Mesmo quase a ser submetida ao Conselho de Ministros para apreciação e análise, a proposta de Lei de Conteúdo Nacional, crucial para a participação das empresas nacionais nos projectos de grande dimensão, com destaque para o sector de exploração do gás natural, ainda divide opiniões entre o Governo e sector privado.
De entre vários pontos, a principal discórdia centra-se na participação das empresas nacionais nos megaprojectos. No princípio, o Ministério da Economia e Finanças (MEF), em representação do Governo, e a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), pelo sector privado, tinham concordado que a participação nacional nos Projectos de grande dimensão (PGD) seria até 15 por cento (de subscrição) no capital social.
Entretanto, após revisão pelo Governo, nos últimos 45 dias, consta na Proposta Final discutida, ontem, em Maputo, que a participação nacional consiste em os megaprojectos reservarem 15 por cento do seu capital social, via Bolsa de Valores, para alienação por pessoas singulares e pessoas colectivas públicas ou privadas moçambicanas”.
Como é óbvio, na Proposta Final, a novidade é a participação nacional, mas através da Bolsa de Valores, o que constitui uma grande afronta para o sector privado, que diz não ter sido consultado para a inclusão desse aspecto. “Eu, particularmente, não fui consultado”, disse o Presidente da Comissão do Conteúdo Local e Ligações Empresariais na CTA, Florival Mucave.
Em verdade, o principal problema não é a falta de consulta, mas o impacto negativo que provirá da imposição da participação, através da Bolsa, nomeadamente, a fraca participação dos megaprojectos por não confiar no sistema bolsista moçambicano, o que irá concorrer para a exclusão do empresariado nacional nesses projectos.
“As grandes empresas (…) não hão-de vender as suas acções na Bolsa de Valores de Moçambique (…) porque não temos ainda a capacidade de fazer um “due diligence” tão efectivo para evitar a lavagem de dinheiro, com a compra de acções na Bolsa de Valores. E a verdade é que nós não temos mecanismos de controlo efectivo que possam permitir a venda de acções dessas grandes empresas na BVM”, explicou Mucave.
Na ocasião, o empresário lembrou que a venda de acções na bolsa, pelas multinacionais, é uma questão que constava da Lei de Petróleos, mas recentemente foi retirada “pelo lobby das multinacionais. Eles é que recusaram. E agora porque está a voltar para aqui?”, interrogou.
Outra questão que a fonte apresenta tem que ver com a falta de precedência do modelo de participação sugerido pela Proposta Final. Ciente de que leis daquela natureza exigem a comparação com outros países, Mucave disse que o modelo proposto não aconteceu na Nigéria, nem na Noruega, na Indonésia, em Trindade Tobago etc. “Portanto, nós queremos implementar um modelo que não existe. Um modelo sem precedente”.
Em defesa do sector privado, Mucave sublinhou igualmente a necessidade de a Lei de Conteúdo Nacional permitir a participação do empresariado nacional, através de Joint Ventures, um modelo que, conforme exemplificou, foi adoptado pela Noruega. Como consequência, “as Joint Ventures fizeram com que as empresas norueguesas pudessem participar nos projectos em pareceria com empresas internacionais e fossem adquirindo conhecimento com o tempo. É isso que a CTA pede, que haja realmente a transferência de tecnologia e que o modelo de Bolsa de Valor não é o mais efectivo”, reafirmou o empresário.
Numa reunião que juntou mais de cinquenta pessoas, desde empresários nacionais, representantes de petrolíferas que exploram o gás natural no país e o Governo, o Director do Departamento de Estudos Económicos do MEF, Vasco Nhabinde, disse, por sua vez, que mesmo com as discórdias a Proposta vai seguir nas próximas semanas para o Conselho de Ministros. “Naturalmente, que algumas preocupações vamos sentar com algumas pessoas específicas e discutir e, se houver necessidade de tocar, vamos fazer”, sublinhou o gestor.
No entanto, Nhabinde frisou que o mais importante é a existência de consenso de que é necessário haver uma Lei de Conteúdo Nacional. “E leis desta natureza que, sobretudo, envolvem áreas muito complexas, como petróleo e gás, há muitos interesses e a divergência do ponto de vista de objectivos daqueles que fazem investimento nessas áreas, por isso, que a mão forte do Governo é necessária para garantir que o país ganhe de alguma forma”, acrescentou.
Para Nhabinde, a participação pela Bolsa visa contribuir para o desenvolvimento do mercado secundário de capitais, através da Bolsa de Valores e, com esse desenvolvimento, é possível envolver cada vez mais moçambicanos a participar no investimento. “É que uma das grandes preocupações das empresas é a captação da poupança para investimento e a Bolsa é uma forma. Também é uma forma para aqueles moçambicanos pouparem uma quinhenta para que possam investir”, explicou.
Em relação a fracos mecanismos de “due diligence” por parte da BVM para evitar a lavagem de dinheiro, Nhabinde disse tratar-se de uma questão discutível porque o país possui instituições de controlo de entrada de capitais. Contudo, disse haver necessidade de aprimoramento desses mecanismos e garantir que os moçambicanos possam de certa forma aceder a esses empreendimentos.
Relativamente à retirada da venda de acções no sector de petróleos e gás, Nhabinde disse não haver necessidade de retirada dessa questão, por a Lei de Conteúdo Local ser um dispositivo legal geral. Ou seja, que não abrange apenas o aludido sector, mas a tantos outros. “Pontanto não pode ser retirada por causa de um e único sector”, concluiu (Evaristo Chilingue)