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Luís Nhachote

Luís Nhachote

quinta-feira, 31 outubro 2024 15:48

Mano Venâncio, e depois?

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Meu caro amigo, Venâncio Mondlane, escrevo-lhe para lhe contar que uma tia minha, a Carlota, já está melhor das lesões torácicas provocadas pelo gás lacrimogéneo que foi deliberadamente atirado pela polícia contra ela e tantos outros desarmados. Ela, que já havia perdido a mão direita com os estilhaços de artefactos do paiol que explodiu em 2008, pediu que te fizesse chegar as inquietações que lhe vão na alma. Pediu também para te garantir que o voto dela, que depositou na urna com a mão esquerda que lhe sobrou, foi para ti.
 
Naquele dia em que deste o peito à indignação, saindo à rua, mesmo sob coação, para homenagear os heróis do nosso tempo, Elvino Dias e Paulo Guambe, ela disse-me que não conseguiu sair da sua casa, no bairro de Maxaquene, para ir à baixa da cidade comprar gelinhos, por conta do gás lacrimogéneo que inalou. Afinal de contas, aquele gás lacrimogéneo estava fora do prazo há dez anos, conforme ilustra a cápsula que ela apanhou com a mão esquerda.
 
Carríssimo Venâncio Mondlane, A tia Carlota pede que o informe que os gelinhos que ela compra e vende para a sua sobrevivência garantem-lhe, pelo menos, duas refeições por dia. A primeira por volta do meio-dia e a outra, isto quando calha, ao entrar da noite. A maior preocupação da minha tia, para estes sete dias que convocaste a greve geral à escala nacional, prende-se com a sua sobrevivência no plano real. Ela diz que não gostaria de sucumbir à fome, pois pretende estar viva para poder te acenar com a mão que lhe sobra. “Sobrinho, pergunta ao Mano Venâncio Mondlane como é que iremos sobreviver sem fazer negócio por sete dias? Pergunta-lhe, por favor, meu querido sobrinho”.
 
VM7, a tia pretende saber também como é que ela, que confiou o seu voto em ti como representante das suas aspirações de mudança, deve proceder ficando em casa sem praticar o comércio da sua sobrevivência no limite. Para a tia Carlota, a tua liderança depende da confiança dos teus apoiadores, e essa confiança só será mantida se houver um compromisso claro de que os seus interesses estarão salvaguardados. Ela diz que compreende que as grandes mudanças exigem grandes sacrifícios, mas precisa saber até que ponto esses sacrifícios serão necessários e se durarão até que ela e outros não sucumbam à fome.
Mano Venas, a tia Carlota pediu também para dizer que está muito preocupada com a sua última ''live''. Ela diz que sente a sua dor, mas acredita que o mano está a disparar em várias direcções que podem levar a que seja declarado o “Estado de Emergência” e teme que a ditadura seja de facto instalada; se Nyusi virar ditador, não lhe restará nada mais do que perseguir os seus opositores, dentro e fora do partido.
 
Cá entre nós e ja longe das preocupações legitimas da tia Carlota, vi que apelas ao sacrifício de todos os moçambicanos e evocas o exemplo da Frelimo, que, ao se formar na Tanzânia, consentiu grandes sacrifícios em nome da independência. No entanto, é importante lembrar que, na luta pela independência, foram essencialmente os combatentes e líderes revolucionários que arcaram com os maiores sacrifícios, e não a totalidade da população.
 
A história mostra que, em conflitos e resistências ao redor do mundo, os civis raramente estão na linha de frente armados – são geralmente apoiadores, espectadores, vítimas ou sobreviventes das decisões tomadas. Com essa comparação, Venâncio, quero destacar uma diferença fundamental: hoje, pedir que toda a população faça sacrifícios pode ter um impacto profundo sobre aqueles que, como tia Carlota, não têm margem para sustentar essas perdas. Ela e muitos outros dependem do trabalho diário para sobreviver. Nesse sentido, uma greve geral é um fardo desproporcional para aqueles que já vivem em extrema precariedade.
 
A luta por um país mais justo e democrático é essencial, mas a condução desse processo exige sensibilidade e estratégias que não coloquem em risco a sobrevivência das tias Carlotas deste país. Afinal, são justamente esses cidadãos que, em última análise, confiam e esperam que os líderes protejam os seus interesses básicos enquanto lutam pelo futuro melhor prometido.
 
Abraço, Luis Nhachote.
quarta-feira, 17 julho 2024 11:16

Chapo: O Pagador de Promessas?

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Nos últimos tempos estamos a ser, literal e sistematicamente, inundados com a figura de Daniel Chapo, o candidato presidencial da Frelimo às eleições de Outubro próximo. Chapo é já uma vírgula nacional. Nascido em Inhaminga, distrito de Cheringoma, Sofala. Chapo chegou a este vale de lágrimas no ano em que organização que o endossa, se assumia em congresso (o Terceiro) de orientação marxista-leninista, abraçando o doce socialismo científico, na esperança certa de instalar o homem e uma sociedade novas onde cada qual viveria conforme as suas capacidades e cada qual segundo as suas necessidades. Curiosamente, o ano do início da guerra entre os moçambicanos.

