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quinta-feira, 21 dezembro 2023 07:39

Polémica do feijão bóer em Moçambique (2): Empresas do Grupo ETG apanhadas nas malhas da cartelização e da fraude fiscal (35 Biliões de USD) na Índia

O Grupo ETG paga integralmente impostos em Moçambique? A sua folha fiscal é limpa? Eis algumas questões que emergem dos corredores do sector da exportação de “commodities” agrícolas (incluindo o feijão bóer) de Moçambique para a Índia, nomeadamente depois de ter sido despoletado, naquele país, um escândalo sobre a cartelização e fraude fiscal (35 Biliões de USD), mormente envolvendo empresas do conglomerado de Mahesh Patel e, em parte, mercadoria saída de Moçambique.

 

Eis mais uma nota rocambolesca da saga do feijão bóer em Moçambique, a qual levanta dúvidas sobre a integridade ética e fiscal das principais multinacionais que operam no sector do agronegócio. O Grupo ETG paga integralmente impostos em Moçambique? Já foi alvo de uma auditoria fiscal?

 

De como funcionava o cartel do ETG na Índia, sobrefacturando feijão bóer proveniente de Moçambique

 

Em Maio de 2015, exactamente quando o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, completava um ano de mandato, e o Governo local alegava que a inflação geral dos preços no consumidor tinha caído para o mínimo em quatro meses, e que a inflação dos preços nos mercados grossistas tinha sido negativa nos seis meses anteriores, os preços de leguminosas como o feijão bóer, boa parte saída de Moçambique, continuavam a subir, apresentando uma tendência contrária. 

 

De acordo com a publicação www.thewire.in, no princípio pensou-se tratar-se de uma crise resultante de alterações climáticas. Mas documentos apreendidos entre Outubro-Dezembro de 2015 por funcionários do departamento de Imposto sobre Rendimento (TI), no Ministério das Finanças, concluem que a subida do preço do feijão bóer tinha contornos de fraude.

 

A produção de leguminosas para o ano agrícola de 2014-15 (Julho-Junho) foi estimada em queda para 18,43 milhões de toneladas, contra 19,78 milhões de toneladas no ano anterior. O governo planeava importar mais leguminosas para colmatar a lacuna na procura, mas é aí que a investigação fiscal encontrou uma armadilha, lembra a publicação.

 

A Índia produzia cerca de 18-19 milhões de toneladas de leguminosas anualmente, mas tinha de importar 3-4 milhões de toneladas adicionais para satisfazer a procura interna, sendo a maior parte feita por importadores privados. O governo não conseguiu cobrir as importações futuras com posições no mercado de derivados, ao contrário dos anos anteriores. 

 

No entanto, este buraco no cabaz de importações estava à espera de ser explorado, apesar de haver rumores de que havia incerteza sobre quando os stocks iriam finalmente desembarcar nas costas indianas. Parte do "stock" chegaria de Moçambique. Mas quando os preços do retalho ultrapassaram primeiro as 150 rupias Kg e depois a marca das 200 rúpias, o pânico tomou conta das autoridades governamentais.

 

Em 14 de Outubro de 2015, o ministro das Finanças, Arun Jaitley, presidiu uma reunião interministerial de alto nível que decidiu criar um “stock” regulador, através da aquisição e importação de leguminosas, e tomou medidas rigorosas contra acumuladores e comerciantes “negros”, além de ter encorajado os Estados a aumentar os estoques de leguminosas importadas, entre outros. 

 

O governo também alterou a “ordem central” ao abrigo da Lei das Mercadorias Essenciais de 1955, em 18 de Outubro, para permitir a imposição de limites de “stocks” de leguminosas provenientes de importações, “stocks” detidos por exportadores, “stocks” a serem utilizados como matérias-primas por processadores de alimentos licenciados e “stocks” das grandes superfícies (centros comerciais).

 

Em seguida, vieram as sinistras revelações. Quase 75 mil toneladas de leguminosas foram apreendidas armazenadas, em operações em 13 Estados, de acordo com o Ministério do Consumidor, Alimentação e Distribuição Pública. Isso resultou na apreensão de 74.846.359 toneladas métricas (MT) de leguminosas até ao momento. 

 

Dois meses depois, foram realizadas incursões nos escritórios de comerciantes e importadores de mercadorias. Também foram realizadas incursões na Bolsa Nacional de Mercadorias e Derivados (NCDEX) “para seleccionar os dados de comerciantes que se entregam à negociação especulativa de leguminosas”. Em 29 de Dezembro de 2019, o “India Today” relatou: “Edelweiss, Glencore, ETG, entre outras grandes empresas comerciais, são acusadas de trabalhar como cartel, deter “stocks” ilegalmente, atrasar importações, amplificar a escassez, [e] manipular preços”. O valor global da fraude foi orçado em 32 biliões de USD.

