Ninguém vai me convencer que os "ditos e não ditos" da Ó-Eme-Esse são de todo inocentes. Não!!! Não acredito que Maria Van Kerkhove, cientista, pesquisadora, epidemiologista com longa experiência em patogenos de alta ameaça, especialista em doenças infecciosas emergentes e líder técnica de resposta à COVID-19 e chefe das unidades emergentes de doenças e zoonoses da maior organização sanitária do mundo, se pronuncie sem anuência técnica institucional assim com tanta leviandade. Não quero acreditar que uma profissional do seu nível se tenha referido publicamente a um pequeno estudo inconclusivo como um facto de forma tão inocente num momento como este. Não acredito!!!
Ela não foi encontrada de surpresa na barraca. Ela falou numa conferência de imprensa convocada pela Ó-Eme-Esse. Ou seja, a Ó-Eme-Esse chamou a imprensa porque tinha algo a dizer... e crê-se que estava preparada para dizê-lo. E a doutora Maria Van Kerkhove é a porta-voz preferida desde o início desta pandemia e é experiente nisso. Não é possível que ela tenha falado sobre "a raridade dos assintomáticos transmitirem a doença" do nada... por lapso ou por equívoco. Isto tudo parece deliberado. É muita confusão junta! É muita incoerência discursiva! Não é pela novidade da doença, mas... sei lá... parece uma confusão premeditada milimetricamente. Parece gato com factura de lebre.
A Ó-Eme-Esse tem consciência dos estragos que uma afirmação equivocada pode provocar nas estratégias de mitigação de uma pendência desconhecida como a Covid-19, principalmente em países pobres como Moçambique. A Ó-Eme-Esse sabe o quanto países como Moçambique perderam tempo, energia e recursos financeiros na implementação de túneis de desinfecção que hoje são meras sucatas. A Ó-Eme-Esse sabe que países como Moçambique que se guiam segundo as suas orientações e afirmações podem colapsar na pandemia por causa de equívocos. Uma hora de desinformação pode ser fatal.
Nós temos muitos problemas por resolver, senhores! Temos os insurgentes no Norte, temos malta Nhongo no Centro, temos barcos de atum que não sabem nadar, temos Nhangumele e sua banda por escutar, temos um ladrão de estimação por fazer "check-in", temos a fome por erradicar, temos desintegrados por reintegrar, temos descentralização por praticar, temos os nossos Mambas que querem ser Rinocerontes, temos músicas de Mista-Bow por pagar, etecetera, etecetera. Os nossos problemas são muitos! Não venham vocês atrapalhar a nossa luta contra esta pandemia! Não somos assim tão estúpidos quanto parecemos ser, e também sabemos que vocês não são tão inocentes quanto dizem. Organizem-se, faxavor! Haja seriedade! Melhor desinformado do que mal informado.
Sei que as minhas publicações sobre a Covid-19 são partilhadas nos grupos do pessoal da Ó-Eme-Esse e seus parceiros, e espero que partilhem esta também. Só não escrevo em inglês, francês, sueco, grego, polaco, etecetera, porque confio na tradução que António Guterres irá fazer.
- Co'licença!
Um destes dias de (iso)lamentos dei por mim e estava na colonial Major Araújo, a actual Rua de Bagamoyo. A propósito: sempre quis saber a racionalidade em terem levado o nome (Bagamoyo) de um centro de treinamento político-militar da FRELIMO, na Tanzânia, e outorgado a uma rua cuja actividade-mor, também mental, física e com um intento libertador, fora combatida nos primeiros anos da independência. Voltando. Não me lembro da hora mas a noite estava acolhedora e um pouco mais fria e vazia comparando-a, no mesmo período, com a da minha última visita no ano passado. Na verdade, a da minha expedição (inconclusiva) levado pela curiosidade de um misterioso “bigodinho”: a especialidade de uma esbelta trigueira que em tempos, em troca, depenara o bolso e o físico de um amigo. Aliás, na minha dita expedição, também fora uma vítima dessa especialidade.