 

Em 1994 quando Moçambique realizava as suas primeiras eleições gerais e multipartidárias, Chapo navegava ainda nas turbulentas e doces águas da puberdade, ainda não podia votar. Hoje 30 anos se passam da única eleição que ele não terá votado, e o bebé de 1977, já adulto e senhor, é um dos em quem se espera votar e, para sua felicidade, que a maioria o confie e escolha.

 

Na eventualidade de ser eleito, será de facto o marco da propalada transição geracional na Frelimo e no estado moçambicano. O primeiro, que vive os seus momentos mais moribundos da sua existência; sem ideologia, sem valores e o segundo, arrastado pela indefinição e incapacidade agravada pelo recuo tribalista de um partido que se diz de “massas”. “A Frelimo é o Povo!” gritava Samora, mas que guarda as ma$$as para um grupo cada vez mais reduzido.

 

A utopia que pairava no ar quando Chapo viu a luz do dia no agora longínquo ano é uma doce recordação de um país martirizado por um liberalismo bandido, pela consagração de uma burguesia prostituída aos sabores e encantos de grupos criminosos internacionais e pela cada vez mais ousada e desavergonhada malandragem local.

 

A burguesia, outrora combatida num hino “Avante operários camponeses/ na luta contra a exploração (...) Somos soldados do povo marchando em frente na luta contra a burguesia”. Hoje o revolucionário refrão foi substituído pelo liberal “pela paz, pelo progresso” vincando uma união quase incestuosa numa Frelimo bipolar onde Chapo não é nenhum extraterrestre nas metamorfoses que atravessam a história do partido e do país.

 

Aliás, Bob Dylan anunciara nas vésperas da queda do murro de Berlim que “the times are changing” e a Guerra Fria hoje decorre sob outros prismas e em pequenos tamanhos, onde a economia é campo fértil. Chapo pode agarrar o ceptro mas o consulado de Nyusi pode deixar-lhe de herança, tal como Guebuza deixou a Nyusi, uma realidade minada e múltiplos barris de pólvora com os rastilhos acendidos:


1.) as Dívidas Ocultas: apesar das boas notícias recentes;
2.) Cabo Delgado: onde ainda se escondem na noite os feiticeiros da estranha guerra que martiriza inocentes e fortalece um grupo específico que ainda esconde-se nas sombras; e
3.) o tráfico de drogas: que ganha mais terreno na nossa sociedade que assaltou muitas instituições e já gangrena o país.

 

As notícias falam de um Nyusi que levou Chapo pelas mãos para Kigali para o chancelar junto ao General Paul Kagamé, (O Mau) o verdadeiro Comandante em chefe da luta contra o terrorismo e da protecção dos interesses gauleses na região Austral de África. Uma iniciação que pode custar muito caro a Chapo.

 

Chapo é um dos “quadros” saídos dos bancos da Faculdade de Direito da maior e mais importante universidade pública moçambicana. Certamente, aprendeu dos seus professores e mestres, conhecimentos sólidos sobre as múltiplas dimensões da natureza do Estado de Direito democrático, do primado da lei e dos riscos da sua subversão. Não é de todo desavisado.

 

Outro dinamismo que nos é dado a assistir é a romaria do entrosamento apressado, nos círculos partidários de um Chapo (já) Presidente e da repetição da entronização do líder visionário no movimento associativo de “Amigos de Chapo”, “Família de Chapo”, “Tias de Chapo”, “Colegas de Chapo”, “Vizninhos de Chapo”. Tal como aconteceu com Nyusi, mas na versão exagerada da então Anyusi. Sendo, sempre, os seus mentores movidos por muito boas intenções, as tais que enchem o inferno e a terra infernizando a nossa já mísera vida.

 

Assiste-se nas televisões ou em leaks imprudentes, um Chapo bastante ocupado ou uma multidão bastante agitada em tê-lo como seu, ou à espera da sua atenção. Empresários, académicos, políticos, músicos, homens, mulheres e crianças, santos e pecadores. Todos estão à espera do Mano Chapo para lhe renderem as vénias e o colocarem no panteão de líder visionário e colherem os frutos dessa entronização enganadora para anos depois falarem mal dele e o acusarem de não ouvir ou de ser alguma coisa até incapaz e ambicioso.

 

Numa organização já assumidamente assaltada, falta apenas assaltar o próximo timoneiro e tudo está a ser feito nesse sentido. Deste lado, pedimos e alertamos, Mano Chapo, que ponha a família de lado e acima de tudo proteja os seus filhos das tóxicas poeiras do castelo do poder quando escolher seguir esses grupos de malandros e abandonar os desejos e vontades adiadas de um país e um povo que até aqui, quando não faz guerra, só tem vivido de bichas, reuniões e promessas.

 

Esperamos, rezamos e esperamos que seja finalmente o tão esperado Pagador de Promessas.