 

Os investigadores descobriram três tipos de operadores que juntos funcionavam como cartel. 

 

O Nível I compreendia as principais corporações multinacionais de “commodities” (MNCs) que poderiam influenciar os mercados estrangeiros. O segundo nível incluía negociantes nacionais que adquiriam e acumulavam “stocks” locais e descarregavam “stocks” das entidades de nível I, enquanto o terceiro escalão eram operadores de entrada que podiam fornecer facturas falsas para reduzir lucros e fugir aos impostos. 

 

As multinacionais de matérias-primas transferiram os rendimentos para as suas empresas-mãe no estrangeiro através da sobrefacturação das importações e da subfacturação das exportações. Não só houve especulação desenfreada, como os membros do cartel também evitaram impostos. Os funcionários nomearam os indivíduos e empresas envolvidas: 

 

Nível I: Grupo Glencore, Grupo ETG, Grupo Edelweiss

 

Nível II: Grupo Jindal composto por Dalip Jindal, Pradip Jindal, Jindal Agro, etc; Vikas Gupta, Grupo Superior; Manoj Agrawal; SV Agri Comércio; Grupo Sharp Mint

 

Nível III: Manoj Agrawal, Riddhi Siddhi Impex, Parth International, Gayatri Maa, Gunn Enterprises, Charles India Private Limited

A Glencore e ETG

 

Os investigadores descobriram que a Glencore, que controla os mercados do Canadá e da Austrália, planeava operar através do ETG (Export Trading Group), um interveniente dominante no comércio de mercadorias em África e em Myanmar. O thewire.in escreveu vários emails indicando que, em vez de competirem entre si, as duas decidiram firmar uma parceria para obter o controlo monopolista do mercado indiano de leguminosas. A Glencore deveria adquirir uma participação de 51% no ETG com um pagamento proposto de US$ 162,81 milhões. 

 

Vários documentos também foram encontrados no escritório do ETG. O negócio deveria ser fechado em Dezembro de 2015. Ao reexaminar as contas, os funcionários fiscais constataram que, apesar de registar um volume de negócios de mil milhares de milhões de rupias e apesar de ser a força dominante do mercado e um líder mundial, o Grupo Glencore quase não pagou quaisquer impostos. 

 

O Grupo ETG (Jayesh Patel) foi, por sua vez, acusado de ter importado leguminosas de Moçambique a 55 rupias/kg, tendo vendido na Índia a 175 rupias por kg sob os narizes do governo. Mas atenção: 55 rupias não era o preço pago por kg em Moçambique. Em Moçambique, o grupo ETG comprava aos camponeses a um preço inferior (alegadamente 5,00 Mts/Kg), depois vendia para uma outra empresa do grupo nas Maurícias ou no Dubai e ao mesmo preço com que comprava em Moçambique, evidenciando um suposto prejuízo. Do Dubai, com todos os condimentos do paraíso fiscal local, a mercadoria era vendida para o mesmo grupo a 55 rupias; e, finalmente, o produto chegava ao consumidor ao preço sobrefacturado e escandaloso de 175 rupias.


ETG: Através de paraísos fiscais


As operações do ETG e os seus detalhes financeiros que foram descobertos pelos funcionários do departamento de TI eram semelhantes. Fundado em 1967 e adquirido pelos seus actuais directores em 1986, o Export Trading Group (ETG) possui a cadeia de abastecimento agrícola mais verticalmente integrada em África, com operações em aquisição, processamento, armazenamento, distribuição e merchandising. Também está activamente presente na América do Norte, Índia, China e Sudeste Asiático. 

 

O grupo tem uma presença substancial na Índia nos mercados de “commodities” agrícolas. Neste país, o grupo é liderado por Vijay Bhupatrai Doshi. O ETG é, essencialmente, um grupo baseado em paraísos fiscais com controlo final de uma empresa sediada nas Ilhas Virgens Britânicas (BVI). As principais empresas do grupo na Índia são ETG Agro Private Limited, ETC Commodities (Índia) Private Limited, Greenfield Impex Private Limited, e ETC Agro Processing (Índia) Private Limited e ETG Agro Processing (India) Private Limited – as duas siglas ETG e ETC (Export Trading Company) não devem ser confundidas.

