A organização não-governamental Centro de Integridade Pública exigiu ontem a intervenção do Ministério Público (MP) para obrigar o Governo a não pagar as dívidas cujos atos foram declarados nulos pelo Conselho Constitucional (CC). "O Ministério Público, como fiscal da legalidade, deve obrigar o destinatário do acórdão a cumprir com a decisão proferida pelo CC. Importa referir que o MP defende, nos termos constitucionais e da lei ordinária, os interesses do Estado e não do Governo, que são duas entidades distintas. Sendo assim, o MP não se deve eximir das suas responsabilidades neste processo", lê-se numa nota da ONG.
Num acórdão divulgado há uma semana, o Conselho Constitucional - equivalente ao Tribunal Constitucional - declara a nulidade dos atos relativos aos empréstimos contraídos pelas empresas Proindicus e Mozambique Asset Management (MAM) e das garantias soberanas conferidas pelo Governo, em 2013 e 2014, respetivamente, com todas as consequências legais.
A decisão é idêntica à que já havia sido tomada em junho de 2019 quando o órgão foi chamado a deliberar sobre o empréstimo à Ematum. No conjunto, as verbas usadas em nome das três empresas públicas moçambicanas (Ematum, MAM e Proindicus) totalizam os 2,2 mil milhões de dólares (cerca de 2 mil milhões de euros) do escândalo das chamadas ‘dívidas ocultas’, ainda sob investigação judicial - e com Estados Unidos da América e Moçambique a disputar na África do Sul a extradição do homem que as assinou, Manuel Chang, antigo ministro das Finanças.
A declaração de junho de 2019 não impediu o Governo de renegociar com os credores o reembolso dos 'eurobonds' da Ematum, alegando que a posição dos juízes do CC pode ser cumprida procurando o ressarcimento do Estado por parte de quem vier a ser condenado pela Justiça.
Em relação às garantias prestadas a favor da MAM e Proindicus, o Governo já tinha iniciado processos, ainda em curso no exterior, alegando a respetiva nulidade.
Mas para o Centro de Integridade Pública (CIP), o posicionamento do atual ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, na sexta-feira, durante a discussão da Conta Geral do Estado de 2018, na Assembleia da República, sugerem que o Governo moçambicano pretende pagar as dívidas consideradas ilegais pelo CC.
"Não pode um Governo, de forma reiterada, não cumprir com as decisões de outro órgão de soberania, porque sabe que, de facto, daí não advirão sanções. A ser assim, onde e como fica o dever de colaboração institucional dos órgãos de soberania", questionou o CIP, acrescentando que as decisões do CC devem ser explicadas.
"Se o CC não pode obrigar o Governo a cumprir com as suas decisões, pelo menos, pode aconselhá-lo a seguir num ou noutro caminho, sob pena de ser cúmplice do seu próprio enfraquecimento, sobretudo no que tange à sua credibilidade para os destinatários das suas decisões", frisou a organização não-governamental.
O acórdão surge depois de o CC de Moçambique ter sido chamado a declarar-se por via de uma petição dinamizada pelo Fórum de Monitoria da Dívida (FMO, plataforma que congrega vários representantes de ONG moçambicanas, que reuniu 2.000 assinaturas - tal como na decisão de 2019.
Desta vez, a petição pegou nas Contas Gerais do Estado de 2015, onde as garantias surgem inscritas para suscitar a sua nulidade por não terem sido inscritas nos orçamentos dos anos em que foram emitidas (2013 e 2014), violando a Constituição, e passando à revelia da Assembleia da República e do Tribunal Administrativo.
Em causa está um empréstimo de 622 milhões de dólares (610 milhões de euros) contraído junto do Banco Credit Suisse para a Proindicus e outro de 535 milhões de dólares (492 milhões de euros) contraído junto do Banco de Comércio Exterior da Rússia (VTB) a favor da MAM. (Lusa)