O frio e o vazio da rua não me faziam mossa até que de rompante uma moça dera por mim e no lugar da pergunta sobre o que eu procurava, acenou com a mão um sumptuoso “Discovery” - o Vaivém americano de viagens espaciais. Agradeci a gentileza e acenei-a de que estava bem em terra firme até porque a minha estadia, por aquelas bandas, ainda era desconhecida. Pelo menos até ao momento em que entrei numa das casas de pasto. Aí compreendi porque estava na Major. Já no interior, observado todo o protocolo de higienização, recebi a minha bebida mais-querida e um invólucro com uma palhinha acoplada numa máscara. Em seguida sentei-me na primeira cadeira disponível e saquei do casaco um charuto cubano que um amigo oferecera-me para os dias de quarentena. Em pose aristocrática, a fumaça brotava de mim tal armadilha para atrair o que de melhor a noite, ainda fedelha, oferecia.
Para os padrões da nova normalidade a casa estava apinhada e não passava despercebida a presença jovial de um renovado e especial segmento do mercado composto por estudantes universitárias. Elas até que faziam questão de frisar esse “status”. “A culpa é do estado de emergência”. Foi o esclarecimento de um dos comparsas da noite, aludindo ao pagamento integral de propinas e de outros custos adicionais que não foram abrangidos pela suspensão das aulas no quadro das medidas para a contenção da Covid-19. O charuto e as universitárias lembraram-me o Fidel Castro, antigo presidente cubano, numa troca de palavras com um jornalista. Este, fazendo a radiografia das condições de vida em Cuba, concluiu “Que a situação em Cuba estava tão má que até as prostitutas são universitárias”. E o Fidel contradisse de que era o contrário, pois “A situação estava tão boa que até as prostitutas são universitárias”. Entre portas e para o caso em apreço, qual das opiniões encaixaria melhor? Valendo para quem acertar.
Já aconchegado soube que a falta de movimento na rua não passava de uma estratégia para desviar qualquer que fosse o mal-intencionado, incluindo o “Mahindra” da polícia que em tempos de estado de emergência granjeava amizades hostis. Quem me assegurou foi a moça do “Vaivém” que chegara de fininho para certificar se eu era um crente (de cliente) ou um “bufo”. Fiquei também a saber de que ela era uma espécie de “Oficial do Mahindra” cuja função, e única, era a de vigiar os passos do carro da polícia e de quem ambulasse por ali com propósitos não identificados. Daí o gesto do “Vaivém”. Por acaso a moça, vista de perto, não era tão merecedora da mocidade que lhe atribuíra, tanto que já exibia sinais de que a reforma estava à porta. Aproveitei, tipo ao acaso, e perguntei por uma esbelta trigueira. A musa da casa que os meus amigos, até hoje, não me perdoam – e alguns até condicionaram a retoma da amizade – supostamente por fazer segredo do misterioso “bigodinho”. Para eles não fazia sentido que eu não me lembrasse. E, de facto, tirando os sinais, à vista de todos na altura, de que fora uma vítima da esbelta trigueira.
“É dela que procuras?” A “Vaivém” nem esperou que eu a respondesse e logo, com visível inveja, fora a motivada pelo meu interesse, foi contando a da sorte que batera a porta da amiga. Confesso que também bateu-me uma pontinha de inveja. Não a da esbelta trigueira, mas a do forasteiro que a fez decolar. Nada que não fosse o habitual, por estas terras do índico, pois, há séculos, que é este o destino dos recursos desde os mais abundantes aos mais raros e debutantes. É a sina do bom hospedeiro. E nem o misterioso “bigodinho” escapara. Uma outra dose da mais-querida e mais um charuto. Enquanto acendia-o, já sem a pos(s)e do brilho, a “Vaivém”, que notara a minha tristura, chegou perto, tocou-me e disse-me que voltaria para fazer-me companhia algures. Estou ainda a espera dela. Deus queira que ao menos ela tenha ficado com os direitos do mítico e misterioso “bigodinho”.
Um avanço democrático com elevados riscos para a Renamo
Por Ericino de Salema[1]
* Actual presidente da Renamo se destaca como “homem de Estado” ao aceitar o Estatuto de Líder da Oposição, mas corre o risco de ver o seu partido transformado em “organização de massas” do partido no poder
* Ossufo Momade perdeu, ainda que ilegalmente, o direito de fixar o seu próprio salário (privilégio que Armando Guebuza concedera a Afonso Dhlakama em 2014), mas ganhou direito a subsídio de reintegração...