 

As duas entidades que figuraram nas investigações – ETC Agro Processing (Índia) Private Limited e ETG Agro Private Limited – são subsidiárias do Grupo ETG na Índia que pertencem a Mahesh Patel e Ketan Patel, que possuem 60% e 50% de participação, respectivamente. Nestas duas empresas através do Grupo ETC, Maurícias. O restante da participação accionista nessas empresas é detido por Vijay Doshi e seus familiares, Hemir V. Doshi, Mala Doshi e Heera Doshi. 

 

A primeira empresa da família Doshi investigada foi a Agro Ventures FZC, que opera na Zona Franca de Ras Al Khaimah (RAK), no Dubai. Os investigadores examinaram arquivos pertencentes à Pacific Foods Limited (PFL) no Dubai, que era uma joint venture da Parle Biscuits Private Limited (uma das maiores empresas da Índia que fabrica biscoitos e outros salgadinhos operando em Vile Parle, Mumbai, que foi criada pela família Chauhan em 1929); Empresa Comercial de Exportação, Dubai; e Agro Ventures, FZC, Dubai. A PFL foi constituída no Dubai em Abril de 2015 para estabelecer fábricas de biscoitos na Etiópia e no Quénia. Ao examinarem os seus livros, os funcionários fiscais concluíram que Vijay Doshi e Hemir Doshi teriam de explicar a origem dos 5,82 mil milhões de rupias em 2015-16 e dos 18,72 mil milhões de rupias em 2016-17 que tinham investido no PFL.


A segunda questão dizia respeito ao imposto incidente sobre a transferência de acções do ETC Agro. No início, as famílias Doshi e Patel detinham acções na proporção de 52,25:47,75. Uma empresa chamada Kiev Services BV adquiriu então 35% das acções das duas famílias, que ficaram com 32,50% cada. As acções da Kiev Services e da Birju Patel (da família Patel) foram transferidas para o Grupo ETC, Maurícias, em Março de 2012. 

 

De acordo com a taxa de câmbio então vigente, US$ 3,8 mil milhões (das acções de Kiev) seriam iguais a Rs 19,38 crore e US$ 3,52 milhões. (As acções de Patel) valeriam Rs 17,99 mil milhões. O ETC Mauritius adquiriu 67,5% das acções antes de uma nova distribuição de acções reduzir a percentagem para 60%. 

 

De acordo com a Lei de Finanças de 2012, um activo ou activo de capital, sendo qualquer acção ou participação numa empresa ou entidade da ou constituída fora da Índia, será considerado situado na Índia se a acção ou participação derivar, directa ou indirectamente, de seu valor substancialmente dos activos localizados na Índia. Assim, ganhos de capital de 19,38 mil milhões de rupias no caso da Kiev Services e de 17,99 mil milhões de rupias no caso de Birju Patel eram tributáveis na Índia, argumentou o departamento de TI.

 

Mas ambas foram descobertas incidentais. Os responsáveis de TI notaram que tanto o ETC Agro como o ETG Ago não tinham pago qualquer imposto antecipado em 2015, quando a crise estava no seu auge. As razões apresentadas aos investigadores foram a “escassez de fundos” e a “imprevisibilidade” ao longo dos dois trimestres anteriores (as operações foram realizadas em Dezembro de 2015), razão pela qual esperavam uma queda nos lucros. No entanto, ao examinar as contas, descobriu-se que o ETC Agro tinha um rendimento tributável de 30,83 mil milhões de rupias, enquanto o rendimento tributável do ETG Agro era de 37 mil milhões de rupias até 30 de Novembro. 

 

Sobre isso, o relatório de avaliação do departamento de TI observou: Está em posição de transferir facilmente os seus lucros para o Dubai e Singapura, como tem feito no passado. Devido à acção de TI em Dezembro de 2015, o avaliado não conseguiu tempo para manipular seus livros e, consequentemente, a admissão. No entanto, é bastante provável que, no período de Dezembro de 2015 a Março de 2016, voltasse a registar perdas. O AO (avaliador) deve verificar detalhadamente estas transações. Nesse caso, poderá ser solicitada a assistência da Ala de Investigação de Deli.

Estas observações estariam em sincronia com o que os funcionários descobriram para o exercício financeiro anterior. Com um volume de negócios bruto de 1.807 mil milhões de rupias, as duas empresas do Grupo ETC alegaram ter sofrido uma perda de 2,38 mil milhões de rupias, apesar de serem um interveniente mundial dominante no comércio de leguminosas. 

