Passam quase 11 meses, desde que foram instalados os primeiros órgãos de representação do Estado nas províncias (representados pelo Secretário de Estado) e de governação descentralizada provincial (representados pelo Governador da província), criados no âmbito da aprovação do novo pacote de descentralização, adoptado no contexto dos entendimentos entre o Presidente da República, Filipe Nyusi, e o antigo líder da Renamo, Afonso Dhlakama, com vista à “pacificação” do país.
Entretanto, até hoje, ninguém está claro em relação à competência específica de cada um dos órgãos instalados nas províncias, havendo, em algumas ocasiões, disputas de “protagonismo” entre as principais figuras: Secretário de Estado (nomeado pelo Presidente da República) e Governador da província (eleito).
Em conversa com “Carta” em relação à falta de clareza nas atribuições de cada um dos órgãos, o cientista político e investigador do Instituto Eleitoral para a Democracia Sustentável em África (EISA), Egídio Guambe, defendeu que a mesma “não vai existir”, pelo facto de o modelo adoptado não corresponder ao problema levantado, que era o da “redistribuição do poder”, pelo que, faltará sensatez, por parte do Chefe de Estado, em “assumir que isto está errado e recuar”.
“O modelo da descentralização, nos moldes em que foi desenhado, não corresponde ao problema levantado, o qual se estava à espera que, em cada província, se calhar os partidos políticos da oposição pudessem ganhar, o que não se viu. Penso que a solução poderia ter sido, dependendo dos resultados, redividir a distribuição dos postos dentro da estrutura político-administrativa existente. Por exemplo, no Governo da província, o primeiro a ser votado podia nomear o Governador; o segundo podia nomear, se calhar, um Director de Serviço ou Chefe de Secretaria, num sentido de que a nossa administração está tendo dificuldades de se emancipar”, disse a fonte, sublinhando que “a clareza não vai existir” porque “as receitas das soluções foram mal desenhadas”, optando-se por “redistribuir supostamente o poder sem necessariamente tocar na estrutura-base existente”, facto que criou a figura de Secretário de Estado.
“O Secretário de Estado, nos moldes em que foi constituído, assim como o Governador, nunca vão operar devidamente. Existirá muita tensão porque foram criados como uma resposta mal entendida. Não existe uma ideia bem estruturada do pressuposto de interesse público. Cortou-se o contacto com a sociedade”, defende o académico, para quem não se irá recuar por “uma questão de vergonha”.
“O que vai dificultar o recuo é o facto de o actor principal que incentivou que se avançasse com estes moldes de reforma, o Presidente da República, pelo cariz político moçambicano, não vai ter coragem suficiente de assumir que isto está errado e recuar. É certo que, nas próximas eleições [de 2024, em que serão eleitos os Administradores dos distritos], vamos até ao nível dos distritos, por uma questão de vergonha, de não reconhecimento mesmo. Não me parece haver sensatez para poder reconhecer que o problema não é nenhuma lacuna legislativa, porque isso existe em todo o lado e em toda a legislação. As lacunas legislativas são naturais e normais, o mais importante é haver princípios de interpretação. É preciso haver um agente administrativo que dá sentido e alcance aos aspectos legais. Portanto, em 2024, teremos a eleição dos administradores, mas na mesma perspectiva clientelista”, atirou o Oficial de Programas Sénior no EISA.
Para Guambe, se, em 2024, tivermos um candidato presidencial a ser eleito a Presidente, “com sensatez e lucidez própria”, terá duas soluções: recuar deste figurino de descentralização ou melhorar a performance, pois, “não há clareza, por exemplo, se as autarquias irão ou não continuar, pois, a legislação autárquica não foi revogada”.
Lembre-se que, na semana finda, o Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, em visita à província do Niassa, disse que não podia haver dúvidas em relação às atribuições dos representantes do Estado naquela parcela do país. Segundo o Governante, “questões de relacionamento e de não clareza de quem faz o quê só nos distraem do nosso foco”. (A.M.)