Embora a Constituição da República de Moçambique (CRM) já conferisse um certo estatuto ao segundo candidato presidencial mais votado, ao considerar-lhe membro de pleno direito do Conselho de Estado, em termos de legislação ordinária nada havia no país até finais de 2014, momento no qual foi aprovado o Estatuto Especial do Líder do Segundo Partido com Assento Parlamentar, através da Lei número 33/2014, de 30 de Dezembro, que efectivasse tal situação.
Finalmente regulamentada no passado mês de Maio (mais de cinco anos depois da sua aprovação), através do Decreto número 27/2020, de 8 de Maio, o Estatuto Especial do Líder do Segundo Partido com Assento Parlamentar – que é, na prática, Estatuto do Líder da Oposição, apesar de o legislador ter-se escusado a usar essa terminologia – é visto, nalguns círculos, como uma “almofada política” visando, supostamente, acomodar Ossufo Momade, o líder da Renamo, qual sucedâneo do finado Afonso Dhlakama, que terá deixado claro, desde o início, que não aceitaria aquele estatuto.
Seja como for, o que é facto é que a outorga de estatuto especial ao líder da oposição ou do segundo maior partido com assento parlamentar e que não faça parte do governo não é algo exclusivo de Moçambique, mas uma prática em quase todas as democracias dignas do mundo, sendo ele representante de uma franja significativa da população e, por isso, merecedor de dignidade por parte dos próprios estados. Contudo, o contexto em que o mesmo surge[2] e se consolida em Moçambique há-de estar a suscitar as desconfianças que existem à volta do mesmo[3].
No Reino Unido da Grã-Bretanha e no Canadá, por exemplo, o líder da oposição, que deve ser sempre um parlamentar, tem um estatuto especial. No Reino Unido, o líder da oposição ganha anualmente perto de 145 mil libras esterlinas, o equivalente a pouco mais de 12 milhões de meticais, quase o dobro do salário de um parlamentar ordinário. No Canadá, a mesma figura leva anualmente para casa pouco mais de 260 mil dólares canadianos, o equivalente a cerca de 13 milhões de meticais, o mesmo que aufere um membro do governo.
Na África do Sul, o líder da oposição leva anualmente para casa cerca de 1.600.000,00 randes, o equivalente a cerca de sete milhões de meticais. Além do salário, possui uma panóplia quase infindável de benefícios e regalias, incluindo, por exemplo, cerca de 100 viagens pagas por ano, mobiliário para o seu gabinete de trabalho, assessoria paga pelo Estado, viagens pagas para os seus dependentes, acomodação luxuosa quando em actividade parlamentar e seguro de acidentes pessoais.
O regime jurídico do Líder da Oposição é, na verdade, aplicável “ao dirigente do partido da oposição que, por acórdão do Conselho Constitucional de validação e proclamação dos resultados das eleições gerais, seja considerado o Segundo Partido Mais Votado”[4], num quadro em que “É Líder do Segundo Partido com Assento Parlamentar aquele que, nos termos dos respectivos estatutos, reconhecidos pelo órgão competente do Governo, tenha sido legitimamente designado seu dirigente máximo”[5].
Se o diploma legal que aprova o Estatuto do Líder da Oposição estabelece que “o primeiro cidadão que beneficiar do presente estatuto tem o direito de fixar a [sua] remuneração e os subsídios correspondentes, nos termos da lei”[6], o regulamento do respectivo estatuto vem estabelecer, em moldes diversos, que “o Líder do Segundo Partido com Assento Parlamentar tem direito à remuneração equiparada à da função de Vice-Presidente da Assembleia da República”[7].
Sendo pouco crível que Afonso Dhlakama, que era líder da Renamo aquando da aprovação e entrada em vigor da lei, ainda que carecesse ainda de regulamentação, tenha escolhido a sobredita remuneração mensal por equiparação – até porque parece não restarem dúvidas de que ele abdicou dessas benesses –, o que é certo é que acha-se evidente um downgrading de Ossufo Momade…e com uma clara violação à técnica jurídica e à hierarquia das leis, não sendo aceitável que um regulamento contrarie uma lei, que lhe é superior.
