Por decisão do Governo de Moçambique, a província da Zambézia, que tem 7.6 milhões de hectares de terra arrável, é foco geográfico do Compacto II, por via do que serão nela investidos a quase globalidade dos 537.5 milhões de dólares norte-americanos do valor total integrado nesta iniciativa desenvolvimentista. Além da agricultura, o Compacto II terá projectos noutras duas áreas, nomeadamente Conectividade e Transporte Rural e Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Costeiro. Reformas institucionais e nos domínios normativos e de políticas públicas dão, ao Compacto II, dimensão nacional. Mostra-se, sendo a Zambézia foco geográfico do Compacto II e conferindo-lhe, a sua localização, o estatuto de pulmão da economia moçambicana, premente perguntar: voltará, esta circunscrição territorial, a registar, findo o Compacto II em 2030, os níveis elevados de contribuição para o Produto Interno Bruto (PIB), como sucedia há cinco décadas?
Na segunda província mais populosa de Moçambique, estando atrás apenas da de Nampula, segundo dados do Censo Geral da População e Habitação de 2017, Zambézia, o foco geográfico do Compacto II para Moçambique, o macrosector da agricultura, silvicultura e pesca figura como o ramo de actividade de 84 por cento dos chefes dos seus agregados familiares, conforme constatou o Inquérito sobre Orçamento Familiar (IOF) de 2022.
Os dados do IOF de 2022 confirmam que Zambézia – que em princípios da décade de 70 do século passado (XX) contribuía com entre 30-35% do Produto Interno Bruto (PIB) e com 70% das exportações do território onde hoje se situa Moçambique – continua uma das mais pobres circunscrições territoriais do País, quer na perspectiva de receita (tanto por agregado familiar como per capita), quer em termos de despesa, estando formalmente acima das províncias de Cabo Delgado, Nampula e Gaza.
Em Novembro de 2020, quase um ano depois do Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, ter recebido, do então Presidente Executivo da agência Millennium Challenge Corporation (MCC), Sean Cairncross, a informação segundo a qual o Conselho de Administração daquela entidade pública norte-americana acabava de seleccionar Moçambique para beneficiar de mais um Programa Compacto, o segundo (Compacto II), a província que viria, pouco depois, a ser escolhida, pelo Governo de Moçambique, como destino dos investimentos a serem empreendidos em sede desta iniciativa desenvolvimentista, realizou a sua primeira Conferência Internacional de Investimentos, que juntou, na cidade de Mocuba, a sede do distrito com o mesmo nome, 300 pessoas, de entre as quais altos quadros do Governo, com o Primeiro-Ministro (PM) à cabeça, bem assim agentes económicos, políticos, parceiros de cooperação, de entre outros.
Quando proferia o discurso de abertura da atrás referida Conferência Internacional de Investimentos da Província da Zambézia, Carlos Agostinho do Rosário, o então PM, referiu-se, destacadamente, ao sector da agricultura, com a necessária consideração do agro-processamento, como possuindo relevância cada vez mais acrescida.
Continuando, o então PM disse que o desafio da focalização no sector agrícola e no agro-processamento é uma estratégia visando “criar mais valor-acrescentado em toda a cadeia de valor, alargando as oportunidades de mercado e estimulando cada vez mais o aumento da produção e da produtividade”.
“Zambézia tem muitas potencialidades”, disse, no mesmo evento, Pio Matos, governador da Zambézia, que, a 21 de Setembro de 2023, tomou parte, num dos salões nobres do Capitólio, a sede do congresso norte-americano, em Washinton D.C., na cerimónia de assinatura do Acordo de Financiamento do Compacto II para Moçambique, onde ouviu a Presidente Executiva da MCC, Alice Albright, afirmar que “esta [Zambézia] província é foco geográfico deste Compacto por decisão do Governo de Moçambique, e nós acreditamos que investimentos como a construção da nova Ponte sobre o Rio Licungo, em Mocuba, e a mini-estrada circular nela integrada, são extremamente importantes para todo o país, uma vez que se garantirá uma ligação segura e fiável entre as regiões Norte-Centro e Sul”.
Alice Albright fez questão de sublinhar, no seu discurso, nas poucas ocasiões em que procurou comunicar com a sua audiência, que incluía o Presidente Nyusi, em língua portuguesa, um slogan registado em letras garrafais no epicentro da cidade de Mocuba – “Onde Todos os Caminhos se Cruzam e Moçambique se Abraça” –, o que a valeu uma forte salva de palmas.
A agricultura, constitucionalmente definida como a base para o desenvolvimento de Moçambique, encontra, na província da Zambézia, um indiscutível potencial, possuindo 7.6 milhões de hectares de terra arrável, dos quais apenas cerca de 1/3 (um terço) estão a ser objecto de exploração.
Três áreas serão objecto das intervenções do Compacto II para Moçambique, designadamente Promoção do Investimento na Agricultura Comercial; Conectividade e Transporte Rural; e Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Costeiro.
