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segunda-feira, 14 junho 2021 06:34

Obituário: Edmundo Galiza Matos (1954-2021) - Calou-se o repórter total

Edmundo Galiza Matos (EGM), natural de Inharrime (Inhambane), que morreu de doença cancerígena ontem em Maputo, era um dos mais destacados radialistas da Rádio Moçambique, a principal estação de rádio do país. Era o repórter total, o homem de paixão férrea pela radiodifusão. Sua imagem iconográfica, aquela que eu gravo na memória, é a do repórter perspicaz, de gravador a tiracolo e microfone em punho. Entrevistador visceral, ele era um dos quadros destacados da secção de Reportagem na Redacção Central, nos anos 80.

 

Galiza Matos teve uma trajetória plena na Rádio Moçambique. Foi dos primeiros jornalistas a entrar para a RM ainda em 1975, nos primórdios da nova Nação. Em Pemba, Cabo Delgado. Como ajudante de escritório, com 20 anos, abraçando o jornalismo logo a seguir. Ele assume de peito aberto os desafios que os jovens profissionais receberam na altura. Como se recorda Tomás Vieira Mario, que trabalhou com EGM, sem quadros suficientes, os repórteres faziam de tudo. Reportagem, e não só. Noticiário e a parte técnica. Eram uns autênticos caterpílares de fazer jornalismo de rádio.

 

 

O início da década de 80 encontra Galiza Matos como delegado da RM em Nampula. Era chefe mas…um chefe que não se coibia de ir ao terreno dos factos. Durante os 4 ou 5 anos que EGM permaneceu em Nampula, ele destacou-se como um repórter total, apaixonado por directos da rua. Deve ter feito centenas de directos.

 

Quando chegou a Maputo, Galiza Matos manteve o trato fino que impregnava em suas reportagens. Gabriel Mussavele, do seu tempo, lembra de uma obsessão de Galiza: o manuseamento do equipamento. "Era um obcecado pela qualidade. Um som que viesse com sopro era criticado". Galiza exigia que os sons e as vozes das entrevistas viessem límpidas. Exigia isso aos outros e aplicava para si os mesmos ditames, ferreamente. Suas reportagens eram completas nesse aspecto.

 

Nos anos 80, a RM estava barricada, como toda a comunicação social, no projeto de construção da nação. A cobertura política era um ingrediente fundamental. E nisso vinham os comícios de Samora Machel, que paravam o país. Quando o Presidente fosse a Nampula, Galiza Matos era uma referência nos diretos que fazia, enviando para os estúdios seus trabalhos, com voz límpida e clara, grave e cava, prendendo o ouvinte aos Xiricos de outrora.

 

Teresa Lima, outra radialista do tempo de Galiza Matos (uma turma de ouro onde pontificavam Emílio Manhique, António Bernardo Cuna, Gabriel Mussavele, Maria Cremilda Massingue, entre outros tantos, sob a direção de Orlanda Mendes) lembra-se de um colega sempre bem-disposto, "amigo dos seus amigos, um excelente radialista", daqueles com dotes inatos.

 

Durante longos anos, Galiza Matos manteve o seu registo de qualidade, mais recentemente já com um braço de pedagogia, ensinando aos mais novos como fazer bem. Depois da reforma, em 2010, Matos continuou a colaborar na RM, agora no sector de Programas, produzindo, com Luís Loforte (seu irmão) uma obra que consistia no resgate das vozes sonantes que marcaram o panorama da música dos anos 60 e 70.

 

Nos últimos anos, com a descoberta do gás do Rovuma, ele rumou para Palma, o-provável-eldorado-tornado-pesadelo, e abraçou, com Loforte, o projecto da montagem da Rádio Comunitária de local, que se tornou o meio através do qual as vozes locais partilhavam seus sonhos e pesadelos sobre a exploração do gás. Calou-se a voz essencial…um repórter de fina estampa. O repórter total. Tinha 67 anos.(Marcelo Mosse)

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