Mesmo assim, e ainda que Ossufo Momade mantenha o amplo leque de direitos e regalias constantes do Estatuto do Líder da Oposição – tendo, aliás, até conseguido de bónus o direito ao “subsídio de reintegração”, tal como se desenvolverá mais adiante –, para algumas situações concretas ele é equiparado aos membros do Governo (ministros).
Tal é o caso, por exemplo, da viatura de trabalho, estabelecendo o Estatuto do Líder da Oposição o seguinte: “o Líder do Segundo Partido com Assento Parlamentar tem direito (…) a uma viatura protocolar da marca, cor, série e cilindradas idênticas aos dos membros do Governo”. Do parque automóvel de Ossufo Momade, constam ainda uma viatura ligeira, para o seu “expediente residencial”, além de uma outra para alienação.
Dignidade genuína?
Se, tal como dissemos acima, a atribuição de estatuto especial ao líder da oposição é algo por demais normal em democracias avançadas, em Moçambique tal é visto como tendo o potencial de enfraquecer o segundo maior partido da oposição, probabilidade que há-de estar a ser considerada tendo-se como base a “jurisprudência” fixada por Afonso Dhlakama, alegadamente de recusar tal estatuto.
“As pessoas confundem esse estatuto como se fosse para Dhlakama. Por isso andam rumores de que fui comprado por uma casa e salário…mas não é isso que eu quero. Eu quero uma democracia efectiva no país”, terá assim reagido o falecido líder da Renamo, quando interpelado a propósito por jornalistas na cidade da Beira[8]. Dias depois, em artigo intitulado “AR legaliza instrumento de golpe eleitoral”, o CanalMoz referiu que “Dhlakama já disse que não quer tal estatuto”[9].
Dada a relevância política em ser-se oposição oficial, num contexto em que o líder do partido político nessa condição é o líder formal da oposição, há até partidos políticos que aplicam-se ao máximo para conseguirem esse desiderato, tendo presente, à partida, que ganhar eleições é-lhes algo impossível, pelo menos em certa eleição em concreto. É o que se viu, por exemplo, com o partido Economic Freedom Fighters (EFF) nas eleições de 2019, na vizinha África do Sul, nas quais o seu objectivo cimeiro era destronar o Democratic Alliance dessa posição.
A essência do que significa liderar a oposição é nestes termos descrita pelo político neo-zelandês Don Brash, na altura líder do National Party:
“O principal papel da oposição é questionar o governo do dia e pô-lo a prestar contas ao público. O partido que é oposição oficial representa uma alternativa ao governo, sendo responsável em desafiar as políticas do governo do dia e em produzir políticas alternativas onde tal se mostrar apropriado”[10].
Não sendo barato fazer política a sério e sendo os partidos políticos plataformas por excelência para a contínua participação dos cidadãos na gestão da coisa pública, é por isso que todos os partidos com assento parlamentar recebem dos governos dos seus países, Moçambique incluso, recursos financeiro para as suas actividades políticas. O que se assume como líder da oposição recebe muito mais quando comparado com os demais, competindo-lhe fazer essas políticas alternativas.
Comumente, a oposição oficial possui acesso privilegiado aos órgãos públicos de comunicação social, para neles fazer réplica política. Em Moçambique, a CRM[11] reconhece esse direito aos partidos representados na Assembleia da República (AR), mas o mesmo sempre se manteve letra morta, supostamente, tal como tem alegado, ao longo dos anos, a Televisão de Moçambique (TVM) e a Rádio Moçambique (RM), por carecer de regulamentação. Estranhamente, nem na lei que aprova o Estatuto do Líder da Oposição, muito menos no decreto que a regulamenta, tal se acha finalmente acolhido, o que é uma oportunidade perdida para a Renamo fazer política a sério.
Condições teóricas para a Renamo melhorar, mas…
Numa altura em que a sociedade ainda digere as notícias sobre os subsídios de reintegração que são legalmente atribuídos a deputados e outros governantes em Moçambique, ainda que em desarmonia com o princípio constitucional de justiça social, o decreto que regulamenta[12] o Estatuto do Líder da Oposição trás uma “grande inovação”: a atribuição, ao político que seja dirigente máximo do segundo partido mais votado, de um subsídio de reintegração.
