalmente, de taxas de imposto muito baixas ou mesmo nulas em paraísos fiscais. Esta é uma mudança, pela qual temos lutado há anos no âmbito da Comissão Independente para a Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT). Os países ricos agora estão também sob pressão do Fundo Monetário Internacional e da ONU, que, nos últimos meses, apelaram a uma revisão dos mecanismos de tributação internacional.

 

Este é um primeiro passo na direção certa, mas é urgente que os países em desenvolvimento participem activamente no desenvolvimento de novas normas fiscais. O continente africano tem sido a primeira a sofrer com as mudanças climáticas, para as quais contribuiu apenas marginalmente. É tempo de se fazer ouvir a sua voz para que ela possa arrecadar os recursos que lhe permitirão lutar contra os seus efeitos e preparar melhor as suas populações.

 

Léonce Ndikumana é Professor de Economia e Diretor do Programa de Política de Desenvolvimento Africano no Instituto de Pesquisa em Economia Política (PERI) da Universidade de Massachusetts em Amherst, e membro da Comissão Independente para a Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT).

É criminoso o uso de linguagem ofensiva em público. Sim, em público, porque as redes sociais como o Facebook atingem um público vasto. E as mensagens nelas publicadas são copiadas e enviadas para milhares de pessoas.

 

Não conheço a Srª Alice Tembe. E não tenho a certeza de que o comentário tenha sido feito por ela. Mas como eleitor e cidadão, não gostaria de ser representado por alguém que se comporte desta maneira. 

 

Então, espero que a AR não fique indiferente e faca imediatamente o seguinte:

 

1. Averiguar, ouvindo a Deputada e apurar informaticamente de onde foi emitido o comentário publicado no mural de Yola Bernardo.

 

2. Confirmada a autoria, instaurar processo disciplinar para julgamento, por violação de deveres estatutários.

 

 3. Aplicação da competente sanção (eventualmente a perda do mandato).

 

Simples e eficaz quanto isto.

 

A bancada da Frelimo devia tomar a iniciativa, distanciando-se do ignóbil comentário e pedindo até desculpas à jornalista Fátima Mimbiri. Para mostrar um cometimento com a decência, a Frelimo não precisa de fazer muito contorcionismo. Pode marcar pontos com gestos simples que remetem para o civismo e para o respeito do ponto de vista contrário. A sociedade apreciaria!

quarta-feira, 08 maio 2019 06:23

Os verdadeiros heróis não precisam de criptas

Em relação ao velho e sempre pertinente debate sobre o reconhecimento da heroicidade de Afonso Dhlakama pelo Estado moçambicano, eu tenho a dizer o seguinte:

 

O que Dhlakama precisa não é ser herói nem estar na cripta. O que Dhlakama precisa não é ter nome numa avenida ou numa praça. O que Dhlakama precisa não é ser aclamado na Assembleia da República, a mesma assembleia que aclamou as dívidas escondidas - coisa que ele odiou até a sua morte. 

 

O que Dhlakama precisa é de ser seguido por aqueles que o admiram e admiram a sua obra. O que Dhlakama precisa é que a sua obra seja valorizada, reconhecida, difundida e imortalizada por aqueles que o consideram herói. 

 

A heroicidade genuína não depende de consagrações públicas nem de medalhas. A heroicidade genuína não depende de aclamações nem de lápides na cripta. A heroicidade genuína não depende de reconhecimentos do papel.

 

Quem, de facto, acredita (no seu íntimo) que Afonso Dhlakama é seu herói, então que siga os seus ideais. Que valorize e imortalize a sua obra. Que ressuscite o Dhlakama que mora dentro de si e seja ele o próprio Dhlakama. Dhlakama não é herói de todos. Aliás, não existem heróis de todos. Dhlakama é herói de quem o admira. Heroicidade não se força... não é necessário. 

 

Os verdadeiros heróis não precisam nem de criptas, nem de continências, nem de hinos, nem de passos de camaleão, nem de trombetas, nem de mensagens, nem de hossanas. Os verdadeiros heróis precisam - isso sim - de se alojarem no peito dos seus discípulos para viverem eternamente. 

