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segunda-feira, 14 agosto 2023 07:14

Onde estão guardadas as receitas do projecto da Coral Sul FLNG? - questiona o CIP

plataforma coral sul flng min

Segundo Max Tonela, ministro da Economia e Finanças, desde o início da exportação do gás do projecto Coral Sul FLNG, em Novembro de 2022, Moçambique recebeu cerca de 40 milhões de dólares americanos. No entanto, o seu uso, segundo o Governo, está condicionado à aprovação da Proposta de Lei que cria o Fundo Soberano de Moçambique (FSM). 

 

O Governo diz ainda que as receitas até aqui geradas estão guardadas pela Autoridade Tributária (AT) numa conta segura. Contudo, esta situação levanta algumas inquietações: i) não se esclarece em que banco estão depositadas as receitas; ii) qual é o rendimento do juro por esse depósito; iii) qual é a racionalidade de guardar as receitas num contexto em que o país enfrenta problemas de liquidez de tesouraria; iv) qual é o valor dos 17 carregamentos de LNG e 4 de condensado; e v) quais as categorias de impostos e respectivos valores até aqui arrecadados.

 

A análise do CIP apresenta os riscos que a falta de transparência em relação aos valores das receitas arrecadados no projecto Coral Sul, FLNG, supostamente guardados numa conta bancária aguardado pela aprovação da Lei do Fundo Soberano, podem representar nas finanças públicas, principalmente, ao considerar-se a pressão decorrente da falta de liquidez, com maior visibilidade no pagamento de salários aos funcionários públicos. 

 

A Assembleia da República adiou pela segunda vez, neste mês de Agosto, a discussão em plenária da proposta de lei que cria o Fundo Soberano de Moçambique. A proposta de Lei estava agendada para ser aprovada na V Sessão Extraordinária da Assembleia da República, 

 

agendada para decorrer entre os dias 3 e 7 de Agosto de 2023.

 

Este adiamento foi justificado pela necessidade de proceder à harmonização das propostas emanadas pelas bancadas parlamentares, sociedade civil e pela academia. 

 

Apesar de reconhecer-se que não deve haver pressão na aprovação da Lei, enquanto não se reunir um nível de consenso entre os diferentes actores, que possa ser considerado aceitável, é preciso chamar a atenção ao facto deste adiamento poder ter implicações negativas e agravar a situação actual das finanças públicas, que já é considerada crítica. A difícil situação das finanças públicas manifesta-se, dentre várias formas, pela falta de liquidez cujo reflexo directo é o atraso no pagamento de salários aos funcionários públicos.

 

Reflecte-se, também, pela emissão recorrente de títulos de dívida pública para financiar o défice das contas públicas. Esta situação leva a altos pagamentos de juros da dívida do Governo, o que constitui um risco. Um ponto central que a Proposta de Lei que cria o Fundo Soberano de Moçambique (FSM) introduz é a canalização de 40% das receitas provenientes da produção de gás natural liquefeito, das Áreas 1 e 4, Offshore da Bacia do Rovuma e futuros projectos de desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, nos primeiros 15 anos de operacionalização do FSM, ao fundo, e os restantes 60% ao Orçamento do Estado (OE). Isto implica que a actual receita, que é canalizada a 100% para o OE, passará a ser gerida em 40% pela Lei do FSM e 60% pelo OE.

 

Em Novembro de 2022, iniciou a exportação do gás do projecto Coral Sul FLNG que, segundo Estevão Pale, PCA da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), já realizou 17 carregamentos de LNG e 4 de condensado. Estas operações renderam de impostos para o Estado, até ao momento, cerca de 40 milhões de dólares norte-americanos, segundo Max Tonela, ministro da Economia e Finanças.

 

Este valor, segundo o jornal “Carta de Moçambique”, citando uma “fonte segura”, não será utilizado antes da aprovação da Lei do Fundo Soberano. A mesma informação foi avançada pela directora Nacional de Políticas Económicas e Desenvolvimento do Ministério da Economia e Finanças (MEF), Enilde Sarmento, durante a realização do Seminário de Capacitação aos Deputados da Assembleia da República, no âmbito da apreciação da proposta de Lei que cria o FSM, realizado na Praia de Bilene entre os dias 23 a 25 de Fevereiro de 2023, do qual o CIP fez parte. No seminário foi dito que o valor das receitas se encontra depositado numa conta bancária, aguardando pela aprovação da Lei do FSM para o seu uso, de acordo com a proposta de partilha prevista na Lei que cria o Fundo Soberano.

 

É importante que seja do conhecimento público em que banco está depositado o valor, o tipo de conta que recebe os valores das receitas se, por exemplo, é uma conta caucionada e, se for num banco comercial, qual foi o processo de selecção desse banco, e, ainda, que tratamento será dado aos juros que podem ser gerados com o valor depositado até que a Lei seja aprovada.