O mesmo “corresponde a 75% do vencimento base, por cada doze meses de exercício efectivo do cargo, desde que a perda da qualidade de Líder do Segundo Partido com Assento Parlamentar não tenha sido fundada em condenação à pena de prisão maior, pela prática de crime doloso[13]”.
Além de remuneração equivalente à de Vice-Presidente da AR, subsídio de representação (20% do salário base), meios de transporte, subsídio de comunicação e viagem em primeira classe, figuram na lista das regalias do líder da oposição moçambicana, que neste momento é Ossufo Momade:
§ Gabinete de Trabalho, alocado, equipado e mantido pelo Ministério da Economia e Finanças (MEF), com pessoal de confiança (assessor, assistente financeiro, secretário particular, motorista e estafeta) pago por fundos públicos;
§ Residência oficial, igualmente alocada, equipada e mantida pelo MEF, de que faz parte pessoal de apoio (motorista, cozinheiro, servente de mesa, servente de limpeza, mainato e jardineiro) pago pelo Estado;
§ Assistência médica e medicamentosa para o líder da oposição como tal, bem assim para o seu cônjuge e filhos menores e incapazes;
§ Regime especial de segurança e protecção, que sejam exclusivamente garantidos pela Polícia da República de Moçambique;
§ Ajudas de custo, em caso de deslocações nas missões de serviço do Estado, dentro ou fora do país, incluindo as incumbidas pelo Chefe do Estado.
Quanto às contratações do acima referido pessoal de confiança, o regulamento do Estatuto do Líder da Oposição diz que os mesmos são engajados por via de contrato por tempo certo, nos termos da Lei do Trabalho, para um período máximo de cinco anos, carecendo esses contratos de visto do Tribunal Administrativo, do que ressalta mais um problema jurídico: a prazo certo, a Lei do Trabalho não permite contratações por períodos superiores a dois anos, renovável uma única vez, o que perfaz um máximo de quatro anos[14].
Embora existam os que olhem com desconfiança à flexibilidade de Ossufo Momade de se alinhar com o que sucede por outras geografias, o facto de ele não estar a associar a questão da consolidação do Estatuto do Líder da Oposição com a regulamentação, por exemplo, de institutos jurídicos que possuem dignidade constitucional há cerca de 30 anos, como a réplica política, pode dar razão a leituras tais, sobretudo num quadro em que, como que à guisa de um clientelismo dissimulado, até ganha o direito ao subsídio de reintegração, mas sem se movimentar substancialmente no sentido de essas condições materiais se traduzirem em investimento qualitativo da democracia moçambicana.
Registos em nosso poder indicam que a única vez que a Renamo – que em todas as eleições legislativas realizadas no país foi sempre, formalmente, o segundo partido mais votado – constituiu, de forma sistemática, um ‘Governo Sombra’, qual apanágio da oposição oficial, foi em princípios de 2005, meses depois do recrutamento, a partir da academia, de políticos como Eduardo Namburete, Ismael Mussá, João Colaço e Manuel de Araújo.
Contudo, Ossufo Momade tem uma soberba oportunidade de desmentir os seus críticos, transformando a Renamo numa oposição cada vez mais profissional, tendo nisso sempre presente os riscos associados ao Estatuto de Líder da Oposição, sob pena de, sem se aperceber, tornar o partido de que é dirigente máximo na mais nóvel organização de massas do partido no poder, a Frelimo.
Eis algumas das acções que, a nosso ver, Ossufo Momade deveria considerar urgentemente, para honrar a contribuição dos moçambicanos...até com subsídio de reintegração:
1. Ossufo Momade deve tornar público o Plano de Actividades e Orçamento para o seu gabinete, com o que estará a efectivar a prestação de contas aos contribuintes, em geral, e, em particular, aos moçambicanos que votaram em si e nele acreditam como “alternativa política” para Moçambique. Idealmente, poderia, mesmo com recurso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), elaborar o referido plano de forma participativa;
2. Sendo, enquanto líder da oposição, materialmente um servidor público, Ossufo Momade deve ter presente que lhe são aplicáveis as normas éticas constantes da Lei de Probidade Pública, além, naturalmente, das normas de gestão de fundos públicos, devendo ter presente que agir em sentido desconforme com instrumentos tais pode ser-lhe, um dia, politicamente desvantajoso e fatal;
3. Ossufo Momade deve considerar fortemente a formação de um ‘Governo Sombra’, que seja, de resto, responsável pela execução do seu “programa quinquenal”, com o que estará a fazer oposição política de forma sistemática e justificando os fundos públicos que lhe são alocados entanto que líder da oposição;
4. Por outro lado, há que cuidar da aprovação de uma Lei de Réplica Política, com a qual passaria, por exemplo, a ter acesso aos media públicos, sucedendo o mesmo com os membros do seu ‘Governo Sombra’;
5. Desenvolver uma agenda que mostre que o estatuto a ele atribuído não é uma dádiva do poder do dia, mas um processo institucional de consolidação da democracia.