 

- Co'licença!

quarta-feira, 08 maio 2019 05:55

Atravessando a baía com uma mulher maconde

À memória de Faustino Vanomba e Kibiriti Diwane, tombados para sempre na minha cidade

 

À  Biti Akuvava, minha amiga em Mueda

 

Sentou-se levemente no mesmo banco de madeira partilhado por seis pessoas em que uma delas sou eu. Estamos embutidos numa barcaça precária que daqui a pouco vai deixar a cidade da Maxixe, lugar que à noite, visto da outra margem, parece Las Vegas. Está cheio de luzes por todo o lado. Brilha na ilusão de óptica para recompensar a realidade materializada pela vertigem. Maxixe é também pousada do diabo, onde ele se instala amiúde para contar as notas de impulsão sob a guarnição dos punhais  que reverberam por sobre a mesa.

 

É maré vaza, e os bancos de areia ressurgem, entretanto sem a beleza dos tempos, para acolher a sobra dos flamingos  e das gaivotas dizimados pela ignorância e pela fome e pela ganância também. Tudo aquilo é sombrio. Parece uma mulher sáfara. Ou várias mulheres estéris estendidas numa paisagem criada para arrebatar. Não está lá ninguém para a apanha do carangueijo e da ameijoa, varridos pelas mãos e pelos ventos. Aliás em mamas sem leite as crianças não choram. Sabem que não haverá mamada.

 

No interior da embarcação que leva perto de setenta pessoas o silêncio é uma canção que só se ouve por dentro do coração. É um bálsamo leve. Cada um escuta a sua música na escala diatónica insondável. Alguns ouvem as melodias com os olhos fechados, outros dão vazão à vista e absorvem todo aquele espectáculo único dos coqueiros que se erguem na terra, fazendo-me lembrar a fase inicial do filme de Francis Coppola, Apocalipse now. Outros ainda, para a queima do tempo, vão navegando pelo mundo servindo-se  da internet instalada nos seus celulares.

 

Não há golfinhos para nos escoltar como havia antigamente nos tempos da juventude do Mangoba, nem os barcos à vela que passeavam em eternas regatas levando vidas e destinos de um lado para o outro. Esses elementos vitais do paraíso diluíram-se. Os homens já não se encavalitam em ombros cansados de humilhação. Há um êxodo da alma. Faltam os olhares profundos e cansados dos marinheiros que gritavam, em apelo aos passageiros,  Maxixêêêêê! Do outro lado também, as vozes esvairam-se no tempo. Já não ouvimos aquele cantante sewiiiiiiiiiii! Quer dizer, como dizia o poeta, “para cá da porta, nada! Para lá da porta, também nada”!

 

Não há dúvida de que tudo isto é uma metáfora. Parecemos baratas assustadas depois do transbordo, aqui por sobre a plataforma da ponte-cais de Inhambane onde acabamos de ser cuspidos. Somos um cacho que vai-se desfazendo, cada um para o seu ramo onde vai repousar e preparar novo voo. Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. Não há certeza de nada, mesmo com todas as armas que levamos no regaço. Tudo à nossa volta é uma incógnita, como esta mulher que agora comunica ao telefone em liberdade.

 

Ela fala com sotaque de ximaconde. Assusto-me por dentro ao ouvi-la na voz de tenor. Olho para ela, e no lugar das tatuagens que eu podia esperar, sobresaem lindas  sardas cobrindo um rosto jovial. Está no auge da vida. Parece uma gazela longe dos felinos festejando o raiar do sol nas savanas. Faz-me lembrar a Biti Akuvava, antiga bailarina de mapiko agora rendida ao flagelo da idade.

 

A melodia da língua ximaconde embevece. Um maconde falando português, empresta à língua de Camões, também nosso troféu de guerra, uma áurea particular. Parece o próprio mapico a ser dançado por sobre a ponte que une as margens do Rio Tejo. E eu estou aqui, escutando discretamente esta mulher com lindas sardas no rosto. Na cidade de Inhambane. Minha musa.

terça-feira, 07 maio 2019 07:58

Sobre Direitos, Liberdades e Obrigações...