 

Economistas clássicos ensinam que grande parte da teoria económica deriva da base da racionalidade embutida nela, isto é, diante de inúmeras possibilidades, o agente económico vai optar por aquela que possa maximizar a sua utilidade.

 

Receitas guardadas sem transparência podem estar a beneficiar interesses privados 

 

em prejuízo de interesses do Estado. Sendo verdade que o valor das receitas até aqui arrecadadas do projecto Coral Sul FLNG encontra-se depositado numa conta para a operacionalização da Lei do FSM, logo que for aprovada, seria importante, para o bem da transparência, que alguma orientação, através de um dispositivo legal mesmo que seja temporário, assim o indicasse para evitar decisões discricionários sobre quando e como esse valor pode ser usado.

 

Com base nos valores actuais da taxa mimo, de 17,25% e a prime rate, de 24,10%1, podem-se estimar os custos de oportunidade para o Estado em guardar ou usar o valor guardado das receitas do projecto Coral Sul FLNG enquanto se aguarda pela aprovação da Lei do Fundo Soberano. 

 

Só para se ter uma ideia, com 40 milhões de dólares extra de liquidez, o banco receptor pode ganhar anualmente cerca de 9,6 milhões de dólares em pagamentos de juros, se usar o dinheiro para empréstimos comerciais. Claramente que com as receitas fiscais futuras, guardadas até que a Lei do Fundo Soberano seja aprovada, os ganhos deste banco podem crescer drasticamente. Além disso, esta é também uma questão de gestão de riscos. Sem transparência não está claro como o banco beneficiário usa esses fluxos de caixa inesperados (por exemplo, para tipos de crédito de risco ou outros investimentos).

 

Adicionalmente, o fluxo de caixa adicional também pode ter um impacto no valor de mercado do banco beneficiário e, portanto, potencialmente beneficiar certos accionistas privados. Desse modo, a transparência em relação ao processo da identificação do banco que guarda o valor é importante para entender possíveis conflitos de interesses e manipulações políticas para o desenrolar dos acontecimentos até à aprovação da Lei.

 

O outro problema relaciona-se com a demora na aprovação da Lei que retira liquidez ao Estado, para fazer face às suas despesas, e abre espaço para que o Governo possa decidir, na altura que desejar, não mais guardar as receitas e usá-las, na sua totalidade, para fins orçamentais, como é o caso de pagamento de salários ou financiamento de eleições. Importa recordar que no quadro legislativo actual, sem a Lei do FSM, a decisão do Governo não seria ilegal. 

 

Neste sentido, a aprovação, o mais rápido possível, da Lei é necessária antes que a “fome aperte” e as decisões irracionais ganhem terreno. Alternativamente, enquanto se aguarda pela aprovação da Lei, devem ser divulgadas publicamente informações sobre os valores.

 

Em anos eleitorais, os Governos tendem a usar os recursos de forma oportunista visando garantir a sua reeleição e manter o poder, ou mesmo retirar o máximo de ganhos de forma não lícita. O Banco de Moçambique já fez um alerta em que indica que as eleições estão a pressionar a despesa pública. A pressão da reeleição e maximização de ganhos, e ainda a necessidade de satisfação da despesa pública, pode levar à decisão do uso das receitas do gás da Coral Sul FLNG agora e de forma não racional, em detrimento da criação do Fundo Soberano, que permitiria uma gestão mais transparente e com objectivos de desenvolvimento de médio e longo prazo.

 

Concluindo, o CIP assinala que, no debate sobre a gestão de receitas do gás, no geral, é importante que a transparência seja o elemento principal. Melhorar a transparência pode reduzir o risco e prevenir actos de corrupção, através da disponibilização de informações enquanto o mecanismo definido na proposta de Lei do FSM não é aprovado.

 

Mas, acima de tudo, maior transparência e disponibilização de informação possibilitaria uma melhor gestão de expectativas, num contexto em que os cidadãos não acreditam nos titulares dos cargos públicos e nas instituições. 

 

Neste sentido, é fundamental que detalhes sobre as receitas arrecadadas pelo Estado sejam publicamente divulgados, nomeadamente detalhando questões centrais como: qual foi a quantidade total do gás exportando nos 17 carregamentos de LNG e 4 de condensado, e, qual é a receita obtida pelas empresas exportadoras antes da dedução dos impostos. 

 

O Governo deve, ainda, explicar e detalhar o valor de impostos arrecadados bem como as categorias de impostos que estão a ser coletadas. Deve dar a conhecer onde está domiciliada a conta que neste momento recebe os valores das receitas da Coral Sul FLNG e o respectivo saldo bancário, de forma mensal. Deve esclarecer como o dinheiro é usado e como está garantida a sua segurança. (Carta)

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