No dia 15 de Junho de 2021, o Centro de Integridade Pública (CIP) realizou uma Conferência de Imprensa onde divulgou os resultados de uma pesquisa denominada “Exploração sexual de reclusas na cadeia de N´davela”. Desse estudo, que teve a duração de seis meses, foram destacados os seguintes aspectos:
- Algumas reclusas de Estabelecimento Penitenciário para mulheres de Maputo (Cadeia de N´davela) são sujeitas a exploração sexual;
- A exploração sexual configura uma estrutura articulada que envolve guardas prisionais e que está organizada desde a identificação das mulheres e raparigas que poderão ser sujeitas a violação sexual, a transporte das reclusas, ao recrutamento de clientes e à existência de uma casa sinalizada onde se pratica a exploração sexual;
- Que havia um largo conhecimento da prática do crime, dado que é grande a distância entre as celas e a porta de saída, sendo a vigilância apertada.
- Que a recusa demonstrada por algumas das mulheres em se conformar com a violação teve como resultado o espancamento e como consequência a “conformação” com a exploração sexual;
- Que as reclusas não denunciaram a situação de que eram vítimas por medo de represálias e porque numa situação de confronto e citamos algumas das suas frases “ninguém iria escutar as vozes de mulheres que cometeram crimes”.
A Senhora Ministra cujo sector é responsável pelas prisões decidiu organizar uma visita à cadeia no dia imediatamente a seguir à conferência de imprensa.
A comunicação da visita de Vossa Excelência à cadeia de N´davela deixou-nos extremamente preocupadas e indignados porque como é do conhecimento de todos, as reclusas na situação de cumprimento de uma pena não iriam denunciar os seus algozes expondo-se a formas de violência que não são sequer imagináveis.
Uma visita após uma denuncia fundamentada de uma prática que configura a existência de uma rede de criminosos na instituição de que Vossa Excelência é a máxima responsável só pode ter como motivação o silenciamento da exploração sexual das reclusas, satisfazendo, de igual modo, as vozes que de imediato se levantaram contra o crime organizado numa instituição prisional.
O Ministério da Justiça tem os meios para averiguar, no recato que o desmantelamento de uma rede de criminosos carece, as denúncias que a pesquisa largamente expõe, sob pena de não obter nenhuma comprovação, tal como prevemos e o tempo o confirmará.
A agravar a situação os jornalistas convidados a entrevistar as reclusas, foram retirados da sala, porque os guardas prisionais promoveram um encontro, à porta fechada, com as presas, tendo, nessa altura, os jornalistas presentes decidido abandonar o recinto, dado que esta situação foi percebida como um acto intimidatório.
Senhora Ministra
Excelência
Nós, organizações da sociedade civil, estamos diariamente a receber denúncias da violação de direitos humanos das mulheres. Temo-nos organizado para levar à barra da justiça os criminosos. Infelizmente quando o alvo das nossas denúncias são pessoas com poder ou instituições como é o caso da Escola Prática da Polícia em Matalana, a justiça substitui-se por operações cosméticas de propaganda e “faz de conta” sem que sejam repostos os direitos das ofendidas.
Senhora Ministra
Excelência
Não nos compete a nós julgar as suas metodologias de trabalho como governante. Contudo, gostaríamos de lhe chamar atenção que não estamos convencidas que o desmantelamento de uma rede criminosa se faça através do anúncio prévio das estratégias que o Estado irá pôr em prática, alertando os bandidos e pondo em risco a vida e os direitos das reclusas e dos investigadores.
O Centro de Integridade Pública é uma organização da sociedade civil que tem comprovado ao longo de muitos anos a seriedade e a profundidade que coloca nas suas pesquisas. Estamos convictas que o estudo produziu evidências suficientes sobre a existência de uma rede que permanente e sistematicamente viola direitos humanos das mulheres reclusas. Exigimos assim, responsabilização aos mandantes e executores do crime hediondo e a proteção da(o)s denunciantes e pesquisadores ao abrigo da lei de proteção das vítimas, denunciantes e testemunhas (lei 15/2012 de 14 de Agosto). Estaremos alertas sobre quaisquer represálias que se exerçam sobre as reclusas, a(o)s denunciantes, ao CIP e seus investigadores e agiremos em conformidade.
Estamos de acordo com o CIP quando propõem que a Comissão de Inquérito deve ser independente e ter “plenos poderes, para agir sem qualquer tipo de pressão/interferência”.
Como dirigente de um sector tão importante como é a justiça e, também como mulher e ser humano, esperávamos mais da si, Excelência.
Permita-nos finalizar parafraseando Vlado Herzog:
“Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos contra as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados” .
Maputo, 18 de Junho de 2021
A Coordenação da Comissão Instaladora
Maria José Arthur