Discursando no evento que acolheu a assinatura do Acordo de Financiamento do Compacto II para Moçambique, o Presidente Nyusi agradeceu a generosidade do povo e governo norte-americanos, frisando que tudo será feito para que os fundos integrados no Compacto II sejam rigorosamente geridos e em linha com as boas práticas, estando a responsabilização sempre presente.
“Só assim podemos honrar o sacrifício dos contribuintes norte-americanos e moçambicanos”, precisou o Presidente Nyusi, para depois anunciar que a Millennium Challenge Account Moçambique (MCA-Moçambique), a entidade que coordenará a implementação do Compacto II em Moçambique, será criada, pelo Conselho de Ministros, até à segunda quinzena de Novembro do corrente ano.
Nyusi acrescentou que o Compacto II para Moçambique “é um programa histórico, considerando que é pela primeira vez que teremos, no nosso País, 537.5 milhões de dólares direccionados, em rigor, a uma única província, neste caso a província da Zambézia”.
Dos 537.5 milhões de dólares que constituem o montante global do Compacto II para Moçambique, 500 milhões são referentes ao financiamento da MCC, em forma de donativo, e 37.5 milhões tem que ver com a contribuição de Moçambique.
Tanto Nyusi como Albright acreditam que a criação de empregos será uma das boas-notícias do Compacto II. Nisso, os habitantes da Zambézia, que em 2022 faziam, mensalmente, despesas tão modestas como 1.274 Meticais, segundo dados do último IOF, serão beneficiários de primeira linha, com o que poderão ver a sua renda, e, em consequência, o seu poder de compra, a crescer.
De referir que ainda que tenha como foco geográfico a província da Zambézia, o Compacto II é, em bom rigor, um programa de dimensão nacional, uma vez que as reformas a serem empreendidas, sobretudo nos sectores da agricultura e de estradas, serão de âmbito nacional. A isso, se ajunta o facto de os projectos a serem executados terem a replicabilidade e a sustentabilidade como denominadores comuns, termos em que poderão, no futuro, ser objecto de adaptação e implementação noutras províncias de Moçambique.
É apresentado, nas linhas que se seguem, o essencial dos projectos que integrarão as três áreas do Compacto II para Moçambique, atrás citadas, quando se está a entre 18 e 24 meses do seu início efectivo, tendo em conta que muitas acções preparatórias (realização de estudos técnicos especializados, condução de avaliações de impacto social e ambiental, desenho do plano de reassentamentos, etc.) devem ser antes empreendidas, como forma de os projectos conhecerem uma profícua implementação.
Cumpre sublinhar que o período improrrogável de cinco anos de duração de todo o Programa Compacto (Compacto II para Moçambique, neste caso concreto) começará a contar depois que concluso o trabalho preparatório a ser executado nos próximos 18-24 meses, uma mudança importante comparativamente com o sucedido no Compacto I, implementado em Moçambique entre 2008 e 2013, onde os cinco anos incluíram o período reservado a acções tais (trabalho preparatório).
Conectividade e Transporte Rural
A área de Conectividade e Transporte Rural, ou, simplesmente, o Projecto de Conectividade e Transporte Rural (Projecto CTR), tem comp objectivo reduzir o custo dos transportes na província da Zambézia e em todo o território nacional. O Projeto CTR procurará melhorar a qualidade e a resiliência climática das principais vias, melhorando as estradas e pontes.
Almeja-se que o Projecto CTR melhore, igualmente, o acesso da população rural às vilas-sede dos distrito, principais mercados e serviços sociais (por exemplo, mercados, escolas e unidades de saúde) nas grandes cidades, através da rede de estradas.
O Projecto CTR, que compreende um conjunto equilibrado de investimentos em vias secundárias e terciárias, será corporizado por actividades como a construção da nova ponte sobre o Rio Licungo e da mini-estrada circular nela integrada; o investimento em estradas rurais e acções de reformas políticas e institucionais no domínio da manutenção de estradas.
A construção da nova ponte sobre o Rio Licungo e da mini-estrada circular a ela associada, de 22 quilómetros, é, na verdade, a principal actividade do Projeto CTR. É o projecto de transporte catalogado como o mais prioritário de Moçambique, em geral, e da província da Zambézia, em particular, nos próximos anos, possuindo todo o apoio das entidades públicas relevantes, com particular destaque para a Administração Nacional das Estradas (ANE).
A actividade cujo enfoque é um conjunto pré-identificado de estradas rurais apoiará a melhoria de um subconjunto de uma rede de 647 quilómetros de estradas secundárias e terciárias, com o fim último de melhorar o acesso aos grandes centros urbanos regionais, aos mercados e aos serviços sociais.
Algumas das estradas secundárias e terciárias precisam de ser melhoradas no tocante ao pavimento padrão diz respeito, no que se inclui a reabilitação ou manutenção periódica.
As estradas secundárias deverão ser melhoradas para um padrão de estrada alcatroada de baixo volume, sucedendo o mesmo em infraestruturas como pontes nelas existentes.