[1] O autor é Director Residente do EISA em Moçambique. O texto foi retirado do Policy Brief 6 do EISA, publicado ontem, 9 de Junho.
[3] Reinstalação nos meios urbanos de Ossufo Momade, presidente da Renamo, no âmado do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR).
[5] Número 2 do artigo 2 da Lei número 33/2014, de 30 de Dezembro.
[7] Artigo 2 do Decreto número 28/2020, de 8 de Maio.
[11] Artigo 49.
[13] Número 2 do artigo 10 do Decreto número 28/2020, de 8 de Maio.
Nampula é a província mais populosa do país; é a segunda província com maior densidade populacional (perdendo apenas para a cidade de Maputo); é uma província de alta mobilidade comunitária e urbana; é uma das províncias com maior mobilidade e presença de estrangeiros (cerca de 10 por cento dos residentes são africanos dos grandes lagos); é um corredor nacional e regional (marítimo, terrestre e aéreo); possui um dos maiores centros de refugiados do país e da região; recebe refugiados de guerra de Cabo Delgado; tem uma população maioritariamente analfabeta; é um terreno sensível a boatos; é uma província predominantemente da oposição (onde quase tudo o que vem do governo se confunde com ordens do partido FRELIMO e a tendência é não acatar para não parecer frelimista); é uma província culturalmente com forte solidariedade comunitária; etecetera.
Só agora, depois de estarmos na contaminação comunitária da Covid-19, o governo central, na pessoa do ministro da Saúde, diz que vai reforçar a vigilância a nível da cidade e da província de Nampula e, por isso, vai instalar um laboratório de testagem na província. Isto é o verdadeiro espírito moçambicano de deixar tudo para a última hora. Espírito de bombeiro.
Isso significa que estamos a viver uma Emergência sem Estado. O Estado está a correr atrás da Emergência. O Estado está perdido. Não se explica que Nampula, Niassa, Cabo Delgado (até Zambézia) ainda estejam dependentes do laboratório de Maputo quase três meses depois ser detectado o primeiro caso aqui na região. Nampula é capital regional e tem tudo para ter um laboratório também regional. Aquela triste e vergonhosa notícia do primeiro óbito que teve o seu resultado cinco dias depois de morrer é obra da preguiça do Estado. Esses números volumosos de casos que estamos a ter na província também têm a ver com isso. A transmissão comunitária que hoje se vive em Nampula é o resultado dessa apatia. Assim não dá!
Será que o governo não fez essa leitura antes de entrarmos para a contaminação comunitária?! Será que a comissão científica não analisou isso e mais outras características?! Será que esses números que estamos a ter em Nampula são, de facto, surpreendentes de todo?! Será que é mesmo novidade que Nampula iria "ganhar"?!
E agora!!! Será que não é tarde demais?! Um laboratório de testarem da Covid-19 no fim do terceiro "round" do Estado de Emergência vai ajudar?! Ainda vamos a tempo de conter essa contaminação?! Ou é como aqueles cotas que esquecem de tomar a viagra e só se lembram no meio do jogo. Aqueles que tomam "gonazololo" no momento do orgasmo, quando tudo está a tremer, ambos com olhos de bagre morto, pernas bambas e gemidos de hienas no cio. Só para dizer que tomou!
- Co'licença!
