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quinta-feira, 12 outubro 2023 06:36

Banco Mundial e FMI retornam à África, mas as questões permanecem – professor guineense Carlos Lopes

As reuniões anuais do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) devem ocorrer em Marrakech, Marrocos, até dia 15 deste mês. A cidade e o país ainda estão a recuperar-se de um terremoto devastador no início de Setembro. De acordo com o economista guineense Carlos Lopes, professor da Mandela School of Public Governance da Universidade de Cape Town, hospedar essas reuniões no continente africano pela primeira vez em meio século sob tais circunstâncias carrega imenso simbolismo, servindo como uma demonstração de resiliência.

 

As duas instituições estão cada vez mais a enfrentar questões sobre a sua relevância para enfrentar os desafios globais actuais. Uma de suas respostas foi comprometer-se a desempenhar um papel mais proeminente na resposta climática global.

 

O apelo à reforma do FMI e do Banco Mundial é particularmente urgente para África, onde os países exigem maior acesso ao financiamento público e privado e alívio da dívida. Um sistema financeiro transformado é essencial para apoiar o crescimento sustentado que beneficie a todos e que reforce a resiliência climática.

 

Para o professor Carlos Lopes, infelizmente, muitas fontes de financiamento, incluindo as do Banco Mundial e do FMI, não atendem adequadamente às necessidades específicas das nações africanas.

 

Para ser eficaz, o apoio financeiro à África deve ter várias qualidades: acessibilidade, confiabilidade, adequação e sensibilidade à vulnerabilidade climática do continente. Também deve ser adaptável para lidar com as persistentes crises de dívida e os desafios de liquidez enfrentados por vários países africanos.

 

Várias propostas políticas foram apresentadas, algumas dos próprios países africanos. Alguns estão estabelecidos num relatório recente com o qual me envolvi pela African Climate Foundation sobre a reforma da arquitectura financeira global.

 

O Grupo Consultivo Africano e o Caucus Africano dentro do FMI e do Banco Mundial, diz Carlos Lopes, estão a expressar expectativas significativas sobre os resultados de Marrakech. Isso reflecte o optimismo cauteloso entre os africanos, cansados de promessas não cumpridas ao longo dos anos. As decisões tomadas em Marrakech serão um teste decisivo da vontade do FMI e do Banco Mundial de reformar.

 

A África é tratada injustamente

 

O continente africano possui oportunidades promissoras para energia limpa e é rico em recursos minerais essenciais para a transição ecológica. No entanto, o financiamento muitas vezes o ignora ou se concentra nas exportações em vez da transformação económica local.

 

Impor uma abordagem política uniforme aos países africanos só piorou as crises, limitando o seu espaço político. Por exemplo, a África deve passar por processos longos e rigorosos para justificar porque precisa de recursos para apoiar certos projectos verdes. Essa adesão a princípios macro-económicos ortodoxos específicos é menos rigorosa quando aplicada aos países mais ricos. Mas é inflexível para países africanos vulneráveis.

 

O relatório recente da African Climate Foundation identificou inúmeras falhas no financiamento, bem como as razões pelas quais a África sofre mais do que a maioria para acessar a liquidez. Descobrimos que grande parte do financiamento é direccionado para esforços de mitigação, como o aumento da área de florestas. Há pouca atenção à adaptação, que é uma prioridade para o continente. A mitigação tende a ser mais lucrativa para financiadores e credores.

 

O professor Carlos Lopes chama atenção para o comportamento das agências de classificação que elevaram as taxas de juros para os países africanos. Isso forçou a maioria dos países a fundamentar as suas necessidades de financiamento além do razoável, apesar de ter as menores taxas de inadimplência na dívida de projectos de infra-estrutura em todo o mundo.

 

Os fluxos estão a ser prejudicados por termos restritivos, comercialização de financiamento climático, altas taxas de juros, compromissos não cumpridos de financiamento climático, mercados de carbono anti-éticos e especulativos, declínio da assistência ao desenvolvimento no exterior e rotulagem do mesmo dinheiro que "financiamento climático".

 

A agenda de reformas

 

Os países africanos estão activamente envolvidos na agenda de reformas. Por exemplo, a declaração da Cimeira Africana do Clima em Nairobi propôs formular a abordagem ao investimento climático no continente e consolidar uma posição africana unificada sobre o financiamento climático no caminho para a COP28.

 

Várias outras propostas também estão a ser consideradas. Neste âmbito, inclui-se uma revisão abrangente do sistema de cotas do FMI, com a potencial inclusão de uma terceira cadeira dedicada à África. As cotas do FMI reflectem o tamanho relativo de um país na economia global. Eles são usados para determinar a estrutura financeira e de governança do fundo.

 

Inclui-se também uma reavaliação do uso de Direitos Especiais de Saque (SDRs). Os SDRs são usados pelos países membros do FMI como parte de suas reservas cambiais. Dada a participação marginal da África, as partes interessadas estão a exigir ao FMI para realocar US$ 100 biliões para aliviar as pressões de liquidez após a COVID-19.

 

O FMI poderia também tomar medidas adicionais, ajudando a lidar com a dívida, através da suspensão das sobretaxas. As sobretaxas do FMI são taxas destinadas a desencorajar o uso prolongado de fundos do FMI. Mas isso coloca um fardo injusto sobre os países pobres que precisam de recursos.

 

Um clube de devedores soberanos - ou parcerias semelhantes - entre países devedores também pode ser benéfico. Tal clube ajuda a aumentar a posição de barganha para obter empréstimos a juros baixos.

 

Enquanto isso, o Banco Mundial enfrenta o seu próprio conjunto de desafios. O banco deve concentrar-se em fornecer financiamento mais barato e disponibilizar mais fundos como parte de sua busca para integrar sustentabilidade, resiliência e inclusão no Roteiro da Evolução.

 

Também deve reavaliar o seu modelo operacional, facilitando o acesso dos fundos dos países africanos e dando-lhes mais voz na alocação de fundos. O banco deve explorar abordagens inovadoras para apoio financeiro e desenvolver novos instrumentos financeiros adaptados às necessidades em tempo real dos mutuários, por exemplo, apoiando a agricultura inteligente.

 

Num artigo publicado no ″The Conversation″, o professor guineense Carlos Lopes lembra que o relatório da African Climate Foundation mostra que a arquitectura financeira global diminui a soberania fiscal da África e a capacidade de pagar pela própria acção climática.

 

Por outro lado, o sistema tributário internacional perpetua desequilíbrios históricos de poder. Favorece os interesses comerciais das nações ricas e empurra a África para as margens. Implementar regulamentos financeiros mais robustos e transparentes é essencial para aumentar o número de participantes e instrumentos no mercado financeiro. Mas isso deve ser feito por meio de melhores regras que promovam uma variedade de serviços financeiros e reduzam seu custo.

 

A legislação global para proteger as bases tributárias das economias africanas de incentivos fiscais e brechas legais usadas por corporações multinacionais poderia combater a saída de capital da África através do sistema bancário internacional.

 

Além disso, conclui Carlos Lopes, o desafio dos fluxos financeiros ilícitos deve ser repensado, pois a responsabilidade dos países que recebem esses fundos foi negligenciada. (The Conversation)

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