 

O suposto estratagema oferecido para as discrepâncias foi “depreciação/juros”. O montante total apresentado como depreciação e juros, aparentemente, não correspondia às contas do grupo examinado pelos responsáveis de TI. Além disso, as perdas acumuladas nas negociações correspondiam às perdas comerciais mencionadas nos arquivos da planilha. De acordo com esses documentos, o prejuízo comercial foi recalculado. 

 

Após o ajuste para depreciação e encargos financeiros, descobriu-se que o lucro líquido antes de impostos teria sido de 4,54 mil milhões de rupias para o ETG e de 8,06 mil milhões de rupias para o ETC apenas em 2014-15. Para 2012-13, o lucro ajustado antes de impostos foi de 19,54 mil milhões de rupias contra os 7,72 mil milhões de rupias que foram apresentados nas suas contas auditadas. As contas das subsidiárias ECL Commodities India Private Limited e Greenfield Impex Private Limited também indicaram que os lucros apresentados não correspondiam aos que tinham nos seus livros.

 

Tanto o ETC Agro Processing como o ETG Agro negociaram, através dos seus grupos no estrangeiro, com transações não realizadas em condições normais de mercado. Havia provas contundentes de que os preços de exportação foram suprimidos para estacionar lucros no estrangeiro, alegou o departamento de TI. Existem diversas planilhas em que foram feitas comparações com preços oferecidos por contratos de terceiros. 

 

Um livro de Excel relativo ao milho amarelo mostrou que as taxas para partes não relacionadas variaram de 400 dólares por unidade a 566 dólares por unidade só em 2011. 

 

No entanto, as exportações para empresas ETG foram de US$ 272 por unidade. As exportações foram enviadas directamente da Índia para a cidade de Ho Chi Minh, no Vietnam, enquanto as contas foram cobradas da empresa irmã de Singapura. Não houve qualquer adição de valor por parte da Export Trading Commodities Pte Limited de Singapura, que parecia ter sido utilizada apenas para refacturação para subvalorizar os preços de exportação. Devido à alegada subfacturação, o ETG/ETC continuou a incorrer em perdas no papel. 

 

As exportações foram, alegadamente, subfacturadas na ordem dos 40%-45%, e o lucro correspondente foi enviado para empresas associadas localizadas no estrangeiro. Da mesma forma, uma análise dos números das importações ao longo dos anos mostrou que as importações de ETC Agro e ETG Agro de empresas irmãs foram sobrefacturadas em 30%-57%. O grupo transferiu assim os seus lucros para as suas associadas localizadas em paraísos fiscais.

Em contraditório, o Grupo ETG negou as alegações contra si. Doshi declarou num email o seguinte: O Grupo ETG é talvez a única empresa que publica seus preços diariamente em seu site e envia diariamente os preços por email aos órgãos governamentais. Os preços são determinados por dezenas de milhares de empresas e indivíduos que conversam entre si diariamente, avaliando a oferta e a procura e o mercado encontrando o seu próprio nível. O mercado de leguminosas é extremamente volátil devido aos caprichos globais desta cultura altamente dependente da chuva. Os preços das leguminosas cruas flutuam várias vezes ao dia e para uma ampla variedade de variedades e qualidades disponíveis.

Ele alegou também que o ETG não poderia ter controlado os preços e comentou sobre a natureza do comércio em si: Índia consome cerca de 25 milhões de toneladas métricas de leguminosas anualmente. Existem dezenas de milhares de empresas de todos os tipos e tamanhos que operam no sector em toda a Índia. Não é praticamente concebível que, num mercado físico de mercadorias de massa, uma empresa ou poucas empresas possam realmente influenciar os preços de mercado. O produto final não é, de forma alguma, único e é facilmente substituído pelos consumidores, dadas as vinte variedades disponíveis. Qualquer empresa representa uma mera gota no oceano no mercado de “commodities”, alegou o ETG em sua própria defesa.

 

(adaptado de um artigo de Subir Ghosh (Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.), autor e pesquisador independente baseado em Bengaluru. Este artigo foi publicado originalmente na EPW. https://thewire.in/economy/surge-in-2015-pulse-prices-was-a-result-of-cartellisation)

 

Para mais leitura:
https://www.businesstoday.in/latest/corporate/story/cci-raids-offices-of-glencore-export-trading-group-edelweiss-group-over-probe-into-collusion-on-pulse-prices-177613-2019-03-17
https://www.uniindia.com/news/india/dal-crisis-man-made-scam-of-over-rs-2-50-000-cr-in-15-months-of-odi-govt-cong/572551.html

(Marcelo Mosse)

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