Se as ruas pudessem votar seria bem interessante. Conheço uma rua da cidade de Maputo, que de tão oprimida, nem na oposição votaria. Essa rua, na verdade uma avenida, é a Ahmed Sékou Touré (o nome de um antigo presidente da Guiné-Conacry), a outrora e colonial Afonso de Albuquerque, o nome de um expansionista português que chegara a Governador/Vice-rei da índia portuguesa. Para quem é/foi morador ou com o local de trabalho nesta avenida não hesitaria em subscrever o presente texto, pois sabe quão a Ahmed Sékou Touré é oprimida por dentro e pelos seus pares vizinhos. Sigam-me.
A partida, as fronteiras da Av. Ahmed Sékou Touré - inicia na Av. Julius Nyerere, antigo presidente tanzaniano, e finda na Avenida da Tanzânia - significam que se está ainda em Nachingwea, o campo de treino militar da FRELIMO na Tanzânia. Logo, não se está independente na Av. Ahmed Sékou Touré. É a primeira opressão. A segunda situa-se no início da avenida e do lado esquerdo para quem dá costas à Nyerere (com todo o respeito). Trata-se de um edifício das finanças que, trocado em miúdos, é o símbolo de impostos (e quem gosta de os pagar?). Na mesma posição e do lado direito está localizada o Palácio dos Casamentos que é a terceira e sinistra (para alguns) opressão. Isto para citar, de memória, alguns exemplos.
A opressão, na Av. Ahmed Sékou Touré, não se circunscreve apenas ao local de nascimento. Existe uma outra, a que me interessa, tão presente, devastadora e sufocante em toda a sua extensão. Falo da opressão movida por duas avenidas paralelas e adjacentes. São a Eduardo Mondlane, 1º presidente da FRELIMO, e a 24 de Julho, o dia das nacionalizações. As avenidas, entre outras e ditas protocolares, por onde passa o poder, soltando ruidosas sirenes que de tanto vociferarem, dos dois lados da avenida, e vezes sem conta em simultâneo, até ameaçam, à milhas, a saúde dos tímpanos dos patronos da rua quer os do presidente guinéu, no sossego do seu túmulo, lá para as bandas de Conacry, a capital da Guiné do mesmo nome, quer os do Governador e Vice-rei da índia portuguesa que anda, suponho, perdido pelas ruas de Lisboa, a capital, por conta do desaparecimento do seu túmulo no Terramoto de Lisboa de 1755.
Dos quatro presidentes de Moçambique, o único que até agora vi a passar pela oprimida Ahmed Sékou Touré, e no exercício das suas funções, foi Armando Guebuza, o “Enfant terrible” de Samora Machel, que cortara, no sentido Este-Oeste, uma boa parte da avenida e creio, terá parado, para uma inauguração ou visita, algures próximo ao Jardim dos “Mandgermans”, o oficial Jardim da Liberdade. Em conversa com um amigo, que também vira e ligara para mim, enquanto o “momento histórico”, a passagem da comitiva presidencial pela Av. Ahmed Sékou Touré, acontecia, comentamos, na altura, de que só ele, o Guebuza, entre os três presidentes até então, compreendia a dimensão da opressão habitada na Av. Ahmed Sékou Touré. Isto porque, na era colonial, na sua trajectória nacionalista, Guebuza “vivera” numa das suas esquinas, concretamente na da funesta, e de má memória, “Vila Algarve”, uma antiga prisão da polícia política portuguesa (PIDE), hoje um edifício em ruínas.
Lembrei-me da Ahmed Sékou Touré, como uma rua oprimida, a reboque do protesto da comunidade afro-americana contra a opressão de que são vitimas, em particular da polícia estado-unidense. Na esteira do exemplo, discordando apenas do recurso à violência, sugiro aos oprimidos da Av. Ahmed Sékou Touré, os antigos e os actuais, que se organizem e movam uma acção pacífica de protesto contra o Estado. No mínimo, um abaixo-assinado e um processo judicial em que se exija o pagamento de uma choruda indeminização, entre outros, por danos na audição e com efeitos nefastos na visão.
Por ora, enquanto decorrem os preparativos organizacionais para o protesto, até que se podia colocar, junto ao murete do Palácio dos Casamentos, uma lápide inscrita “ Rua Oprimida”. É uma ideia e não sei até que ponto seria consensual na futura Associação “Rua Oprimida”. Espero, a fechar, que os da Av. Ahmed Sékou Touré, os de ontem e os de hoje, não levem a sério, e nem a brincar, o escrito neste texto.
PS: Prometera, em finais de Maio, de que só voltaria a publicar no início de Julho. A ideia era a de mostrar ao PR o meu comprometimento em ficar em casa, fisicamente e virtualmente. Ainda não cumpri, sobretudo a nível virtual. Já publiquei um texto. Agora o segundo. Um exemplo de que está difícil cumprir com as medidas do estado de emergência. Não me parece que o facto de ter sido uma das vítimas da “Rua Oprimida” (tipo já não ouço e mal enxergo) seja uma desculpa plausível.
Quem de nós não morre quando todos morremos em Muidumbe?
Quem sobrevive incólume diante dos impiedosos algozes
daqueles nossos infaustos concidadãos de Muidumbe?
O sacrifício dos que foram assassinados em Muidumbe
não é bastante para sangrar os jornais além das efémeras notícias
que não abalam a nossa moçambicaníssima complacência?
Quem fica de joelhos pelos mortos de Muidumbe?
A galhardia daqueles que foram metralhados
sem comiseração
em Muidumbe
não sufraga a honra das nossas ruas?
Por que nada exigimos?
Por que razão nenhum clamor fazemos?
Os nossos punhos não se compadecem
por todos os que morreram por nós em Muidumbe?
Os mortos de Muidumbe não concitam a nossa dor?
Os mortos de Muidumbe desmerecem a nossa compaixão?
Os mortos de Muidumbe não tributam o nosso sofrimento?
Somos misericordiosos com os outros mortos
e postergarmos os nossos mortos de Muidumbe.
O sangue vertido em Muidumbe não é nosso sangue?
Onde estão as vigílias
as velas
as praças exaltadas?
As missas
liturgias
eucaristias.
Nenhuma cidade se levanta perante os mortos de Muidumbe.
Porquê?
Os mortos de Muidumbe resistem sem rosto.
Os mortos de Muidumbe são apenas um número
para a estatística
para o cadastro
para o catálogo da nossa humilhação colectiva
para a recensão da desonra
para o arquivo e para o esquecimento.
Os mortos de Muidumbe não cantam.
Os mortos de Muidumbe não falam.
Os mortos de Muidumbe não reclamam.
Os mortos de Muidumbe não sonham.
Os mortos de Muidumbe não gabam a quimera dos seus epitáfios.
Nem esperam o requiem dos outros defuntos.
Os seus gritos não conclamam os deuses
porque os deuses estão ensimesmados com outros mortos.
Os mortos de Muidumbe foram enterrados
mas permanecem insepultos.
Nenhuma necrologia inscreve os seus nomes.
Os jornais não têm letras de sangue
para os que morreram em Muidumbe.
Não há obituários para os mortos de Muidumbe.
Os jornais são omissos quanto ao massacre de Muidumbe
o genocídio de Muidumbe
os fuzilamentos de Muidumbe
o extermínio de Muidumbe
a carnificina de Muidumbe.
Os mortos de Muidumbe perseveram no anonimato
como os decapitados de Mocímboa da Praia
Quissanga
Mueda
Palma
Metuge
Macomia
a Norte onde se aniquila o futuro do nosso passado.
Os mortos de Muidumbe não desconsolam o mundo
o mundo está assoberbado com outros mortos
o mundo urge para os outros mortos
o mundo não tem empatia com os mortos de Muidumbe.
Há um pérfido alheamento pelos mortos de Muidumbe.
Os mortos de Muidumbe não fazem parangonas
não abrem telejornais.
Quem morremos com os mortos de Muidumbe?
Será que não morremos todos com os mortos de Muidumbe?
Ninguém de nós se condói pelos mortos de Muidumbe?
Que país é este que não se enternece com os mortos de Muidumbe?
Os nossos pêsames
a nossa consternação
a nossa comiseração
a nossa humanidade
não são dignos dos mortos de Muidumbe?
Que luto é este que escolhe não velar os mortos de Muidumbe?
Que mortos sufragamos nós para carpir as nossas lágrimas?
Que angústia é essa tão insolente quanto aos mortos de Muidumbe?
Que silêncio é este perante o silêncio dos que foram silenciados em Muidumbe?
Quem de nós não morre quando todos morremos em Muidumbe?
Nelson Saúte
Junho de 2020