A organização não-governamental (ONG) Associação Moçambicana de Desenvolvimento Rural acusou o Governo de pretender criar “um mercado de terra” no país e fragilizar os direitos dos camponeses, com a revisão da Política Nacional de Terras.
“Não é uma sensação, é uma conclusão que deriva da leitura da proposta de revisão da Política Nacional de Terras, o Governo está interessado em criar um mercado de terra e desproteger os camponeses e produtores familiares”, disse à Lusa o diretor-executivo da associação, Abel Saínda.
A organização tem sido uma das mais críticas em relação ao atual processo, primeiro passo para a revisão da Lei de Terras.
“Com a proposta que o Governo tem em mãos, o objetivo é proteger os interesses dos investidores externos”, declarou Saínda.
O ativista apontou o “efeito fraturante do princípio da livre transmissão da terra”, constante da proposta, como um exemplo de que o atual Governo está a ceder a “interesses particulares”.
“Com as fragilidades institucionais e sociais que temos em Moçambique, romper com o princípio da inalienabilidade da terra e prever a livre transmissão será um caminho para a criação de um contingente de sem-terras em Moçambique”, enfatizou.
Abel Saínda considerou que “o problema está a ser mal atacado”, quando se considera que a venda de terra vai permitir que os produtores tenham um ativo e acesso ao financiamento bancário, com a possibilidade de usar a terra como hipoteca.
“O drama dos agricultores e das comunidades não é o facto de não poderem vender a terra, são sim as condições proibitivas de acesso ao financiamento bancário e ao seguro agrícola”, acrescentou.
O diretor-executivo da associação manifestou preocupação com o risco de as posições da sociedade civil não serem incorporadas na próxima Política Nacional de Terras, defendendo que o atual executivo “não tem legitimidade para fazer reformas estruturais, porque não tem mais de três anos de mandato”.
Abel Saínda acusou ainda as autoridades de assegurarem apenas a presença física dos representantes das comunidades no processo de auscultação, ignorando uma verdadeira participação.
“Na reunião nacional realizada ontem [quarta-feira], o Ministério da Terra e Ambiente negou-me a palavra, porque o que interessa ao Governo é a minha presença física e não as minhas contribuições”, declarou.
Na quarta-feira, a ministra da Terra e Ambiente, Ivete Maibaze, disse que o Governo vai alargar por mais 30 dias o prazo do debate sobre a revisão da Política Nacional de Terras, numa altura em que é alvo de fortes críticas por parte da sociedade civil.
Maibaze avançou que o prolongamento do prazo visa permitir a auscultação de mais opiniões.
“O Governo, através do Ministério da Terra e Ambiente, criou mais um espaço de consulta pública, que irá nortear a gestão, administração e o uso sustentável da terra”, declarou.
O Governo moçambicano justifica a pertinência da revisão da Política Nacional de Terras e da Lei de Terras com a necessidade de promover um quadro regulatório que assegure um acesso equitativo, posse segura e uso sustentável da terra, ao serviço da sociedade e da economia moçambicana.