As acções de reformas no domínio de estradas visam melhorar a fiabilidade e a adequação do financiamento para a manutenção de estradas, bem como reforçar a capacidade de gestão de activos rodoviários ao nível provincial, ao mesmo tempo que se promove a equidade do género e a inclusão social no sector dos transportes, aumentando-se, com isso, as oportunidades para as mulheres e grupos excluídos no sector de transportes.
Prevê-se como principais resultados na área de Conectividade e Transporte Rural do Compacto II, finda a sua implementação, o aumento dos fundos afectados à manutenção das estradas, paralelamente com o incremento da eficácia das instituições do sector de estradas, incluindo recursos adequados para o Fundo de Estradas e mexidas nas competências da ANE.
A melhoria global do desempenho da rede rodoviária classificada e da mobilidade, com observância de uma maior capacitação económica das mulheres e dos grupos excluídos na Zambézia, integra os resultados que se espera sejam alcançados em sede do Compacto II para Moçambique.
Promoção de Investimento na Agricultura Comercial
Constitui objectivo dos projectos integrados na área de Promoção de Investimento na Agricultura Comercial, ou, simplesmente, Projecto PRIA, aumentar o investimento agrícola, bem como a produtividade e os rendimentos dos camponeses e outros actores da cadeia de valor em Moçambique.
O Projecto PRIA espera realizar o atrás referido objectivo através de duas actividades principais, nomeadamente a de Pacote de Reformas Fiscais no domínio do Investimento Agrícola e a da Plataforma de Agregadores Comerciais da Zambézia (ZCAP).
Objectiva-se, com a actividade de reformas fiscais no domínio do investimento agrícola, incrementar a atractividade do investimento no sector agrícola, através da realização de quatro dimensões de reformas políticas e institucionais, no que se incluem políticas de regulamentação, capacitação institucional, melhoria de sistemas, processos e tecnologia e impressão de melhorias e inovações no quadro de campanhas de sensibilização, com enfoque em investidores moçambicanos e estrangeiros.
A acção cujo fulcro é a Plataforma de Agregadores Comerciais da Zambézia (ZCAP) tem como objectivo geral criar condições para o aumento do investimento no sector agrícola, lado a lado com o incremento da produtividade e dos rendimentos dos camponeses e de outros actores da cadeia de valor na província da Zambézia, com recurso a um financiamento baseado em resultados, paralelamente com a provisão de assistência técnica para permitir e incentivar os agregadores a integrar os camponeses nas suas cadeias de valor.
Actualmente, os agregadores locais, tais como farmeiros comerciais, processadores, armazenistas e comerciantes, muitas vezes são relutantes em integrar os camponeses nas suas operações, incluindo o fornecimento, àqueles, de insumos essenciais como sementes e fertilizantes, sem descurar a própria assistência técnica. A isso, associa-se a garantia de compra dos seus produtos, garantindo-se, dessa forma, que os camponeses passem a integrar o sector formal e nele se mantenham.
Mudanças Climátias e Desenvolvimento Costeiro
Os projectos integrados na área de Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Costeiro, ou no domínio de Meios de Subsistência Costeiros e Resiliência Climática (Projecto CLCR), têm como objectivo aumentar a produtividade dos ecossistemas, através de incrementos sustentáveis das colheitas de peixe e marisco, bem assim de benefícios não-extractivos dos mesmos ecossistemas, quais sejam créditos de carbono e benefícios de protecção costeira.
O Projecto CLCR, que está directamente relacionado com a restrição vinculativa centrada na agricultura, é uma resposta orientada para as pressões prejudiciais exercidas por uma população costeira em rápida expansão, para a qual a sobre-pesca, a destruição de mangais e ervas marinhas, a exploração mineira de areias pesadas e outras actividades de exploração se combinam para esgotar os amortecedores naturais dos ecossistemas, as unidades populacionais de peixes e os meios de subsistência locais.
O Projecto CLCR terá duas actividades (Meios de Subsistência Costeira e Resiliência Climática), ambas a serem implementadas por parceiros públicos e privados que trabalham na área, conforme seleccionados em concurso público internacional.
As referidas actividades apoiarão a construção de uma rede de áreas protegidas, o estabelecimento selectivo de zonas de não-captura e o reforço dos viveiros naturais das populações de peixes/crustáceos, mormente através de campanhas significativas de reflorestação de ervas marinhas/mangais.
Ambas as actividades apoiarão, igualmente, a exploração de melhorias na monitoria da pesca artesanal, na investigação sobre as cadeias de valor do camarão e do caranguejo dos mangais, fortemente exploradas, bem assim quanto à promoção da gestão participativa e de práticas de pesca sustentáveis, orientação dos jovens em áreas específicas para alargar as suas oportunidades e reduzir-se, com isso, a atracção pelo extremismo violento e a mitigação do impacto social da perspectivada proibição do uso das redes de cerco de praia, prevista para 2024.
* Texto originalmente publicado no Newsletter do Gabinete de Desenvolvimento do Compacto II (GDC-II), edição de Setembro de 2023.