O bom senso é um "elemento central da conduta ética, uma capacidade virtuosa de achar o meio-termo e distinguir a acção" – Aristóteles

 

Noutra definição, diria que “bom senso” é "uma qualidade que reúne as noções da razão e da sabedoria, caracterizando as acções que tomamos de acordo com as regras e costumes adequados para determinado contexto”. Numa época em que muitos de nós descobrimos os nossos direitos, e entusiasticamente usámo-los como sempre com tendências de abusar até que algo drástico aconteça, e começamos a ser mais prudentes. Esquecemos, por exemplo, que todos os direitos têm limites e obrigações.

 

Os Direitos do Homem vêm plasmados nos Livros Sagrados, com maior detalhe no Quran. Contemporaneamente, os Franceses fizeram a primeira Declaração em 1789. Por outro lado, o poder é uma percepção que os outros têm de alguém, de um grupo, de uma classe profissional e ou de um país. A história diz que sempre que esse poder foi usado de forma abusiva, o mesmo lhe fora reduzido ou retirado.

 

Os regimes de África, em particular o de Moçambique, têm vindo a beneficiar-nos de novo de Liberdades e Direitos, que os nossos antepassados já tiveram e que o regime colonial lhes condicionou. Para muitos, em particular os mais novos, as nossas monarquias e outros poderes "tradicionais" eram também respeitadores de direitos e liberdades dos seus cidadãos, obviamente no referido contexto.

 

Enganam-se os que pensam que esse privilégio é uma originalidade do Ocidente. Pelo contrario, os ocidentais, de forma geral, foram os últimos a integrar no seu modelo político-social os Direitos e Liberdades. Porém podemos aprender com a cultura ocidental, por ser aquela que nos está mais disponível, que o ponto de equilíbrio entre Direitos e Obrigações é como o fiel da balança, sempre em movimento a procura do ponto justo. Sendo as sociedades dinâmicas, compreende-se que as mesmas estejam permanentemente em disputa. Convém recordar que os nossos direitos terminam onde começam os direitos de outros. 

 

Inspirou-me partilhar com o caro leitor esta reflexão, porque os nossos políticos e governantes, e de uma forma geral os servidores públicos, usam e abusam da confiança que lhes foi depositada, numa clara violação do contrato social, manifestando falta de qualidades e virtudes, e quando estas aparecem denota-se a ausência de Bom Senso. 

 

Na maioria dos partidos políticos, confissões religiosas (novas), autoridades policiais, magistrados, jornalista, ONGs, ordens profissionais, servidores públicos, associações económicas, entre muitas estas organizações têm um papel decisivo no desenvolvimento das sociedades e, pelo facto, têm um enquadramento legal, com Direitos e Obrigações pelos quais assinam contratos e muitos fazem Juramentos. O abuso dos Direitos e Liberdades fez e fará que os respectivos beneficiários sejam limitados, prejudicando a maioria da classe e a sociedade no geral.

 

Não devemos permitir que um colega de profissão se exceda no uso dessas liberdades sob risco de a maioria ser penalizada. Lembro-me recentemente da tinta que fez correr a condenação pública, através da imprensa irresponsável e sensacionalista, de gestores de uma instituição financeira, que viriam a ser despronunciados ou ilibados pela Justiça das referidas acusações.  Se a imprensa e a comunicação social no geral têm o direito e a liberdade de publicar, os visados têm direito ao seu bom nome e reputação. A forma irresponsável como alguns órgãos de comunicação social prestam um mau serviço de informação ao público, perante o silencio dos demais da classe, fará aquilo que já aconteceu noutros países: penalizar os fazedores da imprensa livre, de forma geral. Esta máxima aplica-se a todas as outras profissões e serviços públicos. Os que exercem o Poder devem utilizar argumentações e atitudes racionais, para poderem fazer julgamentos e escolhas assertivas, de acordo com os usos e costumes da nossa sociedade.

 

Trabalho, ética, conhecimentos e Bom